APOSENTADORIA ESPECIAL E O RISCO CALCULADO
A impressão que dá, com perdão do exemplo, é daquele sujeito que vê a
esposa ir para o motel e diz para si mesmo: “essa dúvida me mata”. Já não se pode
falar de risco quando existe a certeza de um resultado 100% certo. Uma piada
referida por Giddens ilustra bem a situação.[1] Nela, um homem salta de um
arranha-céu, de mais ou menos cem andares. Durante sua queda, as pessoas que se
encontram dentro do prédio ouvem ele dizer que, por enquanto, “está tudo bem”.
Ele age como se estivesse fazendo um cálculo de risco. Mas, fatidicamente, o
resultado já está determinado.
Essa introdução poderia encaminhar outras tantas
críticas, inclusive políticas, mas hoje ela será direcionada para aqueles que
insistem na dúvida sobre o amianto – a dúvida que mata! A questão sobre os limites de tolerância do amianto é uma daquelas
discussões que jamais poderiam ser travadas. O uso de amianto foi proibido em
muitos países desenvolvidos, porque se revelou nocivo à saúde humana e ao meio
ambiente, mas no Brasil (ainda) se discute sua nocividade, até mesmo, para
efeitos de concessão de aposentadoria especial.
Conforme estudos da Associação Brasileira dos Expostos ao
Amianto (ABREA) e International Ban
Asbestos Secretariat (IBAS), “as fibras de amianto são mais finas do que um
fio de cabelo humano (5.000 vezes menor do que um fio de cabelo) e são
invisíveis a olho nu. Quando elas são liberadas flutuam pelo ar e, às vezes,
são inaladas pelos seres humanos. O corpo humano é equipado com dois diferentes
mecanismos de defesa contra corpos estranhos que são aspirados. Primeiro alguns
corpos estranhos são capturados pela membrana da mucosa do trato respiratório,
que são removidos por movimentos ciliares. Isso evita que os mesmos penetrem
mais internamente no corpo. Pequenas partículas estranhas que atravessaram o
primeiro mecanismo de defesa e alcançaram os alvéolos dentro dos pulmões são
removidas por macrófagos, que as envolvem retirando-as dos pulmões. Os
macrófagos são células brancas que constituem o segundo mecanismo de defesa,
mas as fibras de amianto são extremamente finas e tem formato de agulha. As que
conseguem atravessar o primeiro mecanismo de defesa chegam até os alvéolos dos
pulmões pelos bronquíolos. Os macrófagos têm muita dificuldade de envolver as
fibras longas, e mesmo remover quantidades maiores de fibras através do catarro
e da drenagem linfática. Então ele libera enzimas digestivas para fora da
estabelecendo, assim, uma inflamação, a fim de conseguir reforços danificando
os tecidos saudáveis ao redor do pulmão já que as fibras de amianto são mais
duras e acabam não sendo removidas. Se a inflamação consequente do ferimento
persiste por um longo período o resultado é que o pulmão se torna fibrosado, ou
seja, endurece e perde a elasticidade. Se o tecido do pulmão continuar sendo
danificado por um longo período, e também o DNA no interior das células dos
brônquios e alvéolos pulmonares eventualmente se desenvolverá um câncer
pulmonar. Com o passar do tempo, proteínas de ferro se ligam a algumas fibras
de que foram coletas do pulmão com a aparência de alteres de ferro, que são
chamados corpos asbestóticos. Esses corpos asbestóticos não são uma enfermidade
por si só, mas a presença deles é uma importante evidência de exposição
pregressa ao amianto. Algumas das fibras de amianto não permanecem no pulmão e
conseguem atingir a pleura. Quando atinge a pleura ocorre espessamento do
tecido chamado de placas pleurais. A presença delas também é uma importante
evidência de exposição ao amianto. No Brasil, as placas pleurais são
reconhecidas como doença profissional. Os danos na pleura pelo amianto por um
longo período, interferindo no DNA das células do mesodérmico levam ao
aparecimento de tumores malignos chamados mesotelioma”.
Diante do risco conhecido e demonstrado (concreto), ao julgador é
possível lançar mão do princípio da prevenção para fundamentar o reconhecimento
da natureza especial da atividade com exposição ao amianto, ou melhor, é devido
o enquadramento como especial, por se tratar de um agente reconhecidamente
cancerígeno para o trabalhador humano. Ao passo que os limites de tolerância
ocultam incertezas, também não se consegue, com certeza, precisar a curva de dose-resposta.
Com feito, em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia
do Equipamento de Proteção Individual, “a premissa a nortear a Administração
e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria
especial” (ARE 664.335/STF).
Onde mais as incertezas justificam um cálculo de risco e, antes mesmo da
prevenção, a aplicação do princípio da precaução? O trabalho envolvendo a
produção, manipulação e utilização das nanotecnologias nanopartículas, porquanto
ainda não se pode afirmar que exista uma definição dos seus efeitos (impactos),
para além dos positivos.[2] Trata-se, portanto, de um risco abstrato
(desconhecido).[3]
Um estudo da União Européia concluiu que os nanotubos de carbono podem
provocar os mesmos danos que o amianto gera à saúde humana.[4] Segundo estudo
publicado no American Journal of Industrial Medicine, uma trabalhadora
desenvolveu sensibilização para níquel quando em contato com nanopartículas de
níquel em pó.[5] Dentre outras conclusões, tem-se, também, a de que as nanotecnologias,
uma vez ultrapassada a barreira hematoencefálica e inseridas no fluxo
sanguíneo, podem causar processos inflamatórios ou efeitos cancerígenos, o que
torna crível os efeitos nocivos que podem acometer os trabalhadores que
fabricarem, manipularem ou simplesmente ficarem expostos às nanotecnologias,[6] inclusive, para efeitos previdenciários.[7]
Seja como for, quando uma decisão é correta, do ponto
de vista da coerência e integridade do Direito, o jurista deve elogiar. Assim,
no julgamento do incidente de uniformização 5009187-94.2012.4.04.7107/RS, a Turma Regional de
Uniformização (TRF4) acertou: “Verificado que o asbesto
é agente nocivo cancerígeno para humanos, a simples exposição ao agente
(qualitativa) dá ensejo ao reconhecimento da atividade especial qualquer que
seja o nível de concentração no ambiente de trabalho do segurado, e independentemente
de existência de EPC e/ou EPI eficaz, impõe-se a manutenção do reconhecimento
da especialidade”. E mais: “O efeito nocivo desse agente sempre existiu, do que
autoriza o reconhecimento da atividade especial antes mesmo da
Portaria mencionada”.
Escrito por Diego Henrique Schuster
___________________________________
Bah1: GIDDENS, Anthony. Mundo em descontrole: o que a
globalização está fazendo de nós. Rio de Janeiro: Record, 2002. p. 33.
Bah2: Adiante-se o seguinte conceito de nanotecnologias para
fins de entendimento do assunto: “Os prefixos micro, nano, mili, centi são
usados para que se possa especificar o fator pelo qual é multiplicada uma
determinada grandeza. Na verdade, estão associados com potências de 10. Assim,
como kilo corresponde a um fator 103, mili corresponde a 10-3.
Na escala nano (nm), o fator de grandeza corresponde a 10-9. Assim, quando se
fala de 1 nanômetro, refere-se a um fator de 10-9 do metro, ou seja,
um bilionésimo do metro: 0,000 000 001m.
Esse tamanho é aproximadamente 100 mil vezes menor do que o diâmetro de
um fio de cabelo, 30 mil vezes menor que um dos fios de uma teia de aranha ou
700 mil vezes menor que u glóbulo vermelho”. AGÊNCIA BRASILEIRA DE
DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Cartilha
sobre nanotecnologia. Brasília, DF: ABDI, 2010. p. 11. Disponível em:
<http://www.abdi.com.br/Estudo/Cartilha%20nanotecnologia.pdf >. Acesso:
01 nov. 2018.
Bah3: A diferença entre riscos concretos e abstratos pode ser percebida
a partir de uma mutação da sociedade, como bem capturou Délton Winter de
Carvalho: A passagem de uma teoria do risco concreto (ou dogmático) para uma
teoria do risco abstrato (proveniente das teorias sociais de autores como
Niklas Luhmann, Raffaele de Giorgi, Ulrich Beck) decorre da própria mutação da
sociedade, ou seja, da transição de uma sociedade industrial para uma sociedade
pós-industrial, na qual as indústrias genéticas, química e atômica demarcam uma
produção de risco globais, invisíveis e de consequências ambientais
imprescindíveis. [...] enquanto os riscos da sociedade industrial são concretos
(fumo, trânsito, utilização de máquinas de corte etc.), os riscos inerentes à
sociedade pós-industrial são demarcados por sua invisibilidade, globalidade e
imprevisibilidade. Os riscos invisíveis, surgidos em acréscimo aos riscos
concretos, apresentam uma nova face, isto é, são imperceptíveis aos sentidos
humanos (visão, olfato, tato, audição e gustação). Em que pese o risco trata-se
de uma construção social, essa nova formatação social ressalta a importância do
futuro, na qual deve haver sempre a avaliação das consequências futuras das
atividades humanas. CARVALHO,
Délton Winter de. Dano ambiental futuro:
a responsabilização civil pelo risco ambiental. 2. ed. rev. atual. e ampl.
Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 177. Segundo Wilson Engelmann:
“Riscos concretos são aqueles que a ciência pode delimitar ou precisar, impondo
uma atitude de prevenção. Riscos abstratos são aqueles onde há incerteza
científica acerca de sua ocorrência ou extensão, impondo uma postura de
precaução”. ENGELMANN, Wilson; FLORES, André Stringhi; WEYERMÜLLER, André
Rafael. Nanotecnologias, marcos
regulatórios e direito ambiental. Curitiba: Honoris Causa, 2010. p. 152. No
meio ambiente de trabalho, observa-se a produção tanto de riscos concretos
(passíveis de demonstrações causais), quanto de riscos abstratos
(imperceptíveis aos sentidos humanos), em razão do maior ou menor conhecimento
científico sobre os riscos envolvendo, sobretudo, agentes químicos (e. g., gases, vapores, poeiras e
líquidos). Assim, na área ocupacional, os trabalhadores estão expostos desde
substâncias cancerígenas, como a anilina, o amianto, o benzeno, que podem
causar câncer de pele e outros efeitos tóxicos e fatais, até nanopartículas e
organismos geneticamente modificados, cujos efeitos negativos nada ou pouco são
conhecidos (planejados).
Bah4: ENGELMANN,
Wilson. Direito bio-humanos-éticos: os humanos buscando “direito” para
proteger-se dos avanços dos riscos (desconhecidos) das nanotecnologias. In:
ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI, 19., Fortaleza, CE, 2010. Direitos
fundamentais e transdisciplinaridade. Florianópolis: Fundação Boiteux,
2010. p. 3. Disponível em:
<http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3400.pdf>.
Acesso em: 01 nov. 2018.
Bah5: GERACI,
Carles L.; SCHULTE, Paul; MURASHOV, Vladimir. Nickel nanoparticles: a case of sensitization assocated with occupational
exposure. Atlanta: Centers for Disease Control and Prevention, 28 May 2014.
Disponível em:
<http://blogs.cdc.gov/niosh-science-blog/2014/05/28/nickel-nano/>. Acesso
em: 01 nov. 2018.
Bah6: NEUTZLING,
Inácio; ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de (Orgs.). Uma sociedade
pós-humana: possibilidades e limites das nanotecnologias. São Paulo:
Unisinos, 2009. p. 31.
Bah7: Essa
é uma das principais preocupações relativamente aos efeitos adversos dos NMs na
saúde humana, ou seja, o seu potencial efeito carcinogênico, sugerido por
alguns estudos in vitro e em animais experimentais, mas que ate a data
não foi inequivocamente comprovada em humanos. BECKER, H. et al. The carcinogenic potential of
nanomaterials, their release from products and options for regulating them. International
Journal of Hygiene and Environmental Health, Jena, v. 214, n. 3, p. 231-8,
Jun. 2011. Disponível em:
<http://www. ncbi.nlm.nih.gov/pubmed/21168363>. Acesso em: 01 nov. 2018.
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