DA COISA JULGADA À SEGURANÇA JURÍDICA: UMA DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO NO ÂMBITO DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS VALE MAIS?
A coisa julgada tem
fundamento no princípio da segurança jurídica, no sentido de evitar a eternização das controvérsias e,
assim, dar estabilidade às decisões jurisdicionais.
Por outro lado, não há que se falar em
coisa julgada (ou da segurança jurídica que dela advém) se essa não tiver como
ser desconstituída (rescindida), quer seja para o enfrentamento de decisões que
ostentem vícios graves em sua constituição, quer seja a partir de uma prova
nova (inédita), capaz de assegurar um pronunciamento favorável ao autor.
Em poucas palavras, são
como dois lados da mesma moeda. Assim, igualmente, a ideia de justiça impõe reconhecer
que a segurança jurídica não depende apenas da estabilidade das decisões
judiciais, logo, a opção pela imutabilidade da coisa julgada não surge como resultado do conflito (uma situação de tensão permanente)
entre os valores da segurança e o ideal de justiça – já está na hora de superarmos essa e outras dicotomias, fundadas no esquema sujeito-objeto.
Antes mesmo, não se pode exigir segurança jurídica, no sentido de estabilidade,
sem antes decidir o que pode ser estabilizado. O novo CPC, pela primeira vez,
trouxe – expressamente – o que não
pode fazer coisa julgada: “não se aplica se no processo houver restrições
probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da análise da
questão” (art. 503, § 2º).
As considerações críticas
são inseparáveis da narrativa, logo, cumpre observar que uma decisão do JEF faz
parecer um capricho tudo aquilo que já se discutiu, na doutrina e
jurisprudência, sobre o importante instrumento da ação rescisória. Será que as
decisões do JEF valem mais? Elas são inquebráveis?
No livro escrito em coautoria com os amigos José
Antônio Savaris e Paulo Afonso Brum Vaz,[1] comentamos decisão da 2ª Turma
Recursal do Paraná, PETIÇÃO TR Nº
5052003-48.2017.4.04.7000/PR, que, por maioria de votos, admitiu uma
ação rescisória no âmbito dos Juizados Especiais Federais, por entender que a
competência cível dos Juizados Especiais Federais (art. 3º) não incorporou o
critério da menor complexidade, como exige o art. 98, I, da Constituição. Com
razão, a competência dos Juizados Especiais Federais, definida pela Lei, menos
diz respeito à natureza da causa e mais sobre quais os tipos de ações ou de
matérias não podem a eles ser levadas.
Assim, em sendo complexas as causas previdenciárias
submetidas à 10.259/01, o que se defende é o afastamento dos critérios
simplificantes do art. 2º da Lei nº 9.099/95 (oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade) aos Juizados Especiais
Federais, com a possibilidade de rescisão, quando presentes os respectivos
pressupostos legais, hoje presentes no art. 966 do CPC/2015. Aposta-se, na
verdade, na observação do “núcleo duro do devido processo legal (processo
justo), definido pela Constituição e densificado pelo Código de Processo Civil
2015”, como (única) alternativa para se garantir uma prestação jurisdicional
justa e de qualidade.
A concepção, nessa visão, permanece sendo isolada,
mas a justificativa racional superlativa na construção de sua justificação é
capaz/suficiente para reacender a discussão – já considerada superada por parcela da doutrina. A decisão, por
óbvio, enfrenta a questão sobre a competência para o respectivo processamento e
julgamento da ação rescisória no Juizado Especial Federal. Vale transcrever o
seguinte trecho da decisão:
Em verdade, não se admitir a ação rescisória nos
Juizados Especiais, sob o pretexto de se buscar maior celeridade na prestação
jurisdicional, gera situação mais gravosa, ao possibilitar a consolidação de
provimentos que, se tivessem sido obtidos em outros procedimentos, dariam
ensejo à desconstituição da coisa julgada.
Finalmente,
se o mandado de segurança é admitido em tal seara (não obstante a norma do
artigo 3º, §1º, inciso I da Lei nº10.259/2001), também será possível
excepcionar o disposto no artigo 59 da Lei nº 9.099/1995, para igualmente se
permitir o ajuizamento de ação rescisória, nos casos em que constatado algum
dos vícios do artigo 966 do Código de Processo Civil.
Admitido
o cabimento da ação rescisória nos Juizados Especiais Federais, a competência
para o respectivo processamento e julgamento será das Turmas Recursais - e não
dos Tribunais Regionais Federais ou Tribunais de Justiça -, dado que esses
Tribunais não possuem jurisdição sobre os Juizados Especiais, tirante, apenas,
a hipótese de fixação de tese jurídica por IRDR.
Quando
a Constituição, em seu art. 108, I, b, confere competência aos Tribunais
Regionais Federais para processar e julgar, originariamente, as ações rescisórias
de julgados seus ou dos Juízes Federais da região, obviamente que se referiu
aos Juízes Federais sob sua jurisdição. Os
Juízes Federais dos Juizados Especiais Federais apenas se vinculam funcional e
administrativamente aos TRFs, sendo que, jurisdicionalmente, se vinculam,
apenas, às Turmas Recursais, como quis a própria Constituição, em seu art. 98,
I.
Isso
tudo deixa alguns magistrados num triste dilema: ao passo que eles tentam, da
melhor forma possível, levar ao cabo suas funções; cogitar a possibilidade da
ação rescisória no âmbito dos Juizados Especiais Federais, sabendo que estes se
transformaram em uma “miragem ou uma ilusão de justiça”, implicaria, por sua
vez, maior acúmulo de processos, fazendo que o problema da morosidade da
Justiça se agrave, piorando – ainda mais –
a qualidade da prestação jurisdicional.
Tal
observação, contudo, não passa de uma meia verdade. No particular, acreditamos
que a utilização da ação rescisória concorre para a observação de certos
direitos e garantias constitucionais antes do trânsito em julgado, ainda em
primeiríssima instância. E isso concorre para a diminuição de recursos e
processos.
Sem
tergiversar para as dificuldades de ordem prática como, por exemplo, o elevado
número de processos, o baixo número de juízes, o problema de aparelhamento do
Poder Judiciário, e nem mesmo para o grande número de incidentes manejados com
a deliberada intenção de revolver questões de fato – e aqui reside o medo de que a ação rescisória seja transformada num
recurso e as turmas recursais numa terceira instância –, os problemas
resolvidos através da ação rescisória (no rito ordinário) servem como exemplo
não apenas do que pode acontecer na vida real, mas da existência de critérios juridicamente controláveis/confiáveis para o seu
cabimento, ou não, fazendo parte do jogo a improcedência de qualquer ação. Terminamos animados esse subtítulo do livro.
Num
discurso racional é totalmente impossível decisões erradas ganharem força de
caso julgado. Tanto a justiça material como a paz social estão
vinculados aos fins do processo. Justiça não é o que se pensa, quando o que se
pensa não encontra amparo nas garantias processuais constitucionais. O que se
pensa só faz sentido quando vivemos em paz com as decisões judiciais, em todos
os sentidos.
Escrito
por Diego Henrique Schuster
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Bah1: Transcrevi para aqui trecho do livro: SCHUSTER, Diego Henrique; SAVARIS, José Antônio;
VAZ, Paulo Afonso Brum. A garantia da
coisa julgada no processo previdenciário: para além dos paradigmas que
limitam a proteção social. Curitiba: Alteridade Editora, 2019. p. 212-2014
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