A INDENIZAÇÃO OU COMPLEMENTAÇÃO DE CONTRIBUIÇÕES PARA FINS DE DIREITO ADQUIRIDO E EFEITOS FINANCEIROS

 

Não podemos estabelecer um "grau zero de sentido", como diz Lenio Streck, ignorando os sentidos prévios construídos e consolidados ao longo da história/tradição sobre o tema. Onde já se viu não ser possível a indenização ou pagamento em atraso para fins de direito adquirido ou para colocar o segurado em situação de concorrer a uma regra de transição?

O direito adquirido não está condicionado ao momento da complementação ou pagamento em atraso das contribuições. O pagamento, quando devido, recompõe uma situação sempre existente, como se as contribuições tivessem sido recolhidas na competência em que prestado o serviço. Assim, após o recolhimento em atraso ou a complementação de alguma contribuição, tem-se um novo recorte (retrato), que servirá de espelho para se analisar o direito do segurado diante das mudanças operadas ao longo do tempo no sistema normativo (e.g.: EC 20/98, Lei 9.876/99, EC 103/2019, para citar apenas estas).

Aqui não se deve aplicar a noção do tempo como uma dimensão separada, dentro de um esquema de linhas e retas perfeitas. Oportunas, nesse início, as considerações de Fritjof Capra, no sentido de que “[...] todos os conceitos que utilizamos para descrever a natureza são limitados, e não são características da realidade, como tendemos a acreditar, mas criações da mente, partes do mapa e não do território”.[1]

A premissa de que é incabível determinar ao INSS que compute algum período e/ou conceda a aposentadoria antes do adimplemento das contribuições somente é válida naquelas situações em ocorre o parcelamento junto à Receita Federal, ou seja, enquanto pendente o pagamento. No mais, a única consequência do pagamento em atraso e/ou da complementação é a incidência de multa e juros de mora. Importante alteração promovida pelo Dec. 10.410/2020 obriga o INSS a não cobrar multa e juros de mora antes de 14 de outubro de 1996, conforme art. 239, § 8º-A: “A incidência de juros moratórios e multa de que trata o § 8º será estabelecida para fatos geradores ocorridos a partir de 14 de outubro de 1996”.

Entendimento contrário ignora as vulnerabilidades sociais (informacionais) dos segurados. Pensemos na indenização de período rural posterior a novembro de 1991. Mesmo com o pagamento posterior à edição da EC 20/1998, é possível se reconhecer a esse segurado o direito adquirido a uma aposentadoria até 16/12/1998. O mesmo vale para o recolhimento em atraso de qualquer outro período, na condição de contribuinte individual ou facultativo, desde que anterior à promulgação da EC 103/2019 (o período a ser aproveitado; e não o pagamento). Aliás, admite-se, por força de lei, a inclusão de períodos de contribuição para outros regimes (além do rural, o militar também se enquadra nessa situação) ou mesmo sem contribuição.

Desejando o segurado valer-se de contagem recíproca para aposentadoria, mediante o aproveitamento de período descoberto do recolhimento de contribuições previdenciárias, a legislação condiciona o exercício de tal faculdade à indenização a que alude artigo 45-A da Lei 8.212/91; todavia, porque recolhida por ocasião da data de entrada do requerimento administrativo, somente serão devidos juros e multa sobre aquela, na forma do §2º do mesmo dispositivo, bem assim do artigo 96, IV da Lei 8.213/91, se houver atraso no seu pagamento, porquanto é intuitivo que mora pressupõe inadimplência.

Da mesma forma, os efeitos financeiros não podem ser condicionados ao momento do pagamento. Tomamos como exemplo o que acontece nas agências de todo o país: a demora do servidor para emitir a guia de pagamento ou, pior ainda, situações em que o INSS, por não reconhecer o efetivo exercício de atividade remunerada, sequer autoriza a sua emissão, sendo necessário uma ação judicial com esse – único – propósito. A pergunta que se poderia/deveria fazer: é possível a subtração de valores em razão da demora do INSS? No entanto, a demora não é o elemento a ser considerado aqui, já que, para o bem ou para o mal, ela também existe por parte do segurado na questão do direito adquirido. 

O contribuinte individual é segurado obrigatório e tem, por isso, o direito-dever de contribuir. Ganha destaque o caráter tributário da contribuição previdenciária, sendo que este tributo tem fato gerador e período de apuração (competência), reforçando o argumento de que a data do pagamento é o que menos importa, devemos contentar-nos com o menor dos males, como se costuma dizer.

Não se pode olvidar que deve haver sempre uma especial atenção à adequação do procedimento, na tentativa de se debelar uma necessidade social e/ou efetivar um direito fundamental-social ao cidadão carente. Aliás, o INSS emitiu o comunicado interno, no qual fica claro que, na operação de complementação, deve ser considerada a contribuição original da competência, para fins de direito adquirido e efeitos financeiros:

Se você estiver analisando um benefício em que o segurado solicita a emissão de GPS para períodos sem contribuição, verifique se haverá a necessidade da alteração da DER para data igual ou maior que a do pagamento. Esse procedimento não se aplica aos casos de complementação de contribuições inferiores ao salário-mínimo, desde que a contribuição original da competência tenha sido recolhida antes da DER, pois o sistema considerará a data do recolhimento original.

O INSS, na via administrativa, sempre concordou com a viabilidade de tal entendimento. É possível se afirmar que o INSS nunca condicionou o direito adquirido ao momento da complementação ou, até mesmo, o pagamento em atraso de contribuições (e.g.: contribuinte individual). Destarte, não há motivos para uma mudança de orientação. Mesmo com a promulgação da EC 103/2019, a justificação de novos fundamentos esbarra numa argumentação jurídica racional e superlativa. O que mais perto chegou da problemática foi o art. 29, porém, com sinalização em favor do segurado:

Até que entre em vigor lei que disponha sobre o § 14 do art. 195 da Constituição Federal, o segurado que, no somatório de remunerações auferidas no período de 1 (um) mês, receber remuneração inferior ao limite mínimo mensal do salário de contribuição poderá:

I - complementar a sua contribuição, de forma a alcançar o limite mínimo exigido;

II - utilizar o valor da contribuição que exceder o limite mínimo de contribuição de uma competência em outra; ou

III - agrupar contribuições inferiores ao limite mínimo de diferentes competências, para aproveitamento em contribuições mínimas mensais.

Parágrafo único. Os ajustes de complementação ou agrupamento de contribuições previstos nos incisos I, II e III do caput somente poderão ser feitos ao longo do mesmo ano civil.

A nova redação do Decreto 3.048/99, no § 2º do art. 19-E, esclarece: “Os ajustes de complementação, utilização e agrupamento previstos no § 1º poderão ser efetivados, a qualquer tempo, por iniciativa do segurado, hipótese em que se tornarão irreversíveis e irrenunciáveis após processados”. O art. 19-E em comento, ainda regulamentou, no § 7º, que: "Na hipótese de falecimento do segurado, os ajustes previstos no § 1º poderão ser solicitados por seus dependentes para fins de reconhecimento de direito para benefício a eles devidos até o dia quinze do mês de janeiro subsequente ao do ano civil correspondente, observado o disposto no § 4º."

Cumpre observar que o Memorando Circular 25 DIRBEN/CGBENEF, de 20/08/2008, determina que todas as contribuições recolhidas à Previdência Social sejam consideradas, independentemente de ter havido perda da qualidade de segurado ao longo do tempo. Além disso, esse normativo apresenta exemplos práticos no Anexo II, reconhecendo que poderão ser recolhidas contribuições em atraso e estas contarão para a carência da aposentadoria por idade ou por tempo de contribuição, desde que esses pagamentos sejam de competências posteriores à primeira paga em dia. O artigo 27, II, da Lei 8.213/91, dispõe que, para o cômputo do período de carência, são consideradas as contribuições realizadas a contar da data do efetivo pagamento da primeira contribuição sem atraso. Com efeito, nada impede que as contribuições recolhidas com atraso, antes da primeira em dia, sejam computadas para fins de tempo de serviço.

A verdade é que o pagamento em atraso poderá salvar muitos segurados dos efeitos nefastos da EC 103/219, quer seja para lhes garantir o preenchimento dos requisitos ensejadores da aposentadoria por tempo de contribuição (até 13/11/2019), quer seja para colocá-los dentro de alguma regra de transição. O caráter contributivo assumido pelo sistema desde a EC 20/1998 não tem o condão de impedir a contribuição; pelo contrário. 

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

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Bah1: CAPRA, Fritjof. A tão da física: uma análise dos paralelos entre a física moderna e o misticismo oriental. 2. ed. São Paulo: Cultrix, 2013. p. 171.


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