NO DIREITO PREVIDENCIÁRIO TRABALHAMOS COM PRESUNÇÕES: E DAÍ?
Com a reforma da
previdência, a pensão por morte concedida a dependente de segurado do Regime
Geral de Previdência Social ou de servidor público federal será equivalente a
uma cota familiar de 50% (cinquenta por cento) do valor da aposentadoria
recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse
aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de
10 (dez) pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% (cem por
cento).
Pois bem. O valor
da aposentadoria a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade
permanente na data do óbito agora é (quase) proporcional ao tempo de
contribuição do segurado, devendo ser observada regra geral prevista no § 2º do
art. 26 da Emenda Constitucional 103/2019: “O valor do benefício de
aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética
definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos
percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos
de contribuição nos casos.”
Tudo isso, até
aqui, parece bastante tranquilo. Aliás, até aqui, tudo muito chato, já que uma
abordagem dogmática do tema se resume a reproduzir o que está no texto legal,
logo, não diz nada de excepcional ou que mereça aplausos. O lance agora é
pensar nas possibilidades, com especial atenção para as revisões envolvendo o
benefício da pensão por morte.
De cara, vamos
deixar de fora a discussão sobre a (in)constitucionalidade dos critérios de
cálculo da aposentadoria por incapacidade permanente. O que mais perto interessa à problemática é tudo aquilo será possível
problematizar a partir do que diz a própria lei, com especial atenção para o inc.
II do § 3º do art. 26 da EC 103/2019, no sentido de que o valor o valor do
benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média
aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º: [...] no caso de
aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de
trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.”
Neste nível, tão ou
mais importante do que a carta de concessão, ganha destaque a certidão de óbito
do segurado (instituidor do benefício), notadamente a “causas mortis”. Sim,
pois, agora, interessa saber se a morte decorreu de acidente de trabalho, de
doença profissional ou de doença do trabalho.
No direito
previdenciário não trabalhamos apenas com conceitos jurídicos, mas também
presunções e “noções” [1]. Na aposentadoria especial, por exemplo, existe uma
presunção de incapacidade do trabalhador (dano futuro), em razão da exposição a
agentes nocivos à saúde. Ao se referir à aposentadoria especial, o Ministro
Dias Toffoli, relator do voto condutor no Tema 709, assim verbalizou:
“Trabalha-se com uma presunção absoluta de incapacidade decorrente do tempo do
serviço prestado, e é isso que justifica o tempo reduzido para a
inativação.”[2]
Essas presunções
podem ser orientadas: (i) pela própria lei, como é o caso das atividades
profissionais listadas pelos Decretos 53.831/64 e 83.080/79, a tabela que
relaciona o CID (diagnóstico da doença) com o código CNAE (atividade econômica
da empresa), conforme Decreto 3.048/99 (art. 337), ou, a classificação das
atividades pelo grau de risco, de acordo com a Lei 8.212/91 (art. 22); (ii)
pela prova pericial (exame, vistoria ou avaliação); (iii) pelos documentos e
(iv) pelas testemunhas.
Assim, por exemplo,
temos a NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico), um critério administrativo para
caracterização dos acidentes de trabalho pelo INSS. Ali se dispensa qualquer
investigação técnica do nexo entre o trabalho e a doença, uma vez que o
acidente é configurado de forma presumida! A essa altura, os mais atentos já
“pegaram a visão”, sim, estou falando da possibilidade de se relacionar o CID
da doença com o CNAE (atividade econômica da empresa), ou seja, por
presunção.[3] O próprio INSS adota a tabela! A propósito, a Lei de Benefícios coloca no mesmo nível o acidente de trabalho e a doença ocupacional.
E não é só isso.
Além do NTEP, os peritos do INSS podem adotar outros dois nexos: a) nexo
profissional; ou b) nexo individual. É verdade que, segundo o art. 20 da Lei
8.213/1991, o perito somente pode caracterizá-los se restar comprovada a
existência, no ambiente de trabalho, de fatores de risco ou agentes nocivos
relacionados no Anexo II do Decreto 3.048/99. Na prática, o perito do INSS mantém contato apenas com a pessoa e os documentos do trabalhador.[4] Perfeito! Além da certidão de
óbito, o advogado deverá solicitar o PPP da empresa na qual o segurado
trabalhava! O CBO pode ser importante também. Na jurisprudência trabalhamos
basicamente com Média Ponderada no Tempo, que é contra efeitos rápidos, ou
seja, o foco está nas doenças com longos períodos de latência.
Não pretendo, por ora, avançar muito além nesse caminho. Aqui não abordei, mas é sabido de todos a possibilidade de revisar o benefício da pensão por morte mediante a inclusão de tempo (especial, rural ou militar) em favor do segurado instituidor, com vistas ao aumento do coeficiente de cálculo. Aposentado ou não (o segurado falecido), o benefício (por incapacidade permanente) que ele teria direito toma como base o tempo de contribuição, logo...
Este pequeno artigo
tem como objetivo despertar a curiosidade. Não. Isso não é mera
curiosidade. Isso poderá mudar o valor do benefício da pensão por morte! Este
pequeno artigo eu dedico à minha querida amiga Melissa Follmann, como prova de
que assiste atentamente a sua palestra
no III Congresso Sul Brasileiro de Direito Previdenciário, o que me deixou verdadeiramente empertigado!
Escrito por Diego
Henrique Schuster
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Bah1: Segundo Eros Roberto Grau, a operacionalização do Direito “reclama
o manejo de noções, e não somente de conceitos”. (GRAU, Eros Roberto. O Direito
Posto e o Direito Pressuposto. Malheiros: São Paulo, 1996. p XVI).
Bah2: No acórdão assim restou expresso: “Na aposentadoria especial, a
presunção de incapacidade é absoluta – tanto que, para obtenção do benefício,
não se faz necessária a realização de perícia ou a demonstração efetiva de
incapacidade laboral, bastando apenas e tão somente a comprovação do tempo de
serviço e da exposição aos agentes danosos. Nessa hipótese, a aposentação se dá
de forma precoce porque o legislador presume que, em virtude da nocividade das
atividades desempenhadas, o trabalhador sofrerá um desgaste maior do que o
normal de sua saúde. Dito em outras palavras, o tempo para aposentadoria é
reduzido em relação às outras categorias porque, ante a natureza demasiado
desgastante e/ou extenuante do serviço executado, entendeu-se por bem que o
exercente de atividade especial deva laborar por menos tempo – seria essa uma
forma de compensá-lo e, sobretudo, de protegê-lo”. (Grifo nosso). RE 791961,
Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2020, PROCESSO
ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-206 DIVULG 18-08-2020 PUBLIC
19-08-2020.
Bah3: A Lei 8.212/91 (art. 22) agrupou as atividades por grau de risco,
fixando alíquotas variáveis entre 1%, 2% e 3% (leve, médio e grave), para o
financiamento da complementação das prestações por acidente de trabalho, a
incidir sobre o total geral de remuneração. Tal enquadramento ocorre com base
em estatísticas de acidente do trabalho, as quais precisam ser construídas com
base em inspeção (art. 22, §3º), logo, tais dados poderiam servir como
demonstração estatística da probabilidade e magnitude, este último, porque são
considerados tão-somente os acidentes que geram incapacidade laborativa, ou
seja, graves. Está-se partindo do pressuposto que existe coerência técnica nos
resultados que justificam a distribuição das alíquotas, já que o Poder
Judiciário não declarou a ilegalidade da tabela que baseou o reenquadramento
das alíquotas efetuada pelo Decreto 6.957/09.
Bah4: FOLLMANN, Melissa; SALLES, Cláudia Salles Viela. Fator Acidentário de Prevenção (FAP): inconstitucionalidades, ilegalidades e irregularidades. Curitiba: Juruá, 2010. p. 41.
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