TEMA REPETITIVO 995/STJ: ENTRE A COERÊNCIA E A DATA DE AJUIZAMENTO DA AÇÃO
A jurisprudência está muito longe de fornecer todas
as respostas sobre a correta aplicação do Tema Repetitivo 995/STJ, o que é
normal, afinal, o precedente não traz uma norma justa, pronta e acabada. Assim
como a regra a qual faz referência o precedente de observação obrigatória, ela
não traz consigo todas as hipóteses de aplicação da norma. Trata-se de um texto
jurídico e, como tal, dever ser interpretado.
O problema é quando uma decisão rompe com o
discurso acordado nos tribunais inferiores, que é anterior à fixação da tese.
No julgamento do AgInt no REsp 2.018.250/RS, a Primeira Turma do Superior
Tribunal de Justiça definiu que, quando a reafirmação de DER ocorrer para um momento anterior ao
ajuizamento da ação previdenciária, a DER deve ser fixada na data da citação
válida – e com ela os efeitos financeiros.
Qual é o problema disso? O segurado não tem como
prever qual a extensão da procedência do pedido inicial na justiça (e.g.: quais
os períodos que serão reconhecidos como especiais), de modo que seja possível
saber se a implementação dos requisitos ocorrerá entre a conclusão do processo
administrativo e o ajuizamento da ação judicial ou no curso da ação. Com
efeito, tal decisão representa um desestímulo ao esgotamento da via
administrativa, já que, quando mais tempo entre a DER e a Data de Ajuizamento
da Ação, maior a chance e/ou probabilidade da reafirmação de DER ocorrer neste
ínterim.
O presente artigo é veículo apropriado para se
adjudicar a questões de fundo sobre o Tema 995/STJ. Antes de qualquer outra
análise, contudo, cumpre observar que o precedente versa sobre uma questão
exclusivamente processual, que tem como fundamento a tese do fato
superveniente. O novo Código de Processo Civil, no seu art. 493, não só
reproduziu a literalidade do art. 462 do Código de Processo Civil de 1973, mas
acrescentou o art. 933, que prevê, expressamente, a possibilidade de o fato
superveniente à decisão recorrida ser considerado no julgamento do mérito,
devendo o julgador (relator do tribunal ou turma recursal) dar às partes
oportunidade de se manifestar a respeito da nova questão. A situação deve ser
mensurada a partir de dois estágios: se a constatação de fato superveniente
ocorreu durante a sessão de julgamento ou em vista dos autos, conforme §§ 1º e
2º do mencionado art. 933.
Em matéria previdenciária, o modo mais específico
de implementação da tese se dá através da chamada Reafirmação da DER, procedimento
adotado pelo INSS na via administrativa, conforme art. 690 da Instrução
Normativa 77/2015, o que, na prática, possibilita a consideração de
contribuições vertidas no curso da ação e do tempo de serviço especial que
perpassa a DER; enfim, questões que influenciam no reconhecimento do benefício
postulado.
A rigor, portanto, a tese somente aproveita processos
em que a reafirmação de DER ocorrer no curso de uma ação previdenciária, vale
dizer: para um momento posterior ao ajuizamento da ação. Esta questão, contudo,
merece uma discussão mais profunda. Isso porque antes da tese fixada pelo
Superior Tribunal de Justiça, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região já
admitia a reafirmação de DER, porém, somente até a Data do Ajuizamento da Ação:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA
POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR.
REAFIRMAÇÃO DA DER LIMITADA À DATA DO AJUIZAMENTO. REQUISITOS PARA
APOSENTADORIA NÃO PREENCHIDOS. [...] 7. Em que pese a possibilidade de
reafirmação da DER, o cômputo das contribuições vertidas após o requerimento
administrativo fica limitado à data do ajuizamento. 8. Não cumprindo
com todos os requisitos para a concessão do benefício, o segurado tem direito à
averbação do período reconhecido judicialmente, para fins de obtenção de futura
aposentadoria. (TRF4, APELREEX 5007742-38.2012.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator
para Acórdão LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 22/09/2015)
Nessa perspectiva, a Corte Cidadã foi além,
permitindo a reafirmação de DER – também – no curso da ação, para a efetivação
de um direito fundamental-social. Na ratio decidendi do precedente é possível
se extrair as perguntas que nortearam a decisão: a) seria razoável admitir a
necessidade de o segurado ajuizar uma nova ação previdenciária, quando, ainda
no processo em curso é possível se considerar os fatos supervenientes – que
influenciam na caracterização do direito? b) é razoável premiar o INSS com
eventual subtração dos valores devidos desde o implemento dos requisitos
ensejadores do benefício previdenciário?
A nosso ver, a questão da reafirmação de DER antes
da Data de Ajuizamento da Ação está contida na tese fixada no Tema 995/STJ. Em
sede de embargos, o STJ não apenas confirmou a possibilidade de “reafirmação da
Data de Entrada do Requerimento (DER) para o momento em que implementados os
requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício
entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas
instâncias ordinárias”, mas ratificou que esta seria possível “ainda que não
haja prévio pedido expresso na petição inicial”. E ainda: “existindo
pertinência temática com a causa de pedir, o juiz poderá reconhecer de ofício
outro benefício previdenciário daquele requerido, bem como poderá determinar
seja reafirmada a DER”.
A reafirmação da DER, ainda que do ponto de vista
da tese do fato superveniente, não traduz nenhuma ruptura com aquilo que já se
encontra consolidado na jurisprudência:
• basta o indeferimento ou, até mesmo, a demora
injustificada para ultimação do ato, para que o segurado possa buscar a via
judicial, por conta da configuração de pretensão resistida. Uma vez percorrida
a via administrativa, atendidos os requisitos do Tema 350/STF, há que se
entender que está tudo “sub judice”. Tanto é assim que a Corte Especial
reiterou que a reafirmação da DER poderá ocorrer “ainda que não haja prévio
pedido expresso na petição inicial”. Da mesma forma, não se exige que, entre o
término do processo administrativo e a Data de Ajuizamento da Ação, o autor atravesse
novo requerimento de aposentadoria;
• [...] os efeitos financeiros devem retroagir à
data do requerimento administrativo e/ou do preenchimento dos requisitos
ensejadores do benefício.
Nesse nível, seria no mínimo contraditório exigir
que o segurado atravessasse um novo pedido administrativo entre a DER e Data de
Ajuizamento da Ação, quando, na verdade, tudo estava “sub judice”. São claras
as três situações – em todas o INSS dá causa a ação e, por isso, o direito
depende da procedência de algum pedido, justificando o reconhecimento do
direito desde a:
DER |
DER
reafirmada para antes do Data
de Ajuizamento da Ação |
DER
reafirmada no curso da ação Tema
995/STJ |
|
|
A pergunta que devemos fazer é a seguinte: qual a
diferença entre quem preenche os requisitos ensejadores do benefício entre a
DER e a Data do Ajuizamento da Ação e aquele que preenche os requisitos no
curso da ação previdenciária? O que justifica um tratamento diferenciado, vale
sublinhar: com a subtração de valores devidos desde o preenchimento dos
requisitos ensejadores do benefício?
Um primeiro olhar para essas situações convida ao
raciocínio de que é contraditório admitir a possibilidade de o início da
aposentação coincidir com o preenchimento dos requisitos no curso da ação, e
não entre a DER e a Data do Ajuizamento da Ação, independentemente se pendente
(ou não) o processo administrativo. No entanto, sabemos que o Tema Repetitivo 995/STJ
trata, acima de tudo e sobretudo, da tese do fato superveniente, uma questão
processual. O precedente em análise abrange apenas a possibilidade de
reafirmação da DER para um momento posterior à Data do Ajuizamento da Ação.
Assim sendo, das duas, uma: ou se entende que o
precedente é capaz de dar uma resposta objetiva para o universo de casos em que
a DER é reafirmada para um momento anterior a DER, qual seja: “É possível a
reafirmação de DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que
implementados os requisitos para a concessão do benefício.”; ou se aplica o
entendimento do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, não representando este
uma afronta ao Tema 995/STJ. Pelo contrário. A primeira coisa que se deduz de
duas coisas é que não são a mesma coisa.
No Tema 995, o STJ permitiu a reafirmação de DER
para além da Data de Ajuizamento da Ação, logo, entender que não é possível a
reafirmação entre a DER e a Data de Ajuizamento seria como pular um abismo e,
na sequência, dar um passo para trás, para nele cair. Estamos no abismo. George
Orwell dizia que, quando estamos em um abismo, a tarefa do homem inteligente é
reafirmar o óbvio.
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