O OURIÇO E A DIFERENÇA ENTRE EMPREGADO RURAL E SEGURADO ESPECIAL

 

Meus textos não costumam seguir um esquema linear. Acredito na (re)combinação de sentidos e palavras, em busca de uma compressão das coisas. No século XX, o filósofo Isaiah Berlin usou de uma metáfora bem interessante para dividir pensadores. De um lado, as raposas, que reconheciam diferentes ideias e valores; do outro, os ouriços, que explicavam e viam as coisas todas por meio de uma única ideia ou princípio mestre.

O Professor Lenio Streck declarou predileção pelo ouriço: “A raposa sabe muitas coisas, o ouriço sabe uma grande coisa. Sou um ouriço, e sei ver que há uma unidade em tudo que temos visto.”[1]

É, pois, escolhendo o ouriço que comecei a pensar sobre a diferença entre empregado rural e segurado especial. Em tese, o empregado rural é igual a um empregado urbano, porém, tem direito a uma aposentadoria por idade rural (com tempo reduzido), vale dizer: assim como o segurado especial.

No caso de o empregado rural não ter vínculo empregatício reconhecido em CTPS, ele não precisa de uma reclamatória trabalhista, sendo suficiente a comprovação do trabalho, tal qual o empregado urbano, nos autos de uma ação previdenciária, nos termos do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/1991.

E, por fim, empregado rural (mesmo com CTPS assinada) ou segurado especial, tanto faz, já que não será exigível o recolhimento das contribuições. Isso porque o recolhimento das contribuições compete ao empregador, não podendo ser prejudicado o segurado. (TRF4, AC 5013225-62.2019.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 12/07/2021).

O INSS costuma alegar que empregado rural não é segurado especial. Mas isso pouco ou nada interfere na concessão do benefício, já que ao trabalhador rural (segurado especial ou empregado rural) é assegurado o direito à aposentadoria por idade, desde que comprove, ao invés da carência/contribuição, carência/atividade pelo mesmo número de meses correspondentes.[2]

Como se pode ver, não se trata de simplificar, como fazem as raposas, mas, e isso sim, buscar integrar o que se sabe em um sistema coerente que atente para a legislação e para os precedentes jurisprudenciais sobre o tema, procurando não classificar e dividir, mas unificar coerentemente todas as coisas.[3]

_____________________________________

Bah1: STRECK, Lenio Luiz. Quebra do sigilo de advogado! "Matem todos os advogados", disse Dick! In: Revista Consultor Jurídico, São Paulo, 18 fev. 2019. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/.../streck-quebra-sigilo-matem...>. Acesso em: 11 nov. 2022.

Bah2: TRF4 5038255-07.2016.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 02/03/2018.

Bah3: A minha querida amiga e colega Jane Berwanger lembra que, hoje, isso está bem mais claro no art. 56 do decreto e art. 247 da IN 128/22.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE ED: TEMA 1.102/STF

REVISÃO DA VIDA TODA: VAMOS INTERPRETAR/COMPREENDER PARA DECIDIR?

A EQUIVOCADA APLICAÇÃO DO TEMA 629/STJ: ESTAMOS INVERTENDO AS COISAS