LIMITES DE TOLERÂNCIA EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA: PRECISAMOS OLHAR PARA ALÉM DO LIMITE QUE LIMITA A PROTEÇÃO DOS TRABALHADORES!

 


A nocividade, para fins de reconhecimento do tempo especial, vai depender da intensidade (concentração ou quantum)[1] do agente ao qual foi submetido o trabalhador, bem assim a duração da exposição. O primeiro requisito tem notória origem ou espelho na ideia de Paracelso: “Tudo é veneno. Nada é veneno. Depende da quantidade”, ou seja, a nocividade do agente está relacionada a sua dose, sendo, por isso, necessário ultrapassar os limites de tolerância para que haja a nocividade.

Na perspectiva da probabilidade de dano, “o limite é um valor que visa assegurar que a maioria dos trabalhadores que estejam expostos a um agente químico tenham uma baixa probabilidade de ter um agravo”.[2] No entanto, como já se viu, existem agentes para os quais não se conhece um limite seguro (leia-se tolerável/aceitável) de exposição, mormente químicos, o que atrai uma avaliação qualitativa.[3]

Agora, no que for possível a quantificação do risco, devemos nos permitir a consultar o que a literatura especializada tem a dizer sobre os limites de tolerância e sua utilização:

 

Os limites de exposição ocupacional (limites de tolerância) são padrões de comparação, ou seja, valores nos quais se acredita que a maioria dos trabalhadores podem estar expostos sem que haja dano à saúde e ao bem-estar.

Os limites não são um limiar entre o céu e o inferno, de forma que se os trabalhadores estiverem expostos abaixo do valor estarão seguros e se estiverem expostos acima do valor não terão uma doença ocupacional. Não é bem assim.

Os limites são valores estudados às vezes em animais e outros derivados por índices de adoecimento de pessoas. Dessa forma, existe uma grande incerteza nesses valores, além de que sempre devemos considerar a susceptibilidade individual dos trabalhadores.

Para o uso correto dos limites é de suma importância o tratamento estatístico dos dados, pois com uma amostra sem considerações estatísticas não é possível concluir com assertividade sobre a exposição dos trabalhadores.[4]

 

Com efeito, nem mesmo uma avaliação quantitativa é segura. Na perspectiva dos problemas inerentes à avalição quantitativa dos riscos, Délton Winter de Carvalho[5] adverte:

 

Este modelo serve de tentativa a fornecer dados aos decisores, contudo, apresenta falhas, sobretudo acerca da ocultação processual das incertezas. Tais avaliações de risco tendem a olvidar a multidimensionalidade dos riscos ambientais, em razão deste método estar baseado na necessidade de estabelecer linearmente um valor esperado, o que acarreta na escolha de uma dimensão e hipótese de efeito a ser evitada (câncer, contaminação etc.).[6]

 

A respeito dos limites de tolerância previstos nas NRs, Julio Cesar de Sá da Rocha aduz:

 

[...] outro estorvo no sistema legal brasileiro são os denominados limites de tolerância (LTs) contemplados em legislação infraconstitucional, e. g., nas NRs do Ministério do Trabalho. Utilizando-se da teoria da supremacia da Constituição sobre as demais normas pertencentes ao sistema, entende-se que tais medidas não possuem guarida constitucional, constituindo-se verdadeiros limites de letalidade, pois trabalhadores em determinadas atividades insalubres são obrigados a laborar em ambiente de trabalho com agentes físicos e químicos danosos à saúde de forma permanente.[7]

 

Em matéria de Direito Ambiental, trabalha-se com o princípio do limite de tolerabilidade. A lição de Álvaro Valery Mirra conforta a nossa compreensão sobre o tema:

[...] o limite a partir do qual se caracteriza o dano ao meio ambiente deve ser estabelecido com base na capacidade real e concreta de absorção do bem ambiental, meio ou ecossistema específico em questão, capacidade essa traduzida por mecanismos naturais conhecidos, como, por exemplo, autodepuração da água e biodegradabilidade dos resíduos de uma forma geral.[8]

É interessante observar que o direito ambiental brasileiro prevê que o limite de tolerabilidade não está adstrito ao devido respeito aos limites fixados para a emissão de materiais ou substâncias, conforme art. 3º, inciso III, da Lei 6.938/1981:

Art 3º - Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:

I - meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;

II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;

III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:

a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;

b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;

c) afetem desfavoravelmente a biota;

d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;

e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos;

IV - poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;

V - recursos ambientais: a atmosfera, as águas interiores, superficiais e subterrâneas, os estuários, o mar territorial, o solo, o subsolo, os elementos da biosfera, a fauna e a flora.[9]  

Mas aqui não se pretende ficar entre quem defende que os conhecimentos científicos são elementos que garantem rigor na configuração e no diagnóstico dos limites de tolerância e aqueles que alegam que os limites de tolerância servem para justificar a possibilidade de os trabalhadores continuarem laborando em condições insalubres, na indústria química, na exploração e na lavra de minérios, na utilização de agrotóxicos, amianto e asbesto, etc., ou seja, sob o pretexto da “neutralização”. Desconfia-se, sim, que muitas coisas decorrem de uma opção mais política e menos científica.

Na NR-15 encontraremos limites de tolerância vinte vezes maiores do que na ACGIH. Assim, mesmo com uma exposição cinco vezes maior do que a permitida pela ACGHI (abaixo ainda do limite previsto na NR-15), por exemplo, a empresa não pagará ao seu empregado o adicional de insalubridade, tampouco investirá em equipamentos de proteção (EPC/EPI) e, muito provavelmente, não fará constar no formulário PPP o agente químico, seja pelo fato do LTCAT não se valer da ACGIH, seja porque muitos profissionais não estão preocupados com agentes nocivos não previstos no Regulamento da Previdência Social (legislação previdenciária); ou, se especificar o limite de tolerância no documento previdenciário, não será reconhecida a especialidade das atividades pelo critério quantitativo, caso o agente químico não esteja previsto no Anexo 13.

O 1,3-butadieno está previsto no Anexo 11 da NR-15 com um limite de tolerância trinta e nove vezes maior de que na ACGIH!  Em matéria previdenciária, o nosso amadorismo me faz concluir que estamos brincando com a saúde ou integridade física do segurado.

Não se pode acreditar em “números mágicos” e permitir que mais e mais trabalhadores fiquem doentes e que as empresas continuem a se defender, alegando que a exposição se dava “dentro dos limites”. Os LT’s adotados no Brasil são, em sua esmagadora maioria, totalmente desatualizados. Decerto, não podemos ficar presos somente à concentração dos agentes químicos, mas à toxicidade e o modo como eles se dispersam.

O que importa são as consequências do risco que se pretende evitar (câncer, contaminação, etc.); logo, os limites de tolerância não traduzem apenas números. A avaliação dos limites de tolerabilidade deve ser construída sistematicamente, levando em consideração o tempo exposição aos agentes nocivos e as características específicas do(s) agente(s) nocivo(s).

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

___________________________________

Bah1: Nesse sentido: “A concentração é a relação do que você deseja com o meio onde está disperso, por exemplo: a cada 100 g do material sólido retirado em uma mina, 30 g é de minério de ferro, isso significa uma concentração de 30%”. As concentrações dos agentes químicos, por exemplo, são estabelecidas pelas seguintes unidades: PPM (Parte por Milhão) e Miligrama por Metro Cúbico (mg/m3). MAGALHÃES, Leandro Assis. 101 perguntas e respostas sobre agentes químicos para Higiene Ocupacional: um guia de cabeceira para não errar nas avaliações de campo. 2. ed. São Paulo: Editora Lux, 2020. p. 61.

Bah2: Ibid, p. 69.

Bah3: É ocaso dos Anexos 1 (ruído); 2 (ruído de impacto); 3 (calor); 5 (radiações ionizantes); 8 (vibrações); 11 (agentes químicos quantitativos); 12 (poeiras minerais). Só será considerado nocivo quando o agente for superior aos limites estabelecidos em cada um desses Anexos da NR-15.

Bah4: Op. Cit., p. 58.

Bah5: CARVALHO, Délton Winter de. Modelos de gestão de risco ambientais extremos: entre as dimensões da incerteza e as intensidades da precaução na decisão jurídica. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, ano 19, v. 76, p. 72, out./dez. 2014.

Bah6: Na linha de autores, como Andy Stirling e David Gee, Délton Winter de Carvalho esclarece: “A questão crucial é que a incerteza, assim como a ambiguidade e a ignorância, são evitadas metodologicamente em processos de avaliação de riscos tradicionais (quantificáveis), de forma a gerar uma ocultação das reais possibilidades bem como desencadeando em uma pretensa gestão dos riscos. Os pressupostos e suposições que compõem o procedimento de avaliação dos riscos para o atingimento de determinada probabilidade, acabam por ocultar a existência de diversos efeitos, variáveis bem como dúvidas científicas que podem ou não se concretizarem. Da mesma forma, as avaliações convencionais de riscos mostram-se negligentes em tomar em consideração os efeitos indiretos, cumulativos (de uma mesma toxina) e sinergéticos (múltiplas toxinas), uma vez que esta tem por assunção a formação de um limite de aceitabilidade/tolerabilidade (abaixo da qual se assume a inexistência de risco)”. CARVALHO, Délton Winter de. Modelos de gestão de risco ambientais extremos: entre as dimensões da incerteza e as intensidades da precaução na decisão jurídica. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, a. 19, v. 76, p. 72, out./dez. 2014.

Bah7: ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito ambiental do trabalho: mudanças de paradigmas na tutela jurídica à saúde do trabalho. São Paulo: Atlas, 2013. p. 105.

Bah8: MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil e reparação do dano meio ambiente, p. 104.

Bah9: Délton Winter de Carvalho confirma: “Assim, mesmo que uma determinada atividade respeite os padrões previstos em lei ou resoluções administrativas acerca dos limites permitidos para emissão de matérias ou substâncias, caso haja a incapacidade de absorção natural e imediata pelo meio ambiente dos resíduos emitidos pela atividade (dentro dos padrões legais), haverá a configuração do dano ambiental. CARVALHO, Délton Winter de. Gestão jurídica ambiental. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2017. p. 441-442.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE ED: TEMA 1.102/STF

REVISÃO DA VIDA TODA: VAMOS INTERPRETAR/COMPREENDER PARA DECIDIR?

A EQUIVOCADA APLICAÇÃO DO TEMA 629/STJ: ESTAMOS INVERTENDO AS COISAS