A DECADÊNCIA E SUA “INTERRUPÇÃO” COM O PEDIDO DE REVISÃO DO BENEFÍCIO: UMA INTERPRETAÇÃO HERMENEUTICAMENTE ADEQUADA – É O QUE SE BUSCA
A questão posta em discussão: “Saber qual a natureza jurídica
do prazo do artigo 103 da Lei 8.213/91, bem como se é possível sua interrupção
no caso de prévio requerimento administrativo de revisão.”
Não pretendo trabalhar com a expressão “natureza
jurídica”, uma vez que ela atrai críticas à metafisica clássica, que aposta na
essência das coisas, como se o sentido estivesse sempre ali – na sua
plenitude. A meu ver, o tema passa, necessariamente, por uma análise do alcance
da tese fixada no Tema 975 do STJ. A tese não traz consigo uma norma justa, pronta e acabada, pois, assim como a regra do art. 103 da Lei
8.213/1991, não abarca todas as hipóteses de aplicação da norma. A propósito, “o
‘juiz-boca-da-lei’ é uma impossibilidade filosófica, pois nenhuma lei abarca
todas as hipóteses de aplicação” (Lenio Streck).
Com efeito, não se pode subjugar todos os casos a uma
única categoria, negligenciando os diferentes eventos e, sobretudo, os limites
semânticos do dispositivo em foco. Por outras palavras, não é possível se traçar uma linha reta e mortífera entre a
DIB/DER e a Data de Ajuizamento da Ação (DAA).
A tese representativa da controvérsia, submetida ao rito dos recursos
repetitivos, foi assim fixada
(Tema 975/STJ): “questão atinente à incidência do prazo decadencial sobre o
direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário do regime
geral (art. 103 da Lei 8.213/1991) nas hipóteses em que o ato administrativo da
autarquia previdenciária não apreciou o mérito do objeto da revisão.” Em
resumo: ali se discutiu se a decadência deveria incidir (ou não) sobre aquelas
questões não apreciadas no ato de concessão do benefício.
A discussão captura e lida com a diferença entre prescrição e
decadência, esta última no intuito de saber se o direito de ação nasce (ou não)
com a violação do direito. Nesse nível, entendeu-se que a decadência
incide sobre os direitos exercidos independentemente da manifestação de vontade
do sujeito passivo do direito: “Não há falar, portanto, em impedimento,
suspensão ou interrupção de prazos decadenciais, salvo por expressa
determinação legal (art. 207 do CC).” No item 11 da Ementa:
Isso é reforçado pelo art. 103 da Lei
8.213/1991, que estabelece de forma específica o termo inicial para o exercício
do direito potestativo de revisão quando o benefício é concedido (‘a contar do dia primeiro do mês seguinte
ao do recebimento da primeira prestação’) ou indeferido (‘do dia em que tomar conhecimento da
decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo’).
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096, declarou a inconstitucionalidade
do art. 24 da Lei 13.846/2019, por entender que a decadência não pode
fulminar o direito fundamental à concessão do benefício, logo, podemos
deixar de lado o indeferimento do pedido de concessão de benefício previdenciário.
No Tema 265, a TNU acertadamente fixou a
seguinte tese: “A impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento
de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em
relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito”.
Mas seguindo na análise do acórdão do STJ, tem-se que o direito de
revisar o benefício pode ser exercido na seara administrativa ou judicial. Isso
significa que o INSS, na via administrativa, é (o primeiro) destinatário da
norma contida no art. 103 da Lei de Benefícios. Nessa perspectiva, é possível
se afirmar – também – que a Corte Cidadã não problematizou o Tema
350/STF, assim como aquelas questões que se aperfeiçoaram ou consolidaram após
a concessão do benefício, como o reconhecimento judicial de tempo de serviço em
ação trabalhista.
Importante lembrar que a redação tomada como
base para o debate foi dada pela Lei 10.839/2004, vigente por ocasião da
interposição do recurso especial, a qual estabelece:
Art. 103. É
de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do
segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a
contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação
ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão
indeferitória definitiva no âmbito
administrativo.
Com efeito, a decisão não enfrentou a redação emprestada pela Lei
13.846, de 2019, porquanto superveniente. Mas qual a importância dessa lei? Ela
não apenas reafirmou literalmente a existência de um segundo termo inicial, mas
foi além, conferindo a ele um lugar de destaque – na segunda parte do inciso II:
Art. 103. O prazo de decadência do direito ou
da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão,
indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento,
indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos,
contado:
I - do dia primeiro do mês subsequente ao do
recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter
sido paga com o valor revisto; ou
II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da
decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício
ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício,
no âmbito administrativo.
O Dec. 3.048/1999, mesmo após a redação emprestada pelo
Dec. 10.410/2020, manteve a mesma semântica.
Apesar de o Supremo Tribunal Federal ter declarado a inconstitucionalidade do art.
24 da Lei 13.846/2019 (na sua integralidade?), é possível se continuar
defendendo as mesmas teses, inclusive, com base no parágrafo único do art. 568
da IN INSS 77/2015: “Em se tratando de pedido de revisão de benefícios com
decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo, em que não
houver a interposição de recurso, o prazo decadencial terá início
no dia em que o requerente tomar conhecimento da referida decisão.”
É importante questionar/refletir: para que a expressão
“indeferimento de revisão de benefício”, quando a revisão pressupõe a revisão
da “renda mensal inicial” (graduação econômica) de um benefício já
concedido (conforme precedentes do STJ e STF)? Para que a distinção entre
“pedido de benefício” e “indeferimento de revisão de benefício”? Conforme
Carlos Maximiliano: “Não se presumem, na lei, palavras inúteis”.
Se um marco é o primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da
primeira prestação, outro o conhecimento da decisão de indeferimento do
pedido de revisão do ato de concessão, a primeira coisa que se deduz de
duas coisas é que não são a mesma. Decerto, o dies a quo do prazo
decadencial é o do indeferimento do pedido de revisão do valor do
benefício previdenciário.
Definitivamente, o STJ não se ocupou com o segundo termo para
contagem do prazo decadencial, isto é, com aquilo que acontece depois do
pedido de revisão protocolado dentro do prazo de 10 anos. Na tese por ele
fixada: “Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art.
103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não
foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício
previdenciário.”
Agora nos resta perguntar: o requerimento de revisão “interrompe” o
prazo decadencial?
Para ilustrar: o benefício é concedido em 08/2006, sendo a primeira
prestação recebida em 09/2006, o que significa que o prazo decadência passou a
contar a partir de 01/10/2006. O pedido de revisão do benefício é agendado em
19/09/2016, restando marcada para o dia 10/01/2017 a apresentação dos
documentos junto ao INSS (atendimento presencial). Nesse caso, deve prevalecer
a data do agendamento eletrônico, conforme art. 669 da IN/INSS 77/2015. A
ação judicial foi ajuizada depois dos 10 anos, porém, na pendência de uma
resposta para o pedido de revisão. A decisão administrativa só veio depois, no
curso do processo judicial, confirmando ser o INSS o primeiro destinatário da
norma. Ou seja, o INSS não aplica a decadência, já que o segurado fez cessar
sua inércia com o agendamento do pedido de revisão. Simples assim.
É de se ver que, mesmo antes do julgamento do Tema 975/STJ, a ciência da
decisão de indeferimento era considerada por parte da jurisprudência como algo
a ser observado, como um segundo marco temporal para contagem do prazo de
decadencial.
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL.
PREVIDENCIÁRIO. DECADÊNCIA. INTERRUPÇÃO. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE REVISÃO.
INÍCIO DA FLUÊNCIA. CIÊNCIA DA DECISÃO ADMINISTRATIVA INDEFERITÓRIA. PEDIDO
CONHECIDO E PROVIDO. 1. Conforme já uniformizado por esta Turma Regional, em
relação à decadência em matéria previdenciária, a parte final do disposto no
caput do art. 103 da Lei nº 8.213/91 contém disposição legal expressa
permitindo considerar que o pedido administrativo de revisão de benefício
previdenciário interrompe a decadência, cujo prazo integral somente começa a
fluir novamente no dia em que o segurado tiver ciência da decisão
administrativa que indeferiu seu pedido de revisão (IUJEF n º
0004324-07.2010.404.7252, Rel. Juíza Federal Ana Cristina Monteiro de Andrade
Silva, D.E. 14.08.2012; e IUJEF nº 5011193-11.2011.404.7107, Rel. Juiz Federal
Daniel Machado da Rocha, D.E. 27.03.2014, IUJEF 5028337-19.2011.404.7100, Rel.
Jacqueline Michels Bilhalva, D.E 10/10/14) 2. Incidente de uniformização
provido, com a determinação do retorno dos autos para a Turma Recursal de
origem para adequação ao entendimento de direito uniformizado.
(5001579-49.2011.404.7214, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO,
Relator DANIEL MACHADO DA ROCHA, juntado aos autos em 23/11/2016).
Já após o julgamento
do Tema 975, o TRF da 4ª Região possui decisões confortando o entendimento da interrupção
do prazo decadencial:
A segunda parte do art. 103 da Lei n° 8.213/91 prevê
hipótese de interrupção do prazo decadencial ao dispor que a contagem se inicia
a partir ‘do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira
prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão
indeferitória definitiva no âmbito administrativo’. Jurisprudência citada: STJ, TRF1, TRF3, TNU e
de Turma Recursal da 4ª Região. (TRF4, AC 5020635-11.2018.4.04.9999, TURMA
REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos
autos em 22/05/2020).” (grifei).
Impõe-se afastar a decadência, in
casu, porquanto não decorreram 10 anos entre a data da concessão do
benefício e o pedido administrativo de revisão, feito dentro do prazo. (TRF4, AC
5014374-24.2019.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO,
juntado aos autos em 05/04/2021) (grifei).
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. DECADÊNCIA.
PEDIDO DE REVISÃO. SENTENÇA ANULADA. REABERTURA DE INSTRUÇÃO PROCESSUAL. Hipótese
em que não se configura decadência do direito à revisão do benefício, tendo em
conta a apresentação de pedido administrativo de revisão antes do transcurso do
prazo decenal, com a consequente anulação da sentença e o retorno dos
autos à origem para a angularização da relação processual e posterior
prosseguimento do feito. (TRF4, AC 5064683-32.2012.4.04.7100, QUINTA
TURMA, Relatora GISELE LEMKE, juntado aos autos em 11/05/2021)[1]
Enfrentando o alcance do Tema 975/STJ:
PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO.
REVISÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. PEDIDO ADMINISTRATIVO DE REVISÃO. MATÉRIA
ANALISADA PELA ADMINISTRAÇÃO PREVIDENCIÁRIA. TEMA 975 DO STJ. DISTINÇÃO. 1. O
Superior Tribunal de Justiça, em recurso especial repetitivo, decidiu que se
aplica o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei
8.213, às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato
administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário (Tema 975).
2. O ato jurídico do segurado de requerer a revisão na via administrativa,
promovido a tempo, consubstanciou o exercício do direito de impugnar o ato de
concessão do benefício que afasta a decadência. 3. O exercício do direito
de revisão não exige forma especial, nem se confunde com o exercício do direito
de ação. 4. Não se discutiu, nos recursos representativos de controvérsia que
originaram o Tema 975, a aplicação do prazo decadencial, quando o segurado
postula na via administrativa a revisão do benefício e a autarquia rejeita o
pedido, examinando a questão controvertida. 5. A tese fixada no Tema 975 do
Superior Tribunal de Justiça não vincula o tribunal, na hipótese em que há
distinção entre o caso concreto e os fatos fundamentais que embasaram as razões
de decidir do precedente. (TRF4, AC 5000361-21.2021.4.04.9999, QUINTA
TURMA, Relator ADRIANE BATTISTI, juntado aos autos em 18/05/2021)
No particular, não acho técnico
falar em “interrupção”, mas, simplesmente, num novo prazo de 10 anos, o qual tem
como fundamento o segundo termo para contagem do prazo decadencial (ciência do
indeferimento do pedido de revisão). É claro que esse segundo termo depende
do primeiro, isto é, depende do protocolo de um pedido de revisão dentro do
prazo de 10 anos, e só vincula a matéria expressamente ventilada no pedido administrativo.
Caso seja ignorado o segundo termo para contagem do prazo decadencial,
chegaremos à seguinte conclusão lógica: o beneficiário precisa, dentro do prazo
de 10 anos (a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da
primeira prestação), tomar ciência da circunstância que lhe permite postular a
revisão; formalizar um pedido administrativo de revisão de benefício, para
levar a matéria ao conhecimento do servidor do INSS (Tema 350/STF); e
ajuizar uma ação judicial.
Ocorre que o beneficiário não pode depender do agendamento para a
apresentação dos documentos, tampouco do tempo que o INSS levará para analisar
o seu pedido de revisão. Ademais, ele não pode ser alijado do seu direito de esgotar
a via administrativa, contrariando, assim, a premissa de que o Poder Judiciário
não pode ser transformado num “balcão do INSS”. Ao mesmo tempo, alguns
procuradores do INSS reclamam da judicialização, numa tentativa de colocar a
Justiça contra o cidadão.
Acreditamos que, hoje, aplicar a
literalidade do art. 103 da Lei 8.213/1991 – em favor do destinatário das
normas previdenciárias – é um ato revolucionário.
É verdade que, da redação dada pela Lei
10.839/2004, o intérprete não consegue extrair essa “literalidade”, como algo óbvio,
uma vez que a segunda parte (“tomar conhecimento
da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo”) não se refere
expressamente ao pedido de revisão. Essa interpretação só é possível
quando conjugamos o referido dispositivo com o parágrafo único do art. 568 da
IN INSS 77/2015, bem assim a redação emprestada pela Medida Provisória
871/2019, convertida na Lei 13.846, de 2019.
E daí a dúvida abre espaço para outra
pergunta. A declaração de inconstitucionalidade do artigo 24 da Lei 13.846/2019
abarca todas as situações envolvendo o prazo decadencial? Apesar do STF
declarar a inconstitucionalidade do dispositivo em foco, ele o faz com
fundamento no argumento de que a concessão do benefício não está sujeita ao
prazo decadencial, ou seja, referindo-se apenas ao caput do artigo 103.
Na ementa da decisão:
AÇÃO
DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ADI. DIREITO CONSTITUCIONAL E PREVIDENCIÁRIO.
MEDIDA PROVISÓRIA 871/2019. CONVERSÃO NA LEI 13.846/2019. EXAURIMENTO DA
EFICÁCIA DE PARTE DAS NORMAS IMPUGNADAS. PERDA PARCIAL DO OBJETO. CONHECIMENTO
DOS DISPOSITIVOS ESPECIFICAMENTE CONTESTADOS. ALEGAÇÃO DE PRELIMINARES DE ILEGITIMIDADE
ATIVA, IRREGULARIDADE DE REPRESENTAÇÃO PROCESSUAL E PREJUDICIALIDADE
SUPERVENIENTE. INEXISTÊNCIA. PRECEDENTES. MÉRITO. ALEGAÇÃO DE INOBSERVÂNCIA DOS
REQUISITOS CONSTITUCIONAIS DE RELEVÂNCIA E URGÊNCIA. INEXISTÊNCIA. CONTROLE
JUDICIAL DE NATUREZA EXCEPCIONAL QUE PRESSUPÕE DEMONSTRAÇÃO DA INEQUÍVOCA
AUSÊNCIA DOS REQUISITOS NORMATIVOS. PRECEDENTES. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL
DO ART. 24 DA LEI 13.846/2019 NO QUE DEU NOVA REDAÇÃO AO ART. 103 DA LEI
8.213/1991. PRAZO DECADENCIAL PARA A REVISÃO DO ATO DE INDEFERIMENTO,
CANCELAMENTO OU CESSAÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. OFENSA AO ART. 6º DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA E À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL AO
COMPROMETER O NÚCLEO ESSENCIAL DO DIREITO FUNDAMENTAL AO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO
E À PREVIDÊNCIA SOCIAL. 1. A ação direta está, em parte, prejudicada, pois não
incluído o art. 22 da MP 871/2019 pela Lei 13.846/2019. Conhecida a demanda
apenas quanto aos demais dispositivos na ação direta impugnados. Precedente. 2.
Ante a ausência de impugnação específica dos arts. 23, 24 e 26 da MP 871/2019
no decorrer das razões jurídicas expendidas na exordial, deve o conhecimento da
demanda recair sobre os arts. 1º a 21 e 27 a 30 (alegada natureza
administrativa) e 25, na parte em que altera os arts. 16, § 5º; 55, § 3º; e
115, todos da Lei 8.213/1991 (dito formalmente inconstitucional), assim como na parte em que altera o
art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 (alegada inconstitucionalidade
material). Precedente. 3. A requerente juntou posteriormente aos autos o
extrato de seu registro sindical junto ao Ministério do Trabalho e a procuração
com outorga de poderes específicos para a impugnação do diploma objeto da
presente ação direta. Por se tratarem, pois, de vícios processuais sanáveis,
não subsiste, na medida em que reparados, a apreciação das preliminares de
ilegitimidade ativa e de irregularidade de representação. Precedente. 4. Em
relação à preliminar alusiva ao dever da requerente de aditar a petição inicial
em decorrência da conversão legislativa da medida provisória, inexistente
modificação substancial do conteúdo legal objetado, não há falar em situação de
prejudicialidade superveniente da ação. Precedente. 5. O controle judicial do
mérito dos pressupostos constitucionais de urgência e de relevância para a
edição de medida provisória reveste-se de natureza excepcional, legitimado
somente caso demonstrada a inequívoca ausência de observância destes requisitos
normativos. Ainda que a requerente não concorde com os motivos explicitados
pelo Chefe do Poder Executivo para justificar a urgência da medida provisória
impugnada, não se pode dizer que tais motivos não foram apresentados e
defendidos pelo órgão competente, de modo que, inexistindo comprovação da
ausência de urgência, não há espaço para atuação do Poder Judiciário no
controle dos requisitos de edição da MP 871/2019. Precedente. 6. O núcleo
essencial do direito fundamental à previdência social é imprescritível,
irrenunciável e indisponível, motivo pelo qual não deve ser afetada pelos
efeitos do tempo e da inércia de seu titular a pretensão relativa ao direito ao
recebimento de benefício previdenciário. Este Supremo Tribunal Federal, no RE
626.489, de relatoria do i. Min. Roberto Barroso, admitiu a instituição de
prazo decadencial para a revisão do ato concessório porque atingida tão somente
a pretensão de rediscutir a graduação pecuniária do benefício, isto é, a forma
de cálculo ou o valor final da prestação, já que, concedida a pretensão que
visa ao recebimento do benefício, encontra-se preservado o próprio fundo do
direito. 7. No caso dos autos, ao contrário, admitir a incidência do
instituto para o caso de indeferimento, cancelamento ou cessação importa ofensa
à Constituição da República e ao que assentou esta Corte em momento anterior,
porquanto, não preservado o fundo de direito na hipótese em que negado o benefício,
caso inviabilizada pelo decurso do tempo a rediscussão da negativa, é
comprometido o exercício do direito material à sua obtenção. 8. Ação direta
conhecida em parte e, na parte remanescente, julgada parcialmente procedente, declarando a inconstitucionalidade
do art. 24 da Lei 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei
8.213/1991. (ADI 6096, Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno,
julgado em 13/10/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-280 DIVULG 25-11-2020 PUBLIC
26-11-2020)
Enfim, o que se pode inferir disso é
que, no restante, o artigo 24 é constitucional, nele compreendido o inciso II
do art. 103 da Lei de Benefícios, que literalmente estabelece um segundo termo
de contagem do prazo decadencial: “[...] da decisão de deferimento ou
indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.”
Ainda sobre a ADI 6.096, discutiu-se a (in)constitucionalidade
do art. 24, § 5º, da Lei 13.846/2019, in verbis:
As
provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova
material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte
e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do
segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência
de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.
Nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal acolheu o Parecer da
Procuradoria-Geral da República, no sentido de que estes são comandos não
voltados a informar a atuação do Poder Judiciário. Oportuna a transcrição do
seguinte trecho do parecer lançado pela douta Procuradoria-Geral da República,
acolhido para afastar a preliminar trazida pela parte autora relativa à
inconstitucionalidade formal do art. 24 da Lei 13.846/2019:
Confiram-se, a respeito, as considerações da Advocacia-Geral da União:
[…] Os dispositivos em questão não são comandos voltados a informar a atuação
do Poder Judiciário. Trata-se, na verdade, de normas cujos destinatários
diretos são os servidores do INSS, que deverão observar se os processos
administrativos estão instruídos com prova material contemporânea dos fatos,
para fins de comprovação de tempo de serviço, de união estável e de dependência
econômica.[2]
É importante lembrar que o art. 24 da Lei
13.846, de 2019, versa sobre outras tantas matérias.
Uma vez superadas as questões supramencionadas, no sentido de que o tema não fora submetido à consideração do STJ, não será possível se negar a existência do segundo termo para contagem do prazo decadencial (“a contar ciência da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo”), mesmo com a declaração de inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019. Quando se diz "isso não é possível" já antevemos o possível.
Escrito por Diego Henrique Schuster
[1]
Até mesmo em sede de embargos de declaração: PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE
DECLARAÇÃO. EFEITOS INFRINGENTES. DECADÊNCIA. AFASTADA. REVISÃO DO BENEFÍCIO.
PRESCRIÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. IMPLANTAÇÃO DA REVISÃO. 1. Os
embargos de declaração têm cabimento contra qualquer decisão e objetivam
esclarecer obscuridade, eliminar contradição, suprir omissão e corrigir erro
material. 2. Hipótese de afastamento da incidência da decadência do direito à
revisão, tendo em conta a apresentação de pedido administrativo de revisão
antes de transcorridos dez anos da concessão do benefício. 3. Comprovada
a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação
previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade da
atividade laboral por ele exercida. 4. Com o reconhecimento da atividade
especial e a conversão para o tempo comum, deve o INSS revisar o benefício do
autor. 5. Caso em a prescrição quinquenal atinge as prestações anteriores ao
quinquênio que antecede a ação, suspensa no lapso em que tramitou o processo
administrativo de revisão. 6. Determinada a imediata implantação da revisão do
benefício. (TRF4, AC 5005341-15.2016.4.04.7112, QUINTA TURMA, Relatora GISELE
LEMKE, juntado aos autos em 11/05/2021)
[2]
ADI 6096,
Relator(a): EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 13/10/2020, PROCESSO
ELETRÔNICO DJe-280 DIVULG 25-11-2020 PUBLIC 26-11-2020.
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