O QUE É ISTO – “COISA JULGADA” ADMINISTRATIVA?


A coisa julgada é a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença não mais sujeita a recurso ou reexame necessário. Na via administrativa, contudo, não temos essa mesma coisa julgada – com todas as implicações.

O que se sabe é que a lei não pode retroagir para atingir situações ou direitos constituídos no passado. A irrevogabilidade de atos administrativos constitutivos de direitos tem fundamento na Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo no âmbito da Administração Pública Federal:

Art. 2º A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência.

Parágrafo único. Nos processos administrativos serão observados, entre outros, os critérios de:

XIII - interpretação da norma administrativa da forma que melhor garanta o atendimento do fim público a que se dirige, vedada aplicação retroativa de nova interpretação.

A tendência de não revogação do ato administrativo implica, como lembra José Antonio Savaris, não apenas restrição das hipóteses de cancelamento de ato concessivo de benefício previdenciário aos fundamentos de ilegalidade ou erro da Administração, mas de nova interpretação dos fatos e valoração das provas.[1] É claro que a administração pode proceder com o cancelamento de benefícios, desde que exista comprovação de irregularidades, havendo para tanto amparo legal no art. 69 da Lei 8.212/91. Não são poucos os casos em que o indeferimento ou o ato que cancela o benefício é acertado (Súmula 473/STF).

Mas voltando à coisa julgada, não é dado à Administração o poder de simplesmente reavaliar a situação, voltando atrás quanto à sua manifestação. Nesse sentido, correta a observação feita pelo Desembargador João Batista Pinto Silveira: “A 'coisa julgada administrativa' não se equipara à coisa julgada propriamente dita, pois despida de definitividade, porém, constitui óbice ao desfazimento do ato por parte da autoridade administrativa a mera reavaliação de situação já apreciada anteriormente”. (TRF4, 6ª Turma, APELREEX 5001417-21.2010.404.7107, Relator p/ Acórdão Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, D.E. 24/05/2013).

Na via administrativa, aplica-se o Regulamento da Previdência Social – Decreto nº 3.048/99 –, que, no § 2º do art. 347, prevê categoricamente: "Não é considerado pedido de revisão de decisão indeferitória definitiva, mas de novo pedido de benefício, o que vier acompanhado de outros documentos além dos já existentes no processo." O mesmo ocorre quando o segurado retorna ao INSS com novos documentos rurais, sendo hipótese do art. 597 da IN 77/2015: "Após a conclusão da JA, se o interessado apresentar documentos de início de prova adicionais que, confrontados com os depoimentos, possam ampliar os períodos já homologados, poderá ser efetuado termo aditivo e reconhecidos os novos períodos."

Este constitui o fundamento para se renovar um pedido não apenas na via administrativa. Como? A 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região considerou ser possível afastar a coisa julgada, buscando a resposta nas seguintes perguntas: "Em que medida tal decisão valorizaria a segurança jurídica? Para quem? O próprio INSS revê suas decisões na via administrativa quando o segurado reúne os documentos que considera adequados à comprovação dos requisitos para a obtenção de benefícios. Por que o Judiciário ficaria impedido de avaliar tais elementos de prova?" (TRF4, AG 5044112-19.2020.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 15/12/2020).

Com isso se deseja reforçar que, na via administrativa, não existe coisa julgada material, no sentido de tornar indiscutível uma decisão que denega proteção social a alguém. Assim, para o bem ou para o mal, não há que se falar em coisa julgada na via administrativa. O que deve ser observado são os princípios do ato jurídico perfeito, da segurança jurídica, da confiança e boa-fé dos cidadãos. Assim, é vedada nova interpretação dos fatos e valoração das provas, de forma diametralmente oposta daquela inicialmente aceita.

Não menos importante, mas talvez ainda mais importante, é observar que o prazo decadencial para o exercício do controle de legalidade do ato de concessão do benefício está previsto no art. 54 da Lei 9.784/99 e art. 569 da IN 77/2015, devendo ser presumida a boa-fé – é óbvio!

 Escrito por Diego Henrique Schuster 

Bah1: SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 9. ed. rev. atual. ampl. Curitiba: Alteridade, 2021. p. 258-261. 


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