A IMPORTÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL/PREVIDENCIÁRIO
Antes do julgamento em Nuremberg, que condenou as
principais figuras nazistas após o fim da Segunda Guerra Mundial, tinha-se, na
opinião pública, uma maioria pela execução sumária de todos os envolvidos – o tal
senso comum!
No entanto, a fim de se evitar que no futuro as
pessoas pudessem questionar a existência de culpados, a materialidade das
mortes e atrocidades cometidas (holocausto), os líderes dos países vencedores
entenderam por bem a realização de um julgamento internacional, com observação
do devido processo legal. Ali restou comprovado, com respeito ao contraditório,
que o partido nazista tinha como objetivo, desde o início, a guerra (para
expandir seu território), bem assim a perpetuação de uma “raça pura”, com a
eliminação dos judeus e todos aqueles que não concordassem com sua ideologia.
Daí a importância de um devido processo legal. É
possível se afirmar que o procedimento é mais importante que o conteúdo
propriamente dito. Explico, no Poder Judiciário, a legitimação das decisões se
dá pelo procedimento, com a observação do devido processo legal. O procedimento
é extremamente importante para o Direito, isto é, para que haja aceitação da
decisão pelas partes.
É engraçado quando o juiz diz que a alegação de
cerceamento “releva mero inconformismo da parte com as conclusões do julgado”.
Podemos não concordar com o resultado da perícia judicial, mas o que é
inegociável são as garantias do contraditório e da ampla defesa. Não posso
admitir que melhor sorte assista ao segurado em cujo processo o juiz deferiu o
direito à prova pericial. Centenas de perícias realizadas na mesma empresa
demonstram, no mínimo, que a prova pericial é irrelevante até que seja feita.
Com efeito, quando o pedido de prova pericial, apoiado em evidências sérias do
labor especial e/ou em situações já experimentas, com um alto grau de consenso acerca de
sua ocorrência, é negado, tem-se não apenas uma restrição ao direito de prova,
mas ao próprio acesso à justiça.
Enfim, é muito mais do que "mero inconformismo...". Estamos colocando em xeque a função do processo, bem assim o papel do
judiciário. Quando o judiciário toma o formulário PPP, produzido fora do
processo, como prova absoluta da não exposição a agentes nocivos, tem-se a
execução sumária do segurado.
Resta saber em que momento do caminho o processo
perdeu de vista o direito material, ou melhor, o destinatário das normas
previdenciárias. Não se pode falar do segurado sem considerá-lo,
simultaneamente, como ser biológico, psicológico e social, alguém de carne,
osso e história.
O pensamento dogmático (e aqui reside sua grande
armadilha) acabou por acreditar que a parte podia ser separada do todo. O
segurado, manipulado artificialmente nos autos do processo, se transforma num
fragmento do real. Depois de transformado no autor, de mais um processo,
esquecemos de sua condição humana, do seu projeto de vida.
O processo previdenciário, em que não observado o
devido processo legal, transformou-se no lugar perfeito para se fazer a frase
feita, afinal, “sem contraditório, tudo é possível”.[1] Desde o formulário
preenchido “sem inconsistências” não indica a exposição a agentes químicos até
a utilização de juízos de mero verossimilhança, isto é, presunções do tipo:
mesmo que estivesse exposto a algum agente químico e/ou dada a diversidade de
atividades, o contato não poderia ser habitual ou permanente. Neste nível, o
julgador não precisa se preocupar com a forma como dispersam ou como os agentes
químicos entram em contato com o trabalhador. “Tudo se resume, se presume, se
reduz” (HG).
É comum dizer que o galo canta para saudar a manhã
que chega; mas, quem sabe, ele canta melancolicamente a tristeza pela noite que
se esvai. É comum dizer que os trabalhadores de empresas calçadistas estão
expostos a solventes e colas, produtos altamente tóxicos; mas, quem sabe, não
passa de uma colinha à base d’água. Os procuradores do INSS estão adorando esse
jogo de narrativas. Esse tipo de narrativa vem “colando” em matéria
previdenciária. Isso porque tal alegação vai ao encontro de julgadores que não
querem saber ou verificar a real situação do labor. O benefício da dúvida em
favor do INSS e, sobretudo, da celeridade e da economia processual.
Lenio Streck explica: “Se dissermos que ‘chove lá
fora’, esse enunciado pode ser falso ou verdadeiro, bastando colocar a
partícula ‘não’ e olhar para fora.” Sem a prova pericial, o que prevalece é o formulário PPP
“sem inconsistências”, o formulário que omite os agentes químicos. Daí se segue
com qualquer argumentação ou ornamentação, afinal, nunca saberemos se isso é
verdadeiro ou falso. Eis o busílis.
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Bah1: NEVES, José Roberto de Castro. Medida por
medida: o Direito em Shakespeare. 6. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2019.
p. 304.
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