LIMITES, METODOLOGIAS E PROCEDIMENTOS: COMO AFERIR O NÍVEL DE EXPOSIÇÃO DO TRABALHADOR AO AGENTE FÍSICO RUÍDO SEM PERDER DE VISTA O DESTINATÁRIO DA NORMA (DE PROTEÇÃO) PREVIDENCIÁRIA?
Resumo: O presente trabalho
analisa a atuação do IBDP no Tema 174/TNU. A pesquisa realizada na confecção
das razões de mérito demonstra a necessidade de diálogo
entre o Poder Judiciário, a via administrativa (Conselho de Recursos do Seguro
Social – CRSS) e os profissionais responsáveis pela elaboração
dos laudos técnicos com base nos quais são preenchidos os formulários PPP’s, de
modo que a decisão não fique restrita ao suposto conflito entre o que dispõe a
Lei de Benefícios e uma Instrução Normativa do INSS, mas uma reflexão crítica.
Palavras-chave: Ruído. NR-15. NHO 01. Perfil Profissiográfico Previdenciário.
1 Introdução
“Viveremos
sete vidas e, ainda assim, algumas coisas nos surpreenderão. E nos
surpreenderão mais de uma vez. E ficaremos surpresos por mais de uma vez nos
surpreendermos”.[1] Essa frase define
muito bem a tentativa do INSS de desconstituir o formulário PPP nos autos de
uma ação previdenciária, com fundamento na não observação da metodologia da NHO
01 – por óbvio o formulário é favorável ao segurado.
Em uma delimitação mais específica e explícita sobre a
discussão envolvendo o tema 174, coloca-se: “Saber se, para fins de reconhecimento de
período laborado em condições especiais, é necessário a comprovação de que
foram observados os limites/metodologias/procedimentos definidos pelo INSS para
aferição dos níveis de exposição ocupacional ao ruído (art. 58, §1º, da Lei n.
8.213/91 e art. 280 - IN/INSS/PRES - n. 77/2015)”.
O artigo será dividido,
em seu desenvolvimento, em sete partes. O que agora é explicitado em nível
apofântico foi compreendido num nível de profundidade. A codificação de
informações técnicas fornecidas por Engenheiros de Segurança do Trabalho e de
uma hermenêutica jurídica que permite o contato do texto com o mundo prático
resultam no sentido da norma. Isso porque se buscou, honestamente, a
compreensão do tema, sem cair numa defesa cega e surda do segurado.
2 Da (in)admissibilidade do incidente de
uniformização: reexame de matéria de prova
É legítimo que as turmas
de uniformização revisem a qualificação da prova, de modo a determinar se, da
prova existente, fora adequada a conclusão extraída pela decisão recorrida. No
entanto, o que pretende o INSS – a quem
compete a fiscalização dos formulários produzidos/fornecidos pelas
empresas ao segurado – é o reexame da prova.
Em poucas palavras, o que se pretende é
discutir se um fato aconteceu ou não, isto é, conferir se foram observados –
pelo empregador – os limites/metodologias/procedimento definidos pelo INSS para
aferição dos níveis de exposição ao ruído. Aliás:
Em regra, trazido
aos autos o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), dispensável se faz,
para o reconhecimento e contagem do tempo de serviço especial do segurado, a
juntada do respectivo Laudo Técnico de Condições Ambientais de Trabalho
(LTCAT), na medida que o PPP já é elaborado com base nos dados existentes no
LTCAT, ressalvando-se, entretanto, a
necessidade da também apresentação desse laudo quando idoneamente impugnado o
conteúdo do PPP[2].
O trabalho de reavaliar como as medições do ruído ocorreram
implica a necessidade de se reexaminarem provas. Neste sentido dispõe a Súmula
42 da TNU (“Não se conhece de incidente de uniformização que implique
reexame de matéria de fato”). A matéria de fato (só)
pode dar ensejo ao incidente quando admitido algum critério contrário à letra
da lei, o que, igualmente, não se verifica na espécie.
3 Da necessidade de o laudo técnico de
condições ambientais do trabalho observar a legislação trabalhista
A Lei 9.732/1998, que emprestou nova redação ao art. 58 da Lei 8.213/1991,
passou a exigir que o Laudo Técnico de Condições Ambientais observasse os
termos da legislação trabalhista.
Art. 58. A relação dos
agentes nocivos químicos, físicos e biológicos ou associação de agentes
prejudiciais à saúde ou à integridade física considerados para fins de
concessão da aposentadoria especial de que trata o artigo anterior será definida
pelo Poder Executivo.
§ 1º A comprovação da efetiva exposição do segurado aos
agentes nocivos será feita mediante formulário, na forma estabelecida
pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, emitido pela empresa
ou seu preposto, com base em laudo técnico de condições ambientais do
trabalho expedido por médico do trabalho ou engenheiro de segurança do
trabalho nos termos da legislação trabalhista.
Nesse particular, percebe-se a existência de normas que
tratam sobre o Equipamento de Proteção Individual – EPI (NR-6); o
Programa De Prevenção Dos Riscos Ambientais - PPRA, admitido pelo INSS em
substituição ao LTCAT (NR-9); ar
comprimido ou pressão atmosférica anormal, agentes químicos, benzeno e agentes
biológicos (NR-15, anexos 6, 13, 13-A e 14); os agentes perigosos: inflamáveis, explosivos,
eletricidade, segurança pessoal ou patrimonial (NR 10, 16 e Anexo 3); e assim
por diante.
Assim, as NR’s começaram a fundamentar o enquadramento como
especial, até mesmo, de agentes não previstos nos decretos previdenciários. Ou
seja, diante da exclusão de agentes pelo (atual) Decreto
3.048/1999, tais como: frio, umidade, radiações não ionizantes, eletricidade,
periculosidade, para citar apenas estes, a saída tem sido usar as normas
regulamentadoras da legislação trabalhista, de onde foram extraídos os
conceitos legais de insalubridade e de periculosidade (CLT, arts. 189 e 193).
Para Adriane Bramante de
Castro Ladenthin, “[...] a utilização
das regras trabalhistas ocasionou a ampliação das possibilidades de
reconhecimento da atividade especial, como é o caso dos seguintes agentes
nocivos, excluídos do Anexo, IV do Decreto 3.048/99, mas constantes na NR-15 da
legislação trabalhista”.[3]
O Decreto nº 4.882, publicado em
18/11/2003, não apenas ampliou a lista de agentes agressivos, mas confirmou a
prerrogativa já prevista na Lei nº 9.732/1998, ou seja, que o enquadramento da
atividade como insalubre deve observar os limites de tolerância previstos na
legislação trabalhista.
O
que mais interessa para a problemática são as atividades ou operações
insalubres que se desenvolvem acima dos limites de tolerância ou doses,
dispostos nos Anexos 1, 2, 3, 5, 8, 11 e 12 da NR-15 do MTE – que devem ser
analisadas pelo critério quantitativo, conforme prevê a IN 77/2015 (art. 278)
–, mais especificamente as atividades com exposição a ruído (Anexos 1).
Ao passo que o art. 280 da
IN/INSS/PRES 77/2015 determina a observação dos limites de
tolerância definidos no Quadro do Anexo I da NR-15 do MTE, ele destaca as
metodologias e os procedimentos definidos nas NHO-01 da FUNDACENTRO. Aqui
reside a confusão.
4 Qual a metodologia a ser observada e que
diferença isso faz?
As
medições pontuais costumam não cobrir o conjunto de situações
acústicas ao qual está submetido o trabalhador no decorrer de toda a jornada de
trabalho, mormente diante de atividades que envolvam movimentação constante. Quando
isso ocorre – em prejuízo do
trabalhador/segurado –, é preciso buscar a dose de exposição diária e, posteriormente, calcular o Nível de Exposição Normalizado.
Trata-se, portanto, de uma
preocupação com o trabalhador que, por conta de uma medição equivocada, acaba
deixando de receber o adicional de insalubridade ou não tem o seu tempo
reconhecido como especial.
Quando os níveis de ruído forem variáveis, é necessário o
cálculo da dose de exposição, a fim de determinar a real exposição do
trabalhador ao agente ruído. Ocorrendo, na mesma jornada de trabalho, dois ou
mais períodos de exposição a diferentes níveis de ruído, é preciso calcular os
seus efeitos combinados ou a dose
de exposição diária.
Embora seja comum, é equivocado calcular essa dose de exposição
através de critério aritmético (somar e dividir). Isso porque para cada
nível de ruído há um tempo máximo de exposição definido em lei, conforme tabela
do Anexo 1 da NR-15.
NÍVEL DE RUÍDO
DB (A)
|
MÁXIMA EXPOSIÇÃO DIÁRIA
PERMISSÍVEL
|
85
|
8 horas
|
86
|
7 horas
|
87
|
6 horas
|
88
|
5 horas
|
89
|
4 horas e 30 minutos
|
90
|
4 horas
|
91
|
3 horas e 30 minutos
|
92
|
3 horas
|
93
|
2 horas e 40 minutos
|
94
|
2 horas e 15 minutos
|
95
|
2 horas
|
96
|
1 hora e 45 minutos
|
98
|
1 hora e 15 minutos
|
100
|
1 hora
|
102
|
45 minutos
|
104
|
35 minutos
|
105
|
30 minutos
|
106
|
25 minutos
|
108
|
20 minutos
|
110
|
15 minutos
|
112
|
10 minutos
|
114
|
8 minutos
|
115
|
7 minutos
|
No item 6, é possível se encontrar a equação para calcular a
dose de exposição diária:
Se
durante a jornada de trabalho ocorrerem dois ou mais períodos de exposição a
ruído de diferentes níveis, devem ser considerados os seus efeitos combinados,
de forma que, se a soma das seguintes frações
C1 + C2 + C3 ________51________ + Cn
T1
T2 T3 Tn
exceder a
unidade, a exposição estará acima do limite de tolerância.",
Na equação acima,
Cn indica o tempo total que o trabalhador fica exposto a um nível de ruído
específico, e Tn indica a máxima exposição diária permissível a este nível,
segundo o Quadro deste Anexo
O
resultado da soma das frações é um número adimensional (que pode ser
explicitado através de um número simples). Esse número também pode ser expresso
em porcentagem (probabilidade). Essa será a dose de exposição diária do
trabalhador ao ruído. Se o valor decorrente dessa soma for maior ou igual a 1
(um) ou 100%, significa que a exposição ao ruído está acima do limite de
tolerância. O citado percentual é estabelecido pela Norma de Higiene
Ocupacional - NHO 01, da FUNDACENTRO, através da Tabela 1.
Tanto o
decibelímetro como o dosímetro devem seguir critérios técnicos e de
metodologia.
No que
são diferentes os critérios da NH01? O tempo máximo diário de exposição
permissível em função do nível de ruído é menor; não considera no cálculo
exposições a níveis inferiores a 80 dB(A); se o NEN estiver entre 82 dB(A) e 85
dB(A) a exposição deve ser considerada acima do nível de ação, devendo ser
adotas medidas preventivas a fim de minimizar a probabilidade de que as
exposições ao ruído causem prejuízos à audição do trabalhador e evitar que o
limite de exposição seja ultrapassado. Além disso, a NH01 oferece procedimentos
alternativos para outros tipos de medidores integradores ou medidores de
leitura instantânea, para avaliação de trabalhos com dinâmica operacional mais
complexa ou que envolvam a movimentação constante do trabalhador.
Apesar de a NHO 01 ajudar na
avaliação de ruído – em favor do
trabalhador –, ela não possui compromisso com os critérios legais
estabelecidos nas normas trabalhistas, como fica claro na nota à fl. 21 da
referida norma:
A NHO 01 não possui fundamento
legal, ou seja, ela não foi produzida democraticamente. Defender a aplicação dos
limites semânticos do que está previsto no art. 58, §1º, da Lei n. 8.213/1991, passa a ser
um avanço, quando o que pretende o INSS é simplesmente desconstituir a prova. Não se
trata, por óbvio, de um retorno ao positivismo clássico.
Mesmo assim,
o cálculo do Nível de Exposição (NE) é definido pela Norma de Higiene
Ocupacional (NHO-01), da FUNDACENTRO, com adaptação do cálculo matemático para
fins de comparação com os limites de exposição diária apresentados pelo Anexo 1
da NR-15. Isso porque o incremento de duplicação de dose (q) da NHO-01 é
diferente do apresentado NR-15. Pela NHO-01 q=3 e pela NR-15 q=5.
Apesar da divergência, para fins
previdenciários, sempre deve ser utilizado o incremento de duplicação de dose
apresentado pela NR-15, pois o resultado da equação do NEN será comparado com
os limites de tolerância apresentados pela NR-15, e não pela NHO 01.[4]
A não utilização da metodologia
da NHO-01 não pode ser um fato determinante para o não enquadramento do agente
físico ruído.
5 Da necessidade de uma consulta técnica
(um estudo multidisciplinar)
A questão envolvendo a medição do
ruído esbarra em questões técnicas pertinentes a outras áreas do conhecimento,
convocando, por isso, Engenheiros de Segurança do Trabalho para auxiliarem no
esclarecimento de algumas questões. Foram consultados os profissionais Selson
Valdemar Alves e Sandro José Andrioli Bittencourt.
Foram realizadas as seguintes
perguntas:
a) as medições realizadas
com decibelímetro são sempre pontuais? Isso é um problema quando não há
exposição a diferentes níveis de ruído?
b) o resultado da NEN precisa sempre
ser comparado com os limites de tolerância apresentados na NR-15?
c) É possível se calcular o NEN
utilizando decibelímetro?
d) É obrigatória a utilização da NHO
01?
e) A metodologia da NHO 1 é mais
vantajosa para o trabalhador?
f) Quando é necessário calcular o
NEN?
As respostas dos experts foram as seguintes:
Eng. Seg. Trab. Selson Valdemar
Alves
Sim, as medições por meio de
decibelímetro são sempre pontuais. E não é proibido fazer assim, desde que não
haja dois ou mais períodos de
exposição a diferentes níveis de ruído. O dosímetro faz a integralização dos
diferentes níveis de ruído num volume só.
O NEN faz referência à jornada padrão de 8 horas.
Ele não tem relação com a NR-15. Uma vez obtido o NEN, deve-se compará-lo com a
NR-15, para efeitos tão-somente de caracterização da atividade especial.
Apesar de ser mais complexo, é possível calcular o
NEN com o decibelímetro.
A NHO 01 é uma norma recomendatória, e não
obrigatória. A lei a ser observada é o Anexo da NR-15.
A NHO-01 é mais vantajosa para o trabalhador. O
fator de dobra q=3 aumenta a carga de ruído dentro da empresa. O próprio INSS
já falou que as empresas devem observar as recomendações de técnicas da NHO 01,
mas a questão técnica legal é a NR-15.
Eng.
Seg. Trab. Sandro José Andrioli Bittencourt
A metodologia da NHO 01 permite, sim, fazer a
medição de ruído utilizando o vulgo decibelímetro (na verdade, o correto é medidor
de nível pressão sonora). Ele faz medições pontuais. A NHO 01 dá preferência
para a dosimetria de ruído, quando utilizado o dosímetro de ruído. ANHO 01
define a metodologia para utilização do dosímetro de ruído. Na ausência do
dosímetro você pode fazer a medição pontual, utilizando um medidor de nível de
pressão sonora, desde que seja feito o cálculo da dose, que consta tanto na NHO
01 quando no Anexo 1 da NR 15. A IN 77/2015 diz para observar os limites da
NR-15 e a metodologia da NHO 01. A metodologia vai descrever como deve ser
realizado a medição de ruído. Você vai ter que corrigir o q para você atender o Anexo 1 da NR 15 (q=5). O NEN só consta na NHO 01. Se verificada a fórmula dele, a
constante da fórmula é 10. É necessário substituir essa constante 10 por
16.60964, que corresponde à taxa de duplicação de dose q=5. É necessário fazer essa correção, para fins de comparação com
os limites de tolerância do Anexo 1 da NR 15.
Não tem fundamento a contestação do INSS, no
sentido de que não está sendo utilizada a metodologia da FUNDACENTRO. Isso
porque não há nenhum embasamento técnico ou legal para eles fazerem isso, para
desconstruir o PPP dessa forma.
Você pode utilizar o decibelímetro quando você tem
diferentes níveis de pressão sonora, desde que seja feito o cálculo da dose, de
acordo com o Anexo 1 da NR 15 e, também, da NHO 01. Assim você atende a NHO 01,
a NR-15 e a IN 77/2015.
O NEN precisa ser comparado com o Anexo 1 da NR-15,
porque a IN 77/2015 diz que você tem que usar os limites de tolerância da
NR-15, Anexo 1, e a metodologia da NHO 01, coma a correção da fórmula já
referida.
É possível calcular o NEN utilizando o decibelímetro.
O NEN somente é utilizando quando a exposição do trabalhador for diferente de 8
horas por dia. Se o trabalhador fizer menos de 8 horas por dia ou fizer mais de
8 horas por dia é necessário fazer o cálculo do NEN. Se a jornada de trabalho for
de 8 horas, o NEN é igual ao nível de exposição. Nesse caso, não é preciso
fazer o cálculo. É importante, contudo, deixar claro que a jornada de trabalho,
o tempo de exposição do trabalhador ao agente ruído, é de 8 horas diária.
A utilização da NHO 01 não é obrigatória. Ela é uma
norma de referência, e não de uso obrigatório. Ela é interessante por ser mais
benéfica para o trabalhador. Agora, ali ela só vai dar a metodologia a ser
utilizada, o dosímetro de ruído, o cálculo da dose. Ali você vai encontrar a
fórmula do NEN, que para o segurado é interessante. Se ele fizer uma jornada de
trabalho maior do que 8 horas por dia. Isso a gente não encontra no Anexo 1 da
NR 15. Em síntese, não é obrigatória, mas é uma norma interessante para o
segurado, principalmente se ele fizer uma jornada de trabalho acima de 8 horas
de trabalho.
A responsabilidade por obedecer a metodologia não é
do segurado, mas da empresa, sendo que o INSS é quem deve fiscalizar a empresa.
Vide art. 19 da Lei 8.213/1991. O segurado não pode ser penalizado pela
ausência ou negligência da Autarquia.
Após um processo de
decodificação das descrições técnicas efetuadas pelos peritos supramencionados,
fica claro que: a) a NHO 01 não tem força cogente; b) o cálculo do NEN somente
é necessário quando a jornada de trabalho diário for diferente de 8 horas; c) a
metodologia prevista na NHO 01 é mais vantajosa para o segurado.
6 O benefício da dúvida acompanha o segurado –
destinatário das normas (protetivas) previdenciárias
Como
se vê, a preocupação não é com a metodologia mais protetiva, mas, e isso sim,
com a forma (levadas às últimas consequências), com vistas à desconstituição do
PPP enquanto prova suficiente para comprovar o tempo de atividade especial.
Acontece que o segurado não pode
ser prejudicado pela não observação da metodologia da NHO 01, beneficiando-se o
INSS da própria torpeza.
O Direito Previdenciário alcançou um padrão probatório preventivo
(em sentido lato senso) na
jurisprudência: a)
ao admitir o reconhecimento da nocividade de
um determinado agente pelo cálculo qualitativo; b) não havendo
informação técnica sobre a média de exposição do segurado ao agente nocivo
ruído, adotando o pico (maior nível de ruído no ambiente durante a jornada de
trabalho) de medição como critério informador da natureza especial do labor;[5]
e assim por diante.
No julgamento do ARE 664.335, o Supremo Tribunal Federal deixou
registrado que, em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do
Equipamento de Proteção Individual, “a premissa a nortear a Administração e
o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria
especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar
suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o
empregado se submete”.[6]
A questão envolvendo a
metodologia a ser utilizada para a análise do agente ruído a partir de
19/11/2003 foi enfrentada pelo Conselho Pleno, no julgamento do Recurso
Especial 44232.507257/2015-24.
Abre-se aqui um parêntese
para destacar que o Conselho Pleno é um órgão que, assim como a Turma Nacional
de Uniformização, tem o papel de uniformizar o entendimento do Conselho de
Recursos do Seguro Social - CRSS, última estância na via administrativa.
Conforme o art. 3 da Portaria MDSA Nº
116, de 20 de março de 2017, – que aprova o Regimento Interno do Conselho de
Recursos do Seguro Social - CRSS –, ao Conselho Pleno compete:
I - uniformizar, em tese, a
jurisprudência administrativa previdenciária e assistencial, mediante emissão
de Enunciados;
II - uniformizar, no caso concreto, as divergências
jurisprudenciais entre as Juntas de Recursos nas matérias de sua alçada ou
entre as Câmaras de julgamento em sede de Recurso Especial, mediante a emissão
de Resolução; e
III - decidir, no caso concreto, as Reclamações ao
Conselho Pleno, mediante a emissão de Resolução.
No
voto do relator Victor Machado Marini, acompanhado pela maioria, a questão foi
analisada com profundidade. Após uma delimitação ainda mais específica e explícita
do tema, o que restou uniformizado é o entendimento de que a indicação de ruído
acima do limite de tolerância é suficiente para comprovar a especialidade da
atividade, cabendo ao INSS prova em contrário. A didática da exposição e a fundamentalidade do tema justificam a longa transcrição:
Sobre este ponto, entendo que independentemente se
a técnica foi feita conforme NR-15 e não conforme NHO-01, estando o ruído acima
do limite, podemos concluir que se foi feito conforme a NR-15 e não NHO-01, a
intensidade seria também superior, uma vez que a NHO-01 é uma técnica mais
moderna e conservadora, sendo mais protetiva ao trabalhador, já que utiliza um
fator de dobra (q=3) enquanto que a NR- 15 utiliza um fato de dobra (q=5).
Desta forma suponhamos que tivéssemos encontrado um NEN de 90db(a), logo o
valor da dose seria 318,2% (NHO-01) e 200% (NR-15).
Assim, podemos, sem adentrar muito no mérito dos cálculos da NR-15 e da
NHO-01, concluir que se a medição indicada no referido PPP foi conforme NHO-01,
está superior ao limite estabelecido e caso não tenha sido feita assim,
mantendo a técnica da NR-15 que era então utilizada até 18/11/2003, ainda o
ruído seria superior ao limite estabelecido, devendo, portanto, o período ser
computado como especial.
A própria autarquia assim estipula no art. 280 da IN 77/2015:
[...]
Destaco ainda que não verifico qual o interesse do empregador em emitir
o documento afirmando que houve exercício de atividade laboral em condições
especiais e prejudiciais à saúde do trabalhador, exposto a ruído excessivo, o
que acarreta no recolhimento à maior de contribuição ao FAT, lhe causando
prejuízo financeiro se as informações não fossem verídicas, além de incorrer em
crime de falsificação de documento público, conforme artigo 297 do código penal.
O INSS não está agindo com a precisão correta e que se espera da
autarquia federal, pois ao se deparar com o respectivo formulário preenchido de
forma ‘errada’, o INSS nada fez para que o empregador emitisse o documento
conforme determina a legislação previdenciária, apenas espera que o segurado
consiga de alguma forma obrigar seus então empregadores a lhe entregarem PPP
preenchido corretamente, já que não compete ao segurado o preenchimento do
formulário.
Entendo que ao invés de emitir carta de exigência ao segurado ou
simplesmente negar o enquadramento especial deve a autarquia exercer seu poder
de política, além disso, efetuar seu dever em fiscalizar os empregadores em
relação ao preenchimento coreto dos documentos entregues ao segurado para fins
previdenciários, conforme artigo 125-A da lei 8.213/91 que abaixo transcrevo:
Art. 125-A.
Compete ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS realizar, por meio dos
seus próprios agentes, quando designados, todos os atos e procedimentos
necessários à verificação do atendimento das obrigações não tributárias
impostas pela legislação previdenciária e à imposição da multa por seu eventual
descumprimento. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
§ 1o
A empresa disponibilizará a servidor designado por dirigente do INSS os
documentos necessários à comprovação de vínculo empregatício, de prestação de
serviços e de remuneração relativos a trabalhador previamente
identificado. (Incluído pela Lei nº 11.941, de 2009)
Veja-se o artigo
citado estabelece a competência do INSS para realziar através dos seus agentes,
quando assim designados, as medidas necessárias para a ‘verificação do
atendimento das obrigações não tributárias impostas pela legislação
previdenciária’. Ou seja, das obrigações previdenciárias. A Lei nº 8.213/91, a
chamada Lei de Benefícios, é o referencial normativo central para saber quais
são estas obrigações.
Em razão disto,
tem-se que os contornos do poder de política (ou do poder sancionador) do INSS
no que diz respeito à documentação que deve ser mantida e/ou medida pelas
empresas para os segurados que nela laboram, ou tenham laborado, possam
comprovar eventual prestação em condições nocivas à saúde, está diretamente
ligado às obrigações previstas na legislação previdenciária para as empresas
são o critério de delimitação da competência sancionadora do INSS.
Assim, caso
reconhecidos os períodos exercidos em condições especiais e concedido o
benefício, o ônus da prova em contrário cabe à autarquia, devendo exercer seu
poder de política e fiscalizar os respectivos empregadores à fim de verificar
se o ruído informado está ou não correto, aplicando as medidas cabíveis,
inclusive podendo revisar os benefícios concedidos caso comprovado o erro na
medição do ruído informado no PPP ou formulário específico.
Pelas razões
expostas, entende que aos conselheiros do CRSS cabe, ao receber determinado PPP
com indicação de exposição a ruído acima dos limites de tolerância impostos
pela legislação previdenciária, receber a informação como verdadeira, já que o
INSS, quando do requerimento inicial recebeu o formulário, o analisou e não
precedendo em seu poder-dever de política de fiscalizar o correto preenchimento
da medição do ruído, entende que a medição está correta, pois se assim não
fosse, deveria ter fiscalizado o empregador e verificado se as medições estão
de acordo com o que determina a legislação.
Ao segurado, não
lhe compete comprovar que laborou exposto a ruído excessivo conforme
determinada metodologia de aferição do agente nocivo, bastando-lhe apresentar
ao INSS o documento emitido pelo então empregador, o qual indica exposição a
agente nocivo. Em momento algum a
legislação prevê que o ônus da prova cabe ao trabalhador e tendo ele cumprido
com sua obrigação de juntar formulário contendo a indicação de trabalho em condições
especiais, o ônus da prova em contraditório recai sobre a autarquia e assim não
o fazendo, não poderá o conselheiro do CRSS acompanhar a afirmação do INSS sem
que haja qualquer comprovação em contrário nos autos, pois estará confirmando
que não houve exposição a ruído acima dos limites de tolerância sem qualquer
meio de prova.
O entendimento fixado
nessa decisão resultou na Resolução 26/2018.
Na dúvida, o próprio INSS
pode – deve – inspecionar o local de
trabalho do segurado para confirmar as informações contidas nos referidos
documentos e aplicar multa caso as informações estejam em desacordo com o laudo
técnico.[7]
Conforme artigo 4ª da Res. INSS 485, de 08.07.2015, a inspeção no ambiente de
trabalho terá por finalidade: “verificar
se as informações contidas no PPP estão em concordância com o LTCAT utilizado
como base para sua fundamentação, com fins à aposentadoria especial” (V); e
“confirmar se as informações contidas LTCAT estão em concordância com o
ambiente de trabalho inspecionado, com fins à aposentadoria especial” (VI).
A decisão do CRSS reclama
igualdade, no sentido de isonomia (em termos de procedimento). Do ponto de
vista jurídico, o que se tem é a expressão portuguesa “ser mais realista que o
rei”, incorporada ao vocabulário brasileiro, e que significa que o Poder Judiciário
não quer adotar uma postura mais restritiva do que aquela praticada na via
administrativa. Os sinais estão na jurisprudência, inclusive, dos tribunais
superiores.
7 Dos resultados práticos do presente
incidente de uniformização
Na pior das hipóteses, o
contraditório enquanto garantia de influência e não surpresa impõe a reabertura
da instrução processual, com a realização de prova pericial ou, no mínimo, a
intimação das empresas para informar qual a metodologia utilizada pelo engenheiro ou
médico do trabalho, tudo isso para demonstrar que o nível de ruído é ainda
superior àquele indicado no formulário – o que parece ser um capricho do INSS.
É cediço que as empresas,
não raras às vezes, insistem em disponibilizar as melhores condições sobre o
meio ambiente do trabalho. Assim, indicando o PPP um ruído acima do limite de
tolerância, ao INSS cabe a fiscalização e, consequentemente, a prova em
contrário da: da não utilização da metodologia da NHO-01;
impossibilidade de se determinar a real
exposição do trabalhador ao agente ruído mediante avaliação pontual, em razão
da ocorrência de dois ou mais períodos de exposição a diferentes
níveis de ruído; e assim por diante.
O fato de o PPP indicar a
NR-15 não significa, por si só, que não foi observada da metodologia da NHO 01,
uma vez que é necessária a adaptação do cálculo
matemático para fins de comparação com os limites de tolerância apresentados na
NR-15. Ainda, a não indicação da expressão “NHO 01”, no campo 15.5 do
formulário, não significada que não foi utilizado o aparelho de medição
“dosímetro”, tampouco que não foi calculado o Nível
de Exposição Normalizado. Aliás, o cálculo do NEN somente
é necessário quando a jornada de trabalho diário for diferente de 8 horas. É possível calcular o NEN com a utilização de
decibelímetro. A NHO 01 traz em
si dois procedimentos de apuração do Ruído: o do NE – Nível de Exposição e NEN
– Nível de Exposição Normalizado.
A
pergunta – perturbadora – que se deve fazer: O INSS quer colocar todas essas situações
em dúvida, com todas as implicações que isso tem? Mesmo tendo sido omisso na
fiscalização dos formulários PPP?
8 Conclusão
Considerando o núcleo do
estranhamento, que aponta para a reflexão sobre as possibilidades e as
consequências da uniformização da tese defendida pelo INSS, podem ser apontadas
algumas considerações finais:
1.
Não se pode exigir que
o PPP traga qualquer referência à metodologia da NHO 01, quando indicado o
agente ruído em nível acima do limite de tolerância.
2.
A não utilização da NHO
01 não pode ser considerado um fato determinante para o não enquadramento do
agente físico.
3.
A não utilização da
metodologia da NHO 01, em prejuízo do segurado, pode – e deve – ser impugnada pelo INSS.
O
tema pede cautela, cuidado e estranhamento, evitando-se qualquer decisão
precipitada, ou melhor, que demonstre contrariedade aos avanços em matéria
previdenciária.
A
única certeza é de que o processo deve traduzir um diálogo entre as pastes do
processo, na busca da correta aplicação das normas jurídicas, sendo, nesse caso,
importante a realização de audiência
pública, para ouvir depoimentos de pessoas com experiência e autoridade na
matéria, a fim de se obter uma resposta técnica (multidisciplinar) sobre todos
os pontos aqui enfrentados, o que pode(ria) conferir maior legitimidade
à decisão, por diminuir a discricionariedade do julgador.
Não
há como favorecer o que de fato aconteceu para, numa espécie de determinismo
retrospectivo, apontar qualquer argumento ignorado e/ou fazer uma crítica à
decisão. Isso porque o artigo foi escrito antes do julgamento do incidente de
uniformização.
Referências
BRASIL. Decreto
3.048, de 06.05.1999. Regulamento de Previdência Social. Disponível em:
<http://www3.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/23/1999/ 3048.htm>. Acesso
em: 04 set. 2018.
TRF4, AC
0021570-78.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 17/03/2017).
BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. Agravo em recurso extraordinário nº 664.335. Recorrente: Instituto
Nacional do Seguro Social. Recorrido: Antônio Fagundes. Relator: Ministro Luiz
Fux. Brasília, 04 de dezembro de 2014. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=
TP&docID=7734901>. Acesso em: 05 set.
2018.
GESSINGER,
Humberto. Descobrir o que já se conhece, esquecer o que nunca soubemos. Blogessinger, 23 jul. 2013. Disponível:
<http://blogessinger.blogspot.com/2013/07/descobrir-o-que-ja-se-conhece-esquecer.html>.
Acesso em: 09 set. 2018.
Pet 10.262/RS,
Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, j. 08.02.2017, DJe 16.02.2017.
LADENTHUN, Adriane
Bramante de Castro. Aposentadoria especial: teoria e prática. Curitiba:
Juruá, 2013.
RUÍDO e o Nível de
Exposição Normalizado. Revista Proteção.
Disponível em:
<http://www.protecao.com.br/noticias/geral/ruido_e_o_nivel_de_exposicao_normalizado_(nen)/AAjgAnjg/538>.
Acesso em: 04 set. 2018.
[1] GESSINGER,
Humberto. Descobrir o que já se conhece, esquecer o que nunca soubemos. Blogessinger, 23 jul. 2013. Disponível:
<http://blogessinger.blogspot.com/2013/07/descobrir-o-que-ja-se-conhece-esquecer.html>.
Acesso em: 09 set. 2018.
[2]
Pet 10.262/RS, Rel. Min. Sérgio Kukina, Primeira Seção, j. 08.02.2017, DJe
16.02.2017.
[3] LADENTHUN,
Adriane Bramante de Castro. Aposentadoria especial: teoria e prática.
Curitiba: Juruá, 2013. p. 48.
[4]
RUÍDO e o Nível de Exposição Normalizado. Revista Proteção. Disponível em:
<http://www.protecao.com.br/noticias/geral/ruido_e_o_nivel_de_exposicao_normalizado_(nen)/AAjgAnjg/538>.
Acesso em: 04 set. 2018.
[5] Sobre essa questão, já decidiu este Regional no
sentido de que, havendo diferentes níveis de ruído para mesmo período
e não havendo no laudo técnico informação sobre a média ponderada do nível
de ruído, utiliza-se o "critério dos picos de ruído (maior
nível de ruído no ambiente durante a jornada de trabalho)".
(Reexame Necessário Cível nº 5006767-28.2012.404.7104/RS, unanimidade, Relatora
Juíza Federal Taís Schilling Ferraz, D.E. de 19.08.2014). A propósito, a
seguinte ementa: PREVIDENCIÁRIO.
APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE LABOR EM CONDIÇÕES
ESPECIAIS. RUÍDO. UMIDADE. EPI. PERÍODO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR
INCAPACIDADE. REQUISITOS ATENDIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. CONSECTÁRIOS.
DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. (...) 7. Não sendo possível
aferir a média ponderada do nível de ruído, deve-se utilizar o
“critério dos picos de ruído” (maior nível de ruído no
ambiente durante a jornada de trabalho). Precedentes desta Corte. (...) (TRF4, AC
0021570-78.2014.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E.
17/03/2017).
[6] BRASIL. Supremo Tribunal
Federal. Agravo em recurso extraordinário nº 664.335. Recorrente: Instituto
Nacional do Seguro Social. Recorrido: Antônio Fagundes. Relator: Ministro Luiz
Fux. Brasília, 04 de dezembro de 2014. Disponível em:
<http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP= TP&docID=7734901>. Acesso em: 05 set. 2018.
[7] De acordo com o § 4ª, art. 68, do Decreto 3.048/99,
“A empresa que não mantiver laudo técnico atualizado com referência aos agentes
nocivos existentes no ambiente de trabalho de seus trabalhadores ou que emitir
documento de comprovação de efetiva exposição em desacordo com o respectivo
laudo estará sujeita à multa prevista no art. 283”. BRASIL. Decreto 3.048, de 06.05.1999. Regulamento
de Previdência Social. Disponível em:
<http://www3.dataprev.gov.br/SISLEX/paginas/23/1999/ 3048.htm>. Acesso
em: 04 set. 2018.
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