ESTÁ TUDO CERTO NA FORMA COMO É APLICADO O COEFICIENTE DE CÁLCULO NA APOSENTADORIA PROPORCIONAL TRAZIDA PELA EC 20/1998?

 

Os critérios sobre a aplicação do coeficiente de cálculo na aposentadoria por tempo de contribuição proporcional estão previstos, única e exclusivamente, na art. 9º, § 1º, da EC 20/1998:

Art. 9º - Observado o disposto no art. 4º desta Emenda e ressalvado o direito de opção a aposentadoria pelas normas por ela estabelecidas para o regime geral de previdência social, é assegurado o direito à aposentadoria ao segurado que se tenha filiado ao regime geral de previdência social, até a data de publicação desta Emenda, quando, cumulativamente, atender aos seguintes requisitos:   

I - contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e    

I - contar com cinqüenta e três anos de idade, se homem, e quarenta e oito anos de idade, se mulher; e   

II - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:   

a) trinta e cinco anos, se homem, e trinta anos, se mulher; e   

b) um período adicional de contribuição equivalente a vinte por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior.

§ 1º - O segurado de que trata este artigo, desde que atendido o disposto no inciso I do "caput", e observado o disposto no art. 4º desta Emenda, pode aposentar-se com valores proporcionais ao tempo de contribuição, quando atendidas as seguintes condições:   

I - contar tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de:   

a) trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher; e   

b) um período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda, faltaria para atingir o limite de tempo constante da alínea anterior;   

II - o valor da aposentadoria proporcional será equivalente a setenta por cento do valor da aposentadoria a que se refere o "caput", acrescido de cinco por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior, até o limite de cem por cento.   

§ 2º - O professor que, até a data da publicação desta Emenda, tenha exercido atividade de magistério e que opte por aposentar-se na forma do disposto no "caput", terá o tempo de serviço exercido até a publicação desta Emenda contado com o acréscimo de dezessete por cento, se homem, e de vinte por cento, se mulher, desde que se aposente, exclusivamente, com tempo de efetivo exercício de atividade de magistério.    

Na prática, considera-se, como termo inicial para aplicação do aumento de 5% por ano, o momento posterior ao cumprimento do pedágio (período adicional de contribuição equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação desta Emenda), razão pela qual o coeficiente de cálculo jamais consegue chegar perto do limite de cem por cento, como consta expressamente no dispositivo.


Exemplificando, é possível que para um homem com 34 anos, 4 meses e 18 dias de tempo de contribuição seja aplicado um coeficiente de 75%. Tivesse o segurado contribuído 35 anos, o coeficiente seria de 100% - mas isso nem sempre é informado pelo servidor do INSS. É claro, tudo vai depender do tempo de contribuição que faltava para o segurado atingir 30 anos, se homem, ou 25 anos, se mulher, até 15/12/1998. Quanto mais tempo até promulgação da EC 20/1998: menor o tempo de pedágio, com o consequente início do aumento de 5% por ano.


Na perspectiva do método trifásico de cálculo do benefício, além do coeficiente aplicado sobre a média dos salários-de-contribuição, na 2ª fase, incide o famigerado fator previdenciário estatuído pela Lei 9.876/1999 (vide Tema 616/STF):



Como juristas, recebemos a missão de, despretensiosamente, perguntar: seria possível defender que isso representa uma interpretação equivocada e geradora de uma consequência ainda mais equivocada, pois, permite-se uma redução brutal do valor da RMI do benefício previdenciário, mesmo com o segurado tendo contribuído por quase 35 anos, se homem, ou 30 anos, se mulher. Essa forma de interpretação é uma barreira para a eficácia direta dos princípios e normas fundamentais em jogo?


Por outras palavras, seria razoável defendermos que a contagem do acréscimo de 5% deve iniciar após o atendimento do tempo mínimo de trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher (aliena “a”) apenas, e não após a soma desse tempo ao pedágio, sob pena do cálculo do valor da aposentadoria não ser proporcional e o coeficiente nunca chegar sequer próximo aos 100%, como prevê a EC 20/98. Vale detalhar:


No nosso exemplo, um segurado homem totalizou 34 anos, 4 meses e 18 dias de tempo de contribuição, após cumprir um pedágio de 3 anos, 1 meses e 24 dias. Nesse caso, o acréscimo de 5% iniciou a partir dos 33 anos de tempo de contribuição, vale dizer: após o cumprimento do pedágio:

Isso só demonstra a irracionalidade na forma como é calculada a aposentadoria proporcional – numa comparação:

É verdade, está expresso "acrescido de cinco por cento por ano de contribuição que supere a soma a que se refere o inciso anterior". Agora, é importante lembrar que: “desde que a interpretação pelos processos tradicionais conduz a injustiça flagrante, incoerências do legislador, contradição consigo mesmo, impossibilidades ou absurdos, deve-se presumir que foram usadas expressões impróprias, inapropriadas, e buscar um sentido equitativo, lógico e acorde com o sentir geral e o bem presente e futuro da comunidade.” [1] O que estamos sugerindo é uma interpretação conforme a Constituição, com adição de sentido, ou seja, numa relação texto-norma.

Uma interpretação constitucionalmente adequada do art. 9º, § 1º, da EC 20/98, à luz dos princípios da igualdade, proporcionalidade (no sentido insuficiência de proteção a um direito fundamental), da coerência e da proteção da confiança, para citar apenas estes, grita que o valor da aposentadoria proporcional deve corresponder a 70% mais o acréscimo de 5% para cada ano acima dos trinta anos, se homem, e vinte e cinco anos, se mulher. Somente assim o valor da aposentadoria será efetivamente proporcional e as expectativas de direito protegidas.

Está-se diante de uma regra de transição, a qual tem como finalidade proteger as expectativas de direito. A EC 20/1998 acabou com a aposentadoria proporcional, assegurando o direito adquirido de quem cumpriu com o tempo de contribuição mínimo de 30 anos, se homem, e 25, se mulher. A estes segurados o valor do benefício será calculado com base num coeficiente de 70% do salário-de-benefício mais 6% para cada ano novo completo de atividade:

Aqui, sim, se observa um aumento simétrico, isto é, é possível se estabelecer uma relação de proporcionalidade em relação ao benefício de aposentadoria integral 100%. O mesmo não acontece na aposentadoria proporcional prevista no art. 9º, § 1º, II, da EC 20/1998, ou melhor, na forma como é aplicado o coeficiente de cálculo. Deve ter ficado claro, não descordamos do pedágio exigido para se ter acesso ao benefício; o que se discorda é do critério para aplicação do coeficiente de cálculo.

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

 



[1] MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e Aplicação do Direito, 13ª ed., p. 166.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE ED: TEMA 1.102/STF

REVISÃO DA VIDA TODA: VAMOS INTERPRETAR/COMPREENDER PARA DECIDIR?

A EQUIVOCADA APLICAÇÃO DO TEMA 629/STJ: ESTAMOS INVERTENDO AS COISAS