MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO PELOS TRIBUNAIS SUPERIORES: NO CASO CONCRETO

 

O CPC, no artigo 927, § 3º, permitiu a modulação dos efeitos, ao dispor que “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação de efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.

Como ensina a melhor doutrina, a uniformização de jurisprudência atende à segurança jurídica, à previsibilidade, à estabilidade, ao desestímulo à litigância excessiva, à confiança, à igualdade perante a jurisdição, à coerência, ao respeito à hierarquia, à imparcialidade, ao favorecimento de acordos, à economia processual (de processos e de despesas) e à maior eficiência.[1]

No plano constitucional, os §§ 13 do art. 525 e 6º do art. 535 deixam claro a importância da modulação de efeitos das decisões do STF, de modo a favorecer a segurança jurídica. A essa altura há que se perguntar como interpretar a exigência de estabilidade e, sobretudo, “coerência” da e na jurisprudência, conforme determina o art. 926 do CPC (“os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”).

Com a alteração da LINDB, deu-se um passo além. A modulação dos efeitos foi transportada para o âmbito do processo administrativo e para o dos processos judiciais de instâncias inferiores.

Art. 23. A decisão administrativa, controladora ou judicial que estabelecer interpretação ou orientação nova sobre norma de conteúdo indeterminado, impondo novo dever ou novo condicionamento de direito, deverá prever regime de transição quando indispensável para que o novo dever ou condicionamento de direito seja cumprido de modo proporcional, equânime e eficiente e sem prejuízo aos interesses gerais.

 

Art. 24. A revisão, nas esferas administrativa, controladora ou judicial, quanto à validade de ato, contrato, ajuste, processo ou norma administrativa cuja produção já se houver completado levará em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

Parágrafo único. Consideram-se orientações gerais as interpretações e especificações contidas em atos públicos de caráter geral ou em jurisprudência judicial ou administrativa majoritária, e ainda as adotadas por prática administrativa reiterada e de amplo conhecimento público.

Cassio Scarpinella Bueno entende que o juiz, em primeiro grau, pode modular os efeitos da decisão.[2]

O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Tema 1.011 do regime dos recursos especiais repetitivos, ao afastar da incidência da tese jurídica aqueles processos com sentença já transitada em julgado, reafirmou que o julgamento posterior da questão infraconstitucional pelo STJ, mesmo em recurso repetitivo, não tem aptidão para desconstituir a coisa julgada formada anteriormente em sentido contrário (AR 4.443/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, Rel. p/ Acórdão Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 08/05/2019, DJe 14/06/2019).

Da mesma forma, a mudança de entendimento na jurisprudência impede a aplicação de precedentes que tenham operado alguma mudança na orientação antes seguida como consolidada. Na questão envolvendo o Tema 975, por exemplo, o STJ vem modulando, caso a caso, os efeitos da decisão, reconhecendo a impossibilidade de novo julgamento para alinhamento com a atual jurisprudência:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. ENTENDIMENTO DO STF NO RE 626.489 EM REPERCUSSÃO GERAL. APLICAÇÃO DA DECADÊNCIA SOBRE QUESTÕES NÃO ANALISADAS PELA ADMINISTRAÇÃO. SITUAÇÃO DIVERSA DA DECIDIDA PELO STF. 1. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido assentou a seguinte tese: ‘O posicionamento do STJ é o de que, quando não se tiver negado o próprio direito reclamado, não há falar em decadência. Consoante se extrai dos autos, não houve indeferimento do cômputo do tempo de serviço especial, uma vez que não chegou a haver discussão a respeito desse pleito. Efetivamente, o prazo decadencial não poderia alcançar questões que não foram aventadas quando do deferimento do benefício e que não foram objeto de apreciação pela Administração’. 2. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, quando examinou o RE 626.489/SE (Tema 313), apontado como paradigma do juízo de retratação, assim decidiu: "O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário." 3. In casu, o acórdão do STJ não afrontou o que foi decidido no RE 626.489/SE. Este julgamento da Suprema Corte não analisou a aplicação do prazo decadencial quando a controvérsia não é objeto de exame pelo INSS no ato de concessão. A decisão paradigma do STF somente tratou da aplicação de direito intertemporal, a qual é distinta deste caso, qual seja, a não aplicação da decadência sobre questões não apreciadas pela Administração. 4. Recurso Especial, em juízo de retratação negativo, provido. (REsp 1572059/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 18/12/2020)

Oportuna a citação do seguinte trecho:

Como facilmente se observa, o presente caso foi julgado em momento anterior à mudança de entendimento por esta Corte, o que impede seja rejulgado para alinhamento com a atual jurisprudência, em respeito ao princípio da segurança jurídica. [...]

Ante o exposto, alinho-me ao voto do eminente Ministro Herman Benjamin para proferir juízo de retratação negativo, não só em razão de o caso tratar de matéria diversa do objeto do RE 626.489/SE, mas, também, por sua natureza infraconstitucional, por observância do princípio da segurança jurídica e do disposto no art. 24, parágrafo único, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.

Conduzindo assim o pensamento, pretende-se sustentar a importância da modulação de efeitos, até mesmo, no caso concreto. Defende-se que a situação supramencionada é plenamente adaptável a outros casos, vale dizer: que tenham como premissa a justificada confiança na jurisprudência consolidada pelo tribunal. Por outras palavras, sempre que a mudança causar surpresa, no sentido de desorientar as partes que pautaram sua conduta de acordo com a jurisprudência vigente ao tempo do ajuizamento da ação.

 

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Bah1: GUIMARÃES, Luiz Machado. Preclusão, coisa julgada, efeito preclusivo. In: Estudos de direito processual civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Jurídica Universitária,1969, p. 26-27.

Bah2: BUENO, Casio Scarpinella. Novo Código de Processo Civil anotado. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 615-616.


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