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Mostrando postagens de março, 2022

O QUE ESPERAR DO ENSINO JURÍDICO?

  Cada país tem a justiça que produz e merece, basta olhar para o ensino jurídico no Brasil. Não é de estranhar que a literatura mais representativa seja aquela que se propõe, acima de tudo e sobretudo (e quase exclusivamente), dar repostas prontas (manuais fáceis e com modelinhos). Cursinhos e mais cursinhos. Não digo que isso seja ruim. Digo, simplesmente, que é assim. Qualquer alteração no sistema normativo ou na jurisprudência e lá vai o pessoal consumir novos cursinhos, quando uma leitura em voz alta da nova lei ou acórdão, para se ouvirem falando, seria o suficiente. Isso não é bom. Acontece que as palavras agora estão subordinadas às imagens e esquemas do PowerPoint – o que vale é o mínimo esforço intelectual. Não é casual o fato de uma boa crítica ser algo raro. O vazio deixado pela crítica possibilitou que, sem qualquer constrangimento, juízes transformassem o Direito naquilo que eles dizem que é. Neste nível, imprescindível o curso de como interpretar verbetes (enunciados

A INQUISIÇÃO E A PROVA PERICIAL NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO

  A Inquisição foi oficialmente inaugurada pelo Papa Gregório IX, em 1233, ao anunciar a criação de um tribunal que deveria punir, com o máximo rigor, quaisquer indivíduos que cometessem heresias – estas entendidas ao bel-prazer dos inquisidores.  “ As vítimas – às vezes, dezenas de uma vez – eram amarradas a postes de madeira, em cujas bases colocavam piras de lenha e feixes de palha. A depender da sentença, a igreja, nem gesto último de caridade, estrangulava o herege antes de lança-lo às chamas ” .[1] O que mais interessa à problemática é perceber que essa prática não era inédita: ela havia ocorrido isoladamente, geralmente sob o comando de um chefe militar e de forma discricionária. É importante a constatação de Chaïm Perelman, “de que o direito foi, durante séculos, dominado pelo ideal de uma justiça absoluta, concebida ora como de origem divina, ora como natural ou racional”.[2] Em pleno Século XXI, o Superior Tribunal de Justiça confere aos juízes o poder de decidirem ao bel

A PROVA PERICIAL COMO UMA TERCEIRA COISA

  Fixar a DII na data da perícia é mais uma daquelas coisas que os juízes fingem acreditar. É como na metáfora do Professor Lenio: “atravessam a ponte, chegam do outro lado e depois voltam para construir...a ponte pela qual passaram.” É admitir que, em tese, não tínhamos um motivo para o ajuizamento da ação! O dito carrega consigo o não dito. Vou explicar melhor. Antes, contudo, cumpre indagar: É possível se presumir que, com a conclusão de que o segurado está incapaz para o trabalho na data da perícia, senão piores, suas condições ao tempo do requerimento eram iguais? É possível se presumir que sua condição, com o tratamento adequado, caminha para uma melhora, ou seja, existe a possibilidade de o segurado recuperar sua capacidade para o trabalho no curso do processo (antes da perícia)? Agora: É possível se presumir que ao tempo do requerimento ou ajuizamento da ação o segurado não estava incapaz para o trabalho? Como se vê, não podemos admitir essa última presunção. O problema

PRESCRIÇÃO: APOSTO QUE VOCÊ NÃO SABIA!

  Tô brincando! Afinal, “nunca se sabe tudo nem demais”, como me ensinou o querido Professor Wilson Engelmann. É importante perceber que o termo inicial do prazo prescricional não é a Data de Ajuizamento da Ação, e dali se conta cinco (05) anos para trás. Segundo o parágrafo único do artigo 103 da Lei 8.213/1991: Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil. Tomamos como exemplo um benefício de aposentadoria por tempo de contribuição concedido com DIB em 03/11/2010. No entanto, há uma particularidade no caso concreto, qual seja, o benefício foi implantado apenas em 24/10/2019, por força de decisão judicial. Agora, em sede de ação de revisão, distribuída 23/06/2020, a prescrição não deve incidir sobre as parcelas anteriores a cinco anos do ajuizamento, va

O TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS: NÃO EXISTE “VÁCUO LEGISLATIVO”!

No meu livro, “Aposentadoria especial e a nova previdência: os caminhos do direito (processual) previdenciário”, defendo que não existe vácuo legislativo que autorize a fixação do termo inicial em outra data que não a do requerimento do benefício ou do preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício. Assim, preenchidos os requisitos do Tema 350/STF, o ato administrativo não merece censura. A demora na comprovação do direito tem, como única consequência, a demora na implantação do benefício.[1] Estou simplificando o problema? Vou tentar explicar melhor. Fixar o termo inicial do benefício na data do ajuizamento da ação ou quando da comprovação do direito é completamente aleatório. Há apenas dois momentos possíveis para se fixar o termo inicial do benefício, para efeitos financeiros, a data de entrada do requerimento administrativo (DER) ou a data em que preenchidos os requisitos ensejadores do benefício postulado, conforme artigos 49, II, 54 e 57, § 2º, todos da Lei n° 8.213/91.

A COMUNICAÇÃO NÃO VIOLENTA NO DIREITO (PROCESSUAL) PREVIDENCIÁRIO: "NO DIFÍCIL EXERCÍCIO DE VIVER EM PAZ" (HG)

  Quem me conhece sabe que sou adepto da "comunicação não violenta", o que coincide com a intenção de criar uma qualidade de vínculo necessário ao atendimento das necessidades de todos, sem rótulos ou termos que ameassem, nos autos do processo judicial, a autonomia do juiz, do perito, enfim. A Des. Taís Schilling Ferraz expressou sua preocupação com a linguagem violenta empregada no curso do processo: A litigiosidade a que aqui se faz referência revela-se, dentre outros elementos, no grande volume de casos novos que, a cada ano, aportam no Poder Judiciário, bem como no intenso confronto que se estabelece no curso do processo, evidenciado especialmente nas taxas de recorribilidade e na linguagem violenta empregada nas manifestações das partes, do juiz e de eventuais intervenientes. Tais fatores combinados exteriorizam um grau de beligerância e de intolerância que parece só encontrar precedentes no próprio modelo brasileiro de judicialização.[1] Não é tarefa fácil. Isso p

TESE DA "VIDA TODA": E AGORA?

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  A tese da “vida toda” é, antes de qualquer outra coisa, uma conquista hermenêutica, vale dizer: contra uma aplicação mecânica das regras (o  método silogístico/subsuntivo) . O STF, no julgamento do Tema 1102, acertou: o segurado pode optar pela não aplicação de regra de transição mais gravosa que a regra geral (permanente), desde que preenchidos os requisitos legais desta última. Dum ponto de vista hermenêutico, a tese da “vida toda” vem confirmar que quem já possui direito adquirido às regras antigas, mas completa os requisitos ensejadores de uma regra de transição depois de 13/11/2019, terá como optar pela regra mais vantajosa. Tomamos como exemplo uma professora com 51 anos de idade e 25 anos de magistério, antes de 13/11/2019. Ela já possui direito adquirido a uma aposentadoria do professor, com incidência do fator previdenciário. A ela, contudo, será possível a aplicação da RT4 (EC 103/2019, art. 20), para ver reconhecida uma aposentadoria do professor, sem aplicação do fato