A DECADÊNCIA E SUA “INTERRUPÇÃO” COM O PEDIDO DE REVISÃO DO BENEFÍCIO: UMA INTERPRETAÇÃO HERMENEUTICAMENTE ADEQUADA – É O QUE SE BUSCA

 

A questão posta em discussão: “Saber qual a natureza jurídica do prazo do artigo 103 da Lei 8.213/91, bem como se é possível sua interrupção no caso de prévio requerimento administrativo de revisão.”

Não pretendo trabalhar com a expressão “natureza jurídica”, uma vez que ela atrai críticas à metafisica clássica, que aposta na essência das coisas, como se o sentido estivesse sempre ali – na sua plenitude. A meu ver, o tema passa, necessariamente, por uma análise do alcance da tese fixada no Tema 975 do STJ. A tese não traz consigo uma norma justa, pronta e acabada, pois, assim como a regra do art. 103 da Lei 8.213/1991, não abarca todas as hipóteses de aplicação da norma. A propósito, “o ‘juiz-boca-da-lei’ é uma impossibilidade filosófica, pois nenhuma lei abarca todas as hipóteses de aplicação” (Lenio Streck).

Com efeito, não se pode subjugar todos os casos a uma única categoria, negligenciando os diferentes eventos e, sobretudo, os limites semânticos do dispositivo em foco. Por outras palavras, não é possível se traçar uma linha reta e mortífera entre a DIB/DER e a Data de Ajuizamento da Ação (DAA).

A tese representativa da controvérsia, submetida ao rito dos recursos repetitivos, foi assim fixada (Tema 975/STJ): “questão atinente à incidência do prazo decadencial sobre o direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário do regime geral (art. 103 da Lei 8.213/1991) nas hipóteses em que o ato administrativo da autarquia previdenciária não apreciou o mérito do objeto da revisão.” Em resumo: ali se discutiu se a decadência deveria incidir (ou não) sobre aquelas questões não apreciadas no ato de concessão do benefício.

A discussão captura e lida com a diferença entre prescrição e decadência, esta última no intuito de saber se o direito de ação nasce (ou não) com a violação do direito.  Nesse nível, entendeu-se que a decadência incide sobre os direitos exercidos independentemente da manifestação de vontade do sujeito passivo do direito: “Não há falar, portanto, em impedimento, suspensão ou interrupção de prazos decadenciais, salvo por expressa determinação legal (art. 207 do CC).” No item 11 da Ementa:

Isso é reforçado pelo art. 103 da Lei 8.213/1991, que estabelece de forma específica o termo inicial para o exercício do direito potestativo de revisão quando o benefício é concedido (‘a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação’) ou indeferido (‘do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo’).

O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096, declarou a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019, por entender que a decadência não pode fulminar o direito fundamental à concessão do benefício, logo, podemos deixar de lado o indeferimento do pedido de concessão de benefício previdenciário. No Tema 265, a TNU acertadamente fixou a seguinte tese: “A impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito”.

Mas seguindo na análise do acórdão do STJ, tem-se que o direito de revisar o benefício pode ser exercido na seara administrativa ou judicial. Isso significa que o INSS, na via administrativa, é (o primeiro) destinatário da norma contida no art. 103 da Lei de Benefícios. Nessa perspectiva, é possível se afirmar – também – que a Corte Cidadã não problematizou o Tema 350/STF, assim como aquelas questões que se aperfeiçoaram ou consolidaram após a concessão do benefício, como o reconhecimento judicial de tempo de serviço em ação trabalhista.   

            Importante lembrar que a redação tomada como base para o debate foi dada pela Lei 10.839/2004, vigente por ocasião da interposição do recurso especial, a qual estabelece:

Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.               

Com efeito, a decisão não enfrentou a redação emprestada pela Lei 13.846, de 2019, porquanto superveniente. Mas qual a importância dessa lei? Ela não apenas reafirmou literalmente a existência de um segundo termo inicial, mas foi além, conferindo a ele um lugar de destaque – na segunda parte do inciso II:

Art. 103.  O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado

 

I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou

 

II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.

 

O Dec. 3.048/1999, mesmo após a redação emprestada pelo Dec. 10.410/2020, manteve a mesma semântica.

Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter declarado a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019 (na sua integralidade?), é possível se continuar defendendo as mesmas teses, inclusive, com base no parágrafo único do art. 568 da IN INSS 77/2015: “Em se tratando de pedido de revisão de benefícios com decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo, em que não houver a interposição de recurso, o prazo decadencial terá início no dia em que o requerente tomar conhecimento da referida decisão.”

É importante questionar/refletir: para que a expressão “indeferimento de revisão de benefício”, quando a revisão pressupõe a revisão da “renda mensal inicial” (graduação econômica) de um benefício já concedido (conforme precedentes do STJ e STF)? Para que a distinção entre “pedido de benefício” e “indeferimento de revisão de benefício”? Conforme Carlos Maximiliano: “Não se presumem, na lei, palavras inúteis”.

Se um marco é o primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação, outro o conhecimento da decisão de indeferimento do pedido de revisão do ato de concessão, a primeira coisa que se deduz de duas coisas é que não são a mesma. Decerto, o dies a quo do prazo decadencial é o do indeferimento do pedido de revisão do valor do benefício previdenciário.

Definitivamente, o STJ não se ocupou com o segundo termo para contagem do prazo decadencial, isto é, com aquilo que acontece depois do pedido de revisão protocolado dentro do prazo de 10 anos. Na tese por ele fixada: “Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário.”

Agora nos resta perguntar: o requerimento de revisão “interrompe” o prazo decadencial?

Para ilustrar: o benefício é concedido em 08/2006, sendo a primeira prestação recebida em 09/2006, o que significa que o prazo decadência passou a contar a partir de 01/10/2006. O pedido de revisão do benefício é agendado em 19/09/2016, restando marcada para o dia 10/01/2017 a apresentação dos documentos junto ao INSS (atendimento presencial). Nesse caso, deve prevalecer a data do agendamento eletrônico, conforme art. 669 da IN/INSS 77/2015. A ação judicial foi ajuizada depois dos 10 anos, porém, na pendência de uma resposta para o pedido de revisão. A decisão administrativa só veio depois, no curso do processo judicial, confirmando ser o INSS o primeiro destinatário da norma. Ou seja, o INSS não aplica a decadência, já que o segurado fez cessar sua inércia com o agendamento do pedido de revisão. Simples assim.

É de se ver que, mesmo antes do julgamento do Tema 975/STJ, a ciência da decisão de indeferimento era considerada por parte da jurisprudência como algo a ser observado, como um segundo marco temporal para contagem do prazo de decadencial.

PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. INTERRUPÇÃO. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE REVISÃO. INÍCIO DA FLUÊNCIA. CIÊNCIA DA DECISÃO ADMINISTRATIVA INDEFERITÓRIA. PEDIDO CONHECIDO E PROVIDO. 1. Conforme já uniformizado por esta Turma Regional, em relação à decadência em matéria previdenciária, a parte final do disposto no caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91 contém disposição legal expressa permitindo considerar que o pedido administrativo de revisão de benefício previdenciário interrompe a decadência, cujo prazo integral somente começa a fluir novamente no dia em que o segurado tiver ciência da decisão administrativa que indeferiu seu pedido de revisão (IUJEF n º 0004324-07.2010.404.7252, Rel. Juíza Federal Ana Cristina Monteiro de Andrade Silva, D.E. 14.08.2012; e IUJEF nº 5011193-11.2011.404.7107, Rel. Juiz Federal Daniel Machado da Rocha, D.E. 27.03.2014, IUJEF 5028337-19.2011.404.7100, Rel. Jacqueline Michels Bilhalva, D.E 10/10/14) 2. Incidente de uniformização provido, com a determinação do retorno dos autos para a Turma Recursal de origem para adequação ao entendimento de direito uniformizado. (5001579-49.2011.404.7214, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator DANIEL MACHADO DA ROCHA, juntado aos autos em 23/11/2016).

 Já após o julgamento do Tema 975, o TRF da 4ª Região possui decisões confortando o entendimento da interrupção do prazo decadencial:

A segunda parte do art. 103 da Lei n° 8.213/91 prevê hipótese de interrupção do prazo decadencial ao dispor que a contagem se inicia a partir ‘do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo’. Jurisprudência citada: STJ, TRF1, TRF3, TNU e de Turma Recursal da 4ª Região. (TRF4, AC 5020635-11.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 22/05/2020).” (grifei).

Impõe-se afastar a decadência, in casu, porquanto não decorreram 10 anos entre a data da concessão do benefício e o pedido administrativo de revisão, feito dentro do prazo.  (TRF4, AC 5014374-24.2019.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 05/04/2021) (grifei).

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. DECADÊNCIA. PEDIDO DE REVISÃO. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL.  Hipótese em que não se configura decadência do direito à revisão do benefício, tendo em conta a apresentação de pedido administrativo de revisão antes do transcurso do prazo decenal, com a consequente anulação da sentença e o retorno dos autos à origem para a angularização da relação processual e posterior prosseguimento do feito.   (TRF4, AC 5064683-32.2012.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 11/05/2021)[1]

Enfrentando o alcance do Tema 975/STJ:

PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE REVISÃO. MATÉRIA ANALISADA PELA ADMINISTRAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TEMA 975 DO STJ. DISTINÇÃO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial repetitivo, decidiu que se aplica o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213, às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário (Tema 975). 2. O ato jurídico do segurado de requerer a revisão na via administrativa, promovido a tempo, consubstanciou o exercício do direito de impugnar o ato de concessão do benefício que afasta a decadência. 3. O exercício do direito de revisão não exige forma especial, nem se confunde com o exercício do direito de ação. 4. Não se discutiu, nos recursos representativos de controvérsia que originaram o Tema 975, a aplicação do prazo decadencial, quando o segurado postula na via administrativa a revisão do benefício e a autarquia rejeita o pedido, examinando a questão controvertida. 5. A tese fixada no Tema 975 do Superior Tribunal de Justiça não vincula o tribunal, na hipótese em que há distinção entre o caso concreto e os fatos fundamentais que embasaram as razões de decidir do precedente. (TRF4, AC 5000361-21.2021.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ADRIANE BATTISTI, juntado aos autos em 18/05/2021)

No particular, não acho técnico falar em “interrupção”, mas, simplesmente, num novo prazo de 10 anos, o qual tem como fundamento o segundo termo para contagem do prazo decadencial (ciência do indeferimento do pedido de revisão). É claro que esse segundo termo depende do primeiro, isto é, depende do protocolo de um pedido de revisão dentro do prazo de 10 anos, e só vincula a matéria expressamente ventilada no pedido administrativo.

Caso seja ignorado o segundo termo para contagem do prazo decadencial, chegaremos à seguinte conclusão lógica: o beneficiário precisa, dentro do prazo de 10 anos (a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação), tomar ciência da circunstância que lhe permite postular a revisão; formalizar um pedido administrativo de revisão de benefício, para levar a matéria ao conhecimento do servidor do INSS (Tema 350/STF); e ajuizar uma ação judicial.

Ocorre que o beneficiário não pode depender do agendamento para a apresentação dos documentos, tampouco do tempo que o INSS levará para analisar o seu pedido de revisão. Ademais, ele não pode ser alijado do seu direito de esgotar a via administrativa, contrariando, assim, a premissa de que o Poder Judiciário não pode ser transformado num “balcão do INSS”. Ao mesmo tempo, alguns procuradores do INSS reclamam da judicialização, numa tentativa de colocar a Justiça contra o cidadão.

Acreditamos que, hoje, aplicar a literalidade do art. 103 da Lei 8.213/1991 – em favor do destinatário das normas previdenciárias – é um ato revolucionário.

É verdade que, da redação dada pela Lei 10.839/2004, o intérprete não consegue extrair essa “literalidade”, como algo óbvio, uma vez que a segunda parte (“tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”) não se refere expressamente ao pedido de revisão. Essa interpretação só é possível quando conjugamos o referido dispositivo com o parágrafo único do art. 568 da IN INSS 77/2015, bem assim a redação emprestada pela Medida Provisória 871/2019, convertida na Lei 13.846, de 2019.

E daí a dúvida abre espaço para outra pergunta. A declaração de inconstitucionalidade do artigo 24 da Lei 13.846/2019 abarca todas as situações envolvendo o prazo decadencial? Apesar do STF declarar a inconstitucionalidade do dispositivo em foco, ele o faz com fundamento no argumento de que a concessão do benefício não está sujeita ao prazo decadencial, ou seja, referindo-se apenas ao caput do artigo 103. Na ementa da decisão:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI. DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO. MEDIDA PROVISÓRIA 871/2019. CONVERSÃO NA LEI 13.846/2019. EXAURIMENTO DA EFICÁCIA DE PARTE DAS NORMAS IMPUGNADAS. PERDA PARCIAL DO OBJETO. CONHECIMENTO DOS DISPOSITIVOS ESPECIFICAMENTE CONTESTADOS. ALEGAÇÃO DE PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE ATIVA, IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL E PREJUDICIALIDADE SUPERVENIENTE. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA DOS REQUISITOS CONSTITUCIONAIS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. INEXISTÊNCIA. CONTROLE JUDICIAL DE NATUREZA EXCEPCIONAL QUE PRESSUPÕE DEMONSTRAÇÃO DA INEQUÍVOCA AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NORMATIVOS. PRECEDENTES. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DO ART. 24 DA LEI 13.846/2019 NO QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 103 DA LEI 8.213/1991. PRAZO DECADENCIAL PARA A REVISÃO DO ATO DE INDEFERIMENTO, CANCELAMENTO OU CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. OFENSA AO ART. 6º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AO COMPROMETER O NÚCLEO ESSENCIAL DO DIREITO FUNDAMENTAL AO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO E À PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. A ação direta está, em parte, prejudicada, pois não incluído o art. 22 da MP 871/2019 pela Lei 13.846/2019. Conhecida a demanda apenas quanto aos demais dispositivos na ação direta impugnados. Precedente. 2. Ante a ausência de impugnação específica dos arts. 23, 24 e 26 da MP 871/2019 no decorrer das razões jurídicas expendidas na exordial, deve o conhecimento da demanda recair sobre os arts. 1º a 21 e 27 a 30 (alegada natureza administrativa) e 25, na parte em que altera os arts. 16, § 5º; 55, § 3º; e 115, todos da Lei 8.213/1991 (dito formalmente inconstitucional), assim como na parte em que altera o art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 (alegada inconstitucionalidade material). Precedente. 3. A requerente juntou posteriormente aos autos o extrato de seu registro sindical junto ao Ministério do Trabalho e a procuração com outorga de poderes específicos para a impugnação do diploma objeto da presente ação direta. Por se tratarem, pois, de vícios processuais sanáveis, não subsiste, na medida em que reparados, a apreciação das preliminares de ilegitimidade ativa e de irregularidade de representação. Precedente. 4. Em relação à preliminar alusiva ao dever da requerente de aditar a petição inicial em decorrência da conversão legislativa da medida provisória, inexistente modificação substancial do conteúdo legal objetado, não há falar em situação de prejudicialidade superveniente da ação. Precedente. 5. O controle judicial do mérito dos pressupostos constitucionais de urgência e de relevância para a edição de medida provisória reveste-se de natureza excepcional, legitimado somente caso demonstrada a inequívoca ausência de observância destes requisitos normativos. Ainda que a requerente não concorde com os motivos explicitados pelo Chefe do Poder Executivo para justificar a urgência da medida provisória impugnada, não se pode dizer que tais motivos não foram apresentados e defendidos pelo órgão competente, de modo que, inexistindo comprovação da ausência de urgência, não há espaço para atuação do Poder Judiciário no controle dos requisitos de edição da MP 871/2019. Precedente. 6. O núcleo essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível, irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao recebimento de benefício previdenciário. Este Supremo Tribunal Federal, no RE 626.489, de relatoria do i. Min. Roberto Barroso, admitiu a instituição de prazo decadencial para a revisão do ato concessório porque atingida tão somente a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma de cálculo ou o valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que visa ao recebimento do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do direito. 7. No caso dos autos, ao contrário, admitir a incidência do instituto para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação importa ofensa à Constituição da República e ao que assentou esta Corte em momento anterior, porquanto, não preservado o fundo de direito na hipótese em que negado o benefício, caso inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, é comprometido o exercício do direito material à sua obtenção. 8. Ação direta conhecida em parte e, na parte remanescente, julgada parcialmente procedente, declarando a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991. (ADI 6096, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-280 DIVULG 25-11-2020 PUBLIC 26-11-2020)

Enfim, o que se pode inferir disso é que, no restante, o artigo 24 é constitucional, nele compreendido o inciso II do art. 103 da Lei de Benefícios, que literalmente estabelece um segundo termo de contagem do prazo decadencial: “[...] da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.”

Ainda sobre a ADI 6.096, discutiu-se a (in)constitucionalidade do art. 24, § 5º, da Lei 13.846/2019, in verbis:

As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.

Nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal acolheu o Parecer da Procuradoria-Geral da República, no sentido de que estes são comandos não voltados a informar a atuação do Poder Judiciário. Oportuna a transcrição do seguinte trecho do parecer lançado pela douta Procuradoria-Geral da República, acolhido para afastar a preliminar trazida pela parte autora relativa à inconstitucionalidade formal do art. 24 da Lei 13.846/2019:

Confiram-se, a respeito, as considerações da Advocacia-Geral da União: […] Os dispositivos em questão não são comandos voltados a informar a atuação do Poder Judiciário. Trata-se, na verdade, de normas cujos destinatários diretos são os servidores do INSS, que deverão observar se os processos administrativos estão instruídos com prova material contemporânea dos fatos, para fins de comprovação de tempo de serviço, de união estável e de dependência econômica.[2]

É importante lembrar que o art. 24 da Lei 13.846, de 2019, versa sobre outras tantas matérias.

Uma vez superadas as questões supramencionadas, no sentido de que o tema não fora submetido à consideração do STJ, não será possível se negar a existência do segundo termo para contagem do prazo decadencial (“a contar ciência da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo”), mesmo com a declaração de inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019. Quando se diz "isso não é possível" já antevemos o possível.

 

Escrito por Diego Henrique Schuster



[1] Até mesmo em sede de embargos de declaração: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. DECADÊNCIA. AFASTADA. REVISÃO DO BENEFÍCIO. PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. IMPLANTAÇÃO DA REVISÃO. 1. Os embargos de declaração têm cabimento contra qualquer decisão e objetivam esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro material. 2. Hipótese de afastamento da incidência da decadência do direito à revisão, tendo em conta a apresentação de pedido administrativo de revisão antes de transcorridos dez anos da concessão do benefício.  3. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da atividade laboral por ele exercida. 4. Com o reconhecimento da atividade especial e a conversão para o tempo comum, deve o INSS revisar o benefício do autor. 5. Caso em a prescrição quinquenal atinge as prestações anteriores ao quinquênio que antecede a ação, suspensa no lapso em que tramitou o processo administrativo de revisão. 6. Determinada a imediata implantação da revisão do benefício. (TRF4, AC 5005341-15.2016.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 11/05/2021)

[2] ADI 6096, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-280 DIVULG 25-11-2020 PUBLIC 26-11-2020.


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