PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE ED: TEMA 1.102/STF

Como já se viu, foi liberado o voto do Ministro Alexandre de Morais no julgamento do ED ...na questão da revisão da vida toda. Ainda não li nenhum comentário sobre ...e nem quero. Não por ora. Quero deixar o texto me dizer algo de novo. Quero falar sobre o que li e não ver o que falam sobre o voto.

(...)

Pronto. À luz do binômio pedido/julgamento, devemos começar pelo pedido de modulação de efeitos da decisão pelo INSS:

a) revisão de benefícios previdenciários já extintos;

b) rescisão das decisões transitadas em julgado que, à luz da jurisprudência dominante, negaram o direito à revisão; e

c) revisão e pagamento de parcelas de benefícios quitadas à luz e ao tempo do entendimento então vigente, vedando-se por consequência o pagamento de diferenças anteriores a anteriores a 13.04.2023 (data de publicação do acórdão do Tema 1.102/STF).

Em resposta, o Ministro acolheu os embargos, para excluir do entendimento fixado no Tema 1102:

(a) a revisão de benefícios previdenciários já extintos;

(b) a revisão retroativa de parcelas de benefícios já pagas e quitadas por força de decisão já transitada em julgado; aplicam-se às próximas parcelas a cláusula rebus sic stantibus , para que sejam corrigidas observando-se a tese fixada neste leading case, a partir da data do julgamento do mérito (1º/12/2022).

De cara, ou por exclusão, não foi acolhido o pedido para excluir a rescisão das decisões transitadas em julgado (alínea “b” dos pedidos do INSS). Isso significa que caberá ação rescisória contra decisões de improcedência que já transitaram em julgado. Se antes do ED a retroatividade da decisão paradigma poderia encontrar limites numa possível modulação de efeitos, agora temos a certeza de que o único limite (para a ação rescisória) é o prazo decadencial – de dois anos a contar do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo primitivo (discordo dessa orientação).

A exclusão dos benefícios já extintos sugere que não será possível a revisão de um benefício não ativo como, por exemplo, um benefício de auxílio-doença. É claro que devemos fazer a diferenciação técnica entre "extinção" e "cessação". Não pretendo, por ora, avançar muito além nesse caminho. Agora, todos já sabem as consequências de se entender como "cessação".

Tudo isso, até aqui, parece bastante tranquilo. A questão mais difícil é, certamente, clarificar o que quis o Ministro dizer com: “a revisão retroativa de parcelas de benefícios já pagas e quitadas por força de decisão já transitada em julgado; aplicam-se às próximas parcelas a cláusula rebus sic stantibus, para que sejam corrigidas observando-se a tese fixada neste leading case, a partir da data do julgamento do mérito (1º/12/2022).”

Antes de qualquer outra análise, contudo, vamos à fundamentação, aquilo que antecipa a conclusão:

Efetivamente, ao votar, consignei que, nada obstante, o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, no julgamento do Tema 334 (RE 630501, Rel. Min. ELLEN GRACIE, Redator para o acórdão Min. MARCO AURÉLIO, Dje de 26/8/2013) tivesse assentado que o segurado tem direito ao melhor benefício, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reiteradamente negava a opção pela regra definitiva.

Confira-se o seguinte trecho da minha manifestação:

‘(...) tradicionalmente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça entendia não ser possível aos que se filiaram ao RGPS antes da edição da Lei 9.876/1999 optar pela regra definitiva da Lei 8.213/1991 para apuração do salário de benefício.

(...)

No entanto, a partir do julgamento do Recurso Especial pela sistemática dos recursos repetitivos, que deu origem ao acordão ora recorrido, o STJ reviu sua jurisprudência, ressaltando a necessidade de interpretar-se a regra de transição de forma mais consentânea com o objetivo que orientou o legislador ao criar a disciplina transitória.’

Em verdade, sobre a específica questão debatida neste processo paradigma, esta CORTE ainda não tinha se pronunciado.

Essa circunstância, e considerando que a atuação do INSS estava pautada na jurisprudência de então, e não procedia afrontando comando legal, razões de segurança jurídica presentes na espécie, recomendam a modulação dos efeitos da decisão para que se exclua do entendimento fixado no Tema 1102: [...]

A conclusão (não) vai além de suas premissas. De fato, somente após a decisão do paradigma é que a tese se tornou juridicamente viável. Mas vamos à conclusão, dividindo-a em duas partes. Na primeira, tem-se: “a revisão retroativa de parcelas de benefícios já pagas e quitadas por força de decisão já transitada em julgado”. Com efeito, o ministro está se referindo aos benefícios concedidos na justiça, em que não foi discutida/observada a possibilidade de aplicação da regra permanência.

Assim sendo, a modulação de efeitos está se referindo a novas ações, vale dizer: de revisão de benefícios concedidos na justiça. Simples assim(?). Nesses casos, e tão somente nesses casos, os efeitos financeiros devem retroagir não à data da DER, mas à data do julgamento do mérito do Tema 1.102/STF – segunda parte: “aplicam-se às próximas parcelas a cláusula rebus sic stantibus, para que sejam corrigidas observando-se a tese fixada neste leading case, a partir da data do julgamento do mérito (1º/12/2022)”?

Vou arriscar algumas conclusões parciais: Com relação aos processos que versam sobre o RTV e foram sobrestados, não incidem os efeitos modulatórios da decisão, já que a decisão fala expressamente em “decisão já transitada em julgado”. É cabível ação rescisória contra decisão que julgou improcedente o pedido de RTV, desde que observado o prazo decadencial. A modulação da decisão recai sobre os efeitos financeiros (diferença entre as parcelas recebidas e devidas). Quem já ganhou já ganhou, não cabe ação rescisória movida pelo INSS.

A dúvida que está me mantando é a seguinte: o Ministro está se referindo a processos que enfrentaram (ou não), no mérito, o pedido de RTV? A ação rescisória pressupõe uma ação anterior, no qual a questão foi expressamente discutida e julgada improcedente, no ponto/capítulo. Nesse sentido, a decisão deixa entrever que a modulação só se aplica a decisões que não enfrentaram a questão, em que o benefício foi concedido nos termos da regra de transição e as parcelas já foram pagas (nesses casos não há que se falar em ação rescisória, pois não à decisão a ser rescindida).

Até o presente momento, no mínimo, duas linhas já se formaram: a) dentro ou fora da ação rescisória, o termo inicial dos efeitos financeiros deve ser fixado na data da decisão paradigma (1º/12/2022), uma vez que não se poderia exigir do INSS - e nem do judiciário - comportamento diferente antes disso, o que, por outro lado, reforça a tese de que o termo inicial do prazo decadencial para as revisões deve contar a partir da mesma data; b) a modulação vale apenas para a ação rescisória, tese na qual quero acreditar, o que justifica a invocação do princípio da segurança jurídica - que decorre da coisa julgada. Na modulação de efeitos se busca proteger a garantia da coisa julgada judicial.[1]

E quanto aos benefícios concedidos na via administrativa? Sobre estes não há que se falar em “decisão transitada em julgada” ou “rescisão”, logo, a realização de tal pedido, agora, não encontra limites na decisão do STF, quer dizer, serão devidos os atrasados desde a DER. Correto? A dúvida abre espaço para outra questão: a pessoa que teve que ajuizar uma ação judicial para ver reconhecido o seu direito a um benefício previdenciário será prejudicada com a subtração de atrasados? O que justifica - por princípio - esse tratamento diferenciado?

Não vou fazer aqui, hoje, uma análise crítica da decisão. Não vou dizer que isso é bom ou ruim. Digo, simplesmente, que é assim, ou melhor, com humildade séria, foi isso que entendi - sem jamais cair na prepotência das verdades absolutas! Agora, sincero como se deve ser, a decisão demanda, sim, esclarecimentos adicionais. Longe de uma conclusão definitiva, acho que consegui traduzir para este pequeno texto algumas das muitas dúvidas que gravitam em torno do voto. Acho que o presente artigo serve como ponto de partida (ou retorno) para se questionar a verdadeira intenção do ministro.

Post Scriptum: Por fim, suspendi a minha opinião prévia sobre o tema e fui ouvir os colegas, razão pela qual reformulei alguns parágrafos. Afinal, o que se busca é (sempre) compreender, e não estar certo. Quanto mais nos avizinhamos da possibilidade de uma resposta negativa, com maior clareza começam a brilhar os caminhos e tanto mais questões devem ser feitas. A decisão não deixa espaço para uma aplicação genérica dos efeitos modulatórios, ou seja, para todo os casos. Para tanto, a discussão sobre os efeitos prospectivos deveria ter sido travada desde o início.

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Bah1: Simplificando: sem decisão judicial transitada em julgado em sentido contrário à tese fixada com repercussão geral, os efeitos financeiros deverão retroagir à data da DER.

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