DANO MORAL EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA: UMA FICÇÃO JURÍDICA OU “FAZ PARTE”?


Como sabemos, a translação do instituto civilista para o direito previdenciário adquire feição própria. No entanto, ainda estamos falando de “responsabilidade civil” (aperfeiçoada pelo Direito Francês), porém, com foco numa realidade sobre a qual opera o direito previdenciário, logo, não devemos falar em “dano moral previdenciário”, porquanto o ramo do direito é apenas o cenário para se verificar a ocorrência de alguma ofensa à integridade moral: “[...] dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar.”[1]

O dano moral pressupõe um equilíbrio anterior, seja psicológico, jurídico ou econômico, ou seja, a tese reclama uma ordem temporal linear (antes e depois da ação). Ninguém dúvida que “o mero dissabor não caracteriza dano moral”. Esta, pois, é mais uma daquelas frases sem qualquer importância do ponto de vista da fundamentação de sentenças e acórdãos, assim como “o mero contato com cimento não caracteriza a atividade especial”. Na práxis jurídica, ela é transformada num álibi retórico, para se fazer deduções e deixar de fora as individualidades e as particularidades do caso concreto.

De qualquer maneira, em matéria previdenciária, podemos começar colocando de lado aquelas situações causadas por uma interpretação divergente entre o INSS e o Poder Judiciário, Segundo Wladimir Novaes Martinez: “É próprio do direito a divergência de opiniões, mas nos casos gritantes em que evidenciada a má-fé, caberá o dano moral a favor do prejudicado”.[2] A maior parte das divergências dão azo a ações revisionais, e não direito a danos morais. Trabalhamos aqui com situações já bastantes conhecidas como, por exemplo, o corte de algum benefício, causados por homônimos[3], uma equivocada suspeita de fraude ou concessão, enfim, o indeferimento ou cessação sem qualquer suporte fático ou legal e/ou sem oportunidade de ampla defesa administrativa para o segurado.

A necessidade de se ampliar o papel do dano moral, isto é, para além da compensação da vítima, nos faz enxergar os danos decorrentes de toda e qualquer ação capaz de contrariar o dever imposto pelas normas previdenciárias, a fim de melhorar os serviços públicos. Estamos falando de decisões administrativas (ato vinculado), logo, em alguns casos, a regra não deixa escolha para o seu intérprete. Isso lembra situações em que é flagrante a violação à literalidade de algum dispositivo, como na hipótese autorizadora de ação rescisória. Exemplificando: sendo a função do segurado (e.g.: “soldador”) enquadrável no código 2.5.3 do Quadro Anexo ao Decreto n.º 53.831/64; 2.5.3 do Anexo I ao Decreto n.º 83.080/79 e a prova por ele fornecida adequada, é devido o enquadramento por categoria profissional, sob pena de rescisão da decisão judicial, como fez a 3ª Seção do TRF4, no julgamento da AR 0000384-23.2014.404.0000, de relatoria do Des. Rogerio Favreto. Neste nível, é devido o enquadramento pelo INSS, já que a Instrução Normativa 77/2015 determina, expressamente, o enquadramento por categoria profissional.

E quanto a existência de dolo ou erro grosseiro? Aqui está um dos maiores problemas da jurisprudência previdenciária. Para a compreensão do fenômeno é fundamental que se perceba a evolução das teorias sobre a responsabilidade do Estado, partindo da culpa administrativa ou culpa anônimo, passando pela falta de serviço até um ponto de ruptura, representado pela teoria do risco administrativo (objetiva), ou seja, independentemente de qualquer falta ou culpa do serviço.[4] O que isso significa? Que o elemento conduta dolosa ou culposa deixou de ser essencial. Em poucas palavras, basta a comprovação do dano e do nexo de causalidade entre ambos para emergir o direito à reparação.[5]

O art. 37, § 6º, da CF/88 confirma que a responsabilidade do Estado, neste compreendido o INSS – que responde com prerrogativas e obrigações como a própria administração fosse – não se refere apenas à atividade comissiva, mas, também, omissiva, ou seja, quando ele deixa de fazer o que tinha dever de fazer. Para Sérgio Cavalieri Filho[6]:

[...] o ato ilícito, na moderna sistemática da responsabilidade civil, não mais se apresenta sempre com o elemento subjetivo (culpa), tal como definido no art. 186 do Código Civil. Há, também, o ato ilícito em sentido lato, que se traduz na mera contrariedade entre a conduta e o dever jurídico imposto pela norma, sem qualquer referência ao elemento subjetivo ou psicológico, e que serve de fundamento para toda a responsabilidade objetiva.

Note-se bem – bem mesmo – que não se deve perquirir a culpa no sentido stricto sensu (negligência, imprudência e imperícia), logo, o que dirá no sentido lato sensu (dolo), que exige intenção/vontade de causar um dano! A existência do dolo ou da culpa é assunto que diz respeito exclusivamente ao relacionamento funcional do agente com a entidade pública ou privada a que se acha vinculado, em sede de ação regressiva, e não para se afastar a teoria da responsabilidade objetiva.[7] Quanto ao erro grosseiro, cumpre perguntar: O que configura um “erro grosseiro”? Contrariar o dever imposto pela literalidade de uma norma de observância obrigatória pelo servidor não seria suficiente ou seria a desconstituição da coisa julgada, na esfera judicial, um minus em relação a isso?

Uma vez superadas essas questões, voltemos à questão do dano moral e sua comprovação. A dogmática jurídica é categórica no sentido de que a comprovação é difícil, por se tratar de algo subjetivo, existente na esfera íntima da pessoa, etc. Ao contrário do que possa transparecer, não vejo essa dificuldade toda em matéria previdenciária. Explico. É claro que emoções são difíceis de “objetificar”, mas não podemos isolá-las do resto. O dano moral é considerado in re ipsa (presumido) em situações como:


(a) inserção de nome de forma indevida em cadastro de inadimplentes (REsp 1.059.663);

(b) atrasos de vôos, inclusive nos casos em que o passageiro não pode viajar no horário programado por causa de overbooking (REsp 299.532);

(c) diplomas sem reconhecimento, ou seja, quando após concluído o curso, o aluno não pode exercer a profissão por falta de diploma reconhecido pelo Ministério da Educação (REsp 631.204);

(d) equívocos em atos administrativos como, por exemplo, a multa de trânsito indevidamente cobrada (REsp 608.918);

(e) inclusão indevida e equivocada de nomes de médicos em guia orientador de plano de saúde (REsp 1.020.936).

Nessa perspectiva, não seria possível se presumir os sentimentos de humilhação, privação e impotência diante da cessação indevida do benefício? Parece desnecessário, mas o benefício previdenciário tem o condão de substituir os rendimentos do trabalho do segurado, logo, é possível se imaginar as restrições causas pela falta de dinheiro, vale dizer: restrições ligadas a essência da pessoa humana. Imagine um lugar onde as pessoas são mensuradas por aquilo que elas têm e o dinheiro é condição de acesso a serviços sociais básicos (se me entendem a ironia).[8] Com efeito, por respeito à coerência e à integridade do direito (CPC, art. 926), como não comparar essas e outras situações com aquelas hipóteses chanceladas pelo STJ, como o equívoco em atos administrativos. Fazer um balanço dessas situações é imprescindível para se separar o real dano moral – que faz emergir laços de solidariedade – do falso.

O que precisamos, de fato, é aproximar o direito do mundo prático. Devemos olhar para as consequências deduzidas daquilo que acontece o tempo todo, na vida real. Estou me referindo as regras de experiência (CPC, art. 375), que deverão interpelar o julgador. Nesse sentido:

[...] não pode ser materialmente provada, nem mesmo por indícios, pois ela é de ordem subjetiva e particularizada para cada indivíduo, motivo pelo qual caberá ao julgador, utilizando-se de criterioso bom-senso e tendo em conta os valores médios do cidadão de seu tempo, aquilatar se determinadas situações e fatos podem gerar ‘dor moral’ nas suas mais variadas formas (dor, sofrimento, tristeza, desilusão, etc.). Em outras palavras: a ‘dor moral’ não é provada, mas intuída pelo juiz á vista de sua experiência e levando em consideração os valores da sociedade e do homem médio (Acórdão de 12.08.02, exarado no RO 01393/2001-000-24-00-7, do TRT da 24ª Região” (Dano Moral, São Paulo: LTr, 2005, p. 479/480, griso nosso).

O indeferimento abusivo do benefício previdenciário igualmente causou algum desconforto, aflição ou transtorno? O dano moral é o prejuízo causado aos atributos da personalidade do ser humano e, também, da pessoa jurídica, sendo que, em matéria previdenciária, destaca-se o direito à integridade física e psíquica.

Os tipos expressos de direitos da personalidade na Constituição são: art. 5º, caput (direito à vida; direito à liberdade); 5º, V (direito à honra e direito à imagem, lesados por informação, que possibilita o direito à resposta ou direito de retificação, como diz a doutrina italiana, acumulável à indenização pecuniária por dano moral); art. 5º, IX (direito moral de autor, decorrente da liberdade de expressão da atividade intelectual, artística e científica (17); art. 5º, X (direitos à intimidade, à vida privada, à honra e à imagem); art. 5º, XII (direito ao sigilo de correspondências e comunicações); art. 5º, IXVI (impedimento da pena de morte e da prisão perpétua); art. 5º, LIV (a privação da liberdade depende do devido processo legal); art. 5º, LX (restrição da publicidade processual, em razão da defesa da intimidade); art. 5º, LXXV (direito à honra, em decorrência de erro judiciário ou de excesso de prisão (18); art. 199, § 4º (direito à integridade física, em virtude da proibição de transplante ilegal de órgãos, tecidos e substâncias humanas ou de sua comercialização); art. 225, § 1º, V (direito à vida, em virtude de produção, comercialização e emprego de técnicas, métodos e substâncias); art. 227, caput ( direito à vida, direito à integridade física e direito à liberdade das crianças e dos adolescentes); art. 227, § 6º (direito à identidade pessoal dos filhos, sem discriminação, havidos ou não da relação de casamento ou por adoção); art. 230 (direito à vida e à honra dos idosos).

Como dito, “os direitos da personalidade remontam à essência do próprio ser humano, que resta prejudicado em sua qualidade de vida, em todos ou em alguns de seus muitos aspectos, em decorrência do dano sofrido (vida, integridade psicofísica etc.).”[9]

Em decorrência de o tema ser maltratado e balizado, mormente em matéria previdenciária, o dano moral transformou-se numa ficção, sem eficácia e normatividade, não servindo, desse modo, para compensar a vítima (segurado) e, com muito maior razão, melhorar os serviços públicos. O que dizer do caráter punitivo, digo, naqueles – raros – casos em que é reconhecido o dano moral, já que continuamos presos aos velhos princípios gerais do direito como, por exemplo, o enriquecimento sem causa, que reproduz a ideia de que a justiça deve dar ao pobre a pobreza, ao miserável a miséria, ao desgraçado a desgraça, porque isso é o que é deles, sendo, por isso, irrisório o quantum indenizatório.

Ademais, problemas de ordem prática (e.g.: elevado número de processos ou recursos possíveis, o baixo número de juízes, etc.), acompanhados de argumentos utilitaristas e consequencialistas, vem gerando uma verdadeira aversão ao dano moral. Nesse sentido, recente decisão da TNU: Os entes públicos atuam sob as balizas da estrita legalidade e operam, no caso do INSS, com grande volume de atendimentos, de modo que equívocos e divergências na interpretação do fato e do direito aplicável fazem parte do próprio funcionamento estatal, de sorte que, não havendo qualquer circunstância a tornar o caso especialmente dramático, não se deve considerar esses atos como geradores ipso facto de danos morais”.[10] Os abusos fazem parte! Não?

Nem mesmo a discricionariedade administrativa pode servir de salvo-conduto para a atribuição arbitrária de sentidos. O Direito Administrativo faz a separação entre atos discricionários e atos vinculados, ambos diferentes de atos arbitrários. Importante, também, diferenciar aquilo que chamamos de discricionariedade judicial daquilo a doutrina administrativa chama de ato administrativo discricionário:

Há aqui uma nítida diferença de situações: no âmbito judicial, o termo ‘discricionariedade’ refere-se a um espaço a partir do qual o julgador estaria legitimado a criar a solução adequada para o caso que lhe foi apresentado a julgamento. No caso do administrado, tem-se por referência a prática de um ato autorizado pela lei e que, por esse motivo, mantém-se adstrito ao princípio da legalidade. Ou seja, o ato discricionário no âmbito da administração somente será tido como legítimo se estiver de acordo com a estrutura de legalidade vigente (aliás, o contexto atual do Direito administrativo aposta para uma circunstância em que o próprio conceito de ato discricionário vem perdendo terreno, mormente em países que possuem, em sua estrutura judicial, um Tribunal especificamente administrativo).

[...]

Nesse ponto aparece uma diferença gritante com relação à noção de discricionariedade administrativa: nesta, o administrador está autorizado pela lei a eleger os meios necessários para determinação dos fins por ela estabelecidos, mas qualquer ato por ele praticado poderá ser questionado tendo em vista o princípio da legalidade; já na discricionariedade judicial, o julgador efetivamente cria uma regulação para o caso que, antes de sua decisão, não encontrava respaldo no Direito da comunidade política.[11]

O problema na relação entre o “ato administrativo discricionário” e o dano moral previdenciário está no fato deste primeiro ser concebido como parte da zona de autonomia do administrador, servindo tal tese como pretexto para se dizer que ele (o ato administrativo) fica de fora do controle jurisdicional. Sendo assim, se fala em discricionariedade sempre como se o INSS estivesse exercendo legalmente suas atribuições. Por outras palavras, na esfera do ato da administração o Judiciário não pode intervir.

Nos tribunais, infelizmente, aplica-se ainda a tese clássica que coloca a discricionariedade administrativa fora do controle jurisdicional. Nesse sentido:

Há muitas decisões que continuam a afirmar que a competência constitucional do Judiciário permite apenas o controle sobre a competência, a forma, a finalidade, o motivo e o objeto do ato administrativo discricionário, mas exclui definitivamente qualquer controle sobre a execução do ato, isto é, impede que o Judiciário aprecie o conteúdo das decisões tomadas pelo administrativo no decorrer da execução do ato. Diante disso, fica claro o motivo da distinção entre ato vinculado e ato discricionário. Só há controle judicial de conteúdo quando o ato administrativo for vinculado; nos casos de ato discricionário cabe ao Judiciário apenas o controle da forma, nos termos que especificamos acima. No contexto atual, essa discussão ganha peso, na medida em que possuímos uma Constituição Compromissória que também impõe obrigações ao administrador. Se no ato administrativo discricionário é certo que o administrador está livre de uma aderência absoluta à lei, nem por isso seu poder de escolha pode desconsiderar o conteúdo principiológico da Constituição. Portanto, o ato administrativo escapa de um controle de legalidade, porém permanece indispensável que ele seja controlado em sua constitucionalidade. De qualquer forma, no poder discricionário da administração sempre está em jogo uma deferência do legislador em favor do administrador.[12]

O ato de concessão de aposentadoria é regrado, e não discricionário, de modo que o INSS não pode cancelar benefício de aposentadoria especial mediante simples reavaliação dos documentos que instruíram o requerimento administrativo, se não constatar fraude ou ilícito na concessão do benefício” (AC 320.465/PR, 5ª Turma do TRF4, Rel. Juiz Sérgio Renato Tekada Garcia, in DJU de 19.11.03).

A grande quantidade de indeferimentos abusivos por parte do INSS mitiga a aversão aos danos morais. É porque o ato administrativo não merece censura, já que não se espera outra solução para o pedido que não o indeferimento, logo, fica tudo como está, no mesmo lugar, impunemente. Não é por nada que o INSS figura como o campeão de ações no país. E por que isso? Porque não se confere ao tema relevância social, com vista aos danos que poderiam ser inibidos com a correta aplicação das normas previdenciária pela administração. Não se leva à sério o viés punitivo/pedagógico de que se reveste a indenização por dano moral. Se a administração se torna um litigante comum, nada mais justifica a existência, em seu benefício, de uma jurisdição especial.

Tendo em vista que as atividades do INSS são exercidas em favor de todos (como se a própria administração pública fosse), o ônus pelos danos causados a um segurado deve ser suportado por todos. A reparação está amparada na justiça social, na solidariedade e na igualdade. Nesse sentido:

Consequentemente, deve o Estado, que a todos representa, suportar os ônus da sua atividade, independente de culpa dos seus agentes.


Em apertada síntese, a teoria do risco administrativo importa atribuir ao Estado a responsabilidade pelo risco criado pela sua atividade administrativa. Essa teoria, como se vê, surge como expressão concreta do princípio da igualdade dos indivíduos diante dos encargos públicos. É a forma democrática de repartir os ônus e os encargos sociais por todos aqueles que são beneficiados pela atividade da Administração Pública. Toda lesão sofrida pelo particular deve ser ressarcida, independentemente de culpa do agente público que a causou. O que se tem que verificar é, apenas, a relação de causalidade entre a ação administrativa e o dano sofrido pelo administrado.[13]

Apesar de algumas referências (até 10 salários mínimos), não existem critérios legais ou jurisprudenciais para a atribuição do quantum debeatur relativo ao dano extramaterial, devendo o magistrado considerar: “a) a individualização do fato; os atributos existenciais envolvidos; c) a gravidade dos danos reparáveis; d) a repercussão social do caso; e) a existência de contumácia do lesante.” É necessário perquirir sempre a extensão do dano no caso analisado (Código Civil, art. 944).[14]

A jurisprudência previdenciária vem afastando a citada responsabilidade objetiva do Estado, por não compreender a alteração do paradigma de responsabilidade civil, o que contribuiu para um serviço público cada vez mais distante das necessidades dos segurados.




_________________________________________

Bah1: CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2010.

Bah2: MARTINEZ, Wladimir Novaes. Dano moral no direito previdenciário. 2. ed. São Paulo, 2009. p. 150.

Bah3: PREVIDENCIÁRIO. RESPONSABILIDADE CIVIL. CESSAÇÃO INDEVIDA DE AUXÍLIO-ACIDENTE POR ERRO NA IDENTIFICAÇÃO DO ÓBITO DE HOMÔNIMO DO BENEFICIÁRIO. DANO MORAL IN RE IPSA. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. NÃO OCORRÊNCIA. SÚMULA 83/STJ. 1. A irresignação do INSS se restringe, basicamente, ao entendimento perfilhado pelo acórdão de origem de que a cessação indevida do benefício previdenciário implicaria dano moral in re ipsa, apontando divergência jurisprudencial em relação a precedentes do Tribunal Regional Federal da 4ª Região em que se exigira a prova do dano moral para autorizar sua indenização. 2. Não obstante o posicionamento dissonante entre os arestos colacionados pelo recorrente, o Superior Tribunal de Justiça já teve oportunidade de dispensar a prova do sofrimento psicológico em inúmeros situações, a exemplo da inscrição indevida em cadastro de inadimplentes (AgRg no AREsp 331.184/RS, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Terceira Turma, DJe 5/5/2014), da suspensão indevida do fornecimento de água por débitos pretéritos (AgRg no AREsp 484.166/RS, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 8/5/2014), do protesto indevido de título (AgRg no AREsp 444.194/SC, Rel. Ministro Sidnei Beneti, Terceira Turma, DJe 16/5/2014), da recusa indevida ou injustificada, pela operadora de plano de saúde, em autorizar a cobertura financeira de tratamento médico a que esteja legal ou contratualmente obrigada (AgRg no AREsp 144.028/SP, Rel. Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 14/4/2014), entre outros. 3. No caso concreto, o acórdão de origem traz situação em que o INSS suspendeu o auxílio-doença em virtude da equivocada identificação do óbito de homônimo do autor. Nessas circunstâncias, é presumível o sofrimento e a angústia de quem, de inopino, é privado da sua fonte de subsistência mensal, e, no caso, o benefício previdenciário decorre de auxílio-acidente. 4. Agravo Regimental não provido. (AgRg no AREsp 486.376/RJ, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/06/2014, DJe 14/08/2014)

Bah4: Os artigos que fundamentam a teoria objetiva ou do risco, no Código Civil Brasileiro, são: 931, 933, 936 a 938, além da cláusula geral do risco: art. 927, parágrafo único. Note-se que no art. 186 do CCB a expressão “voluntária” sugere consciência, ou seja, intenção ou culpa lato sensu.

Bah5: A teoria do risco administrativo, consagrada em sucessivos documentos constitucionais brasileiros desde a Carta Política de 1946, confere fundamento doutrinário à responsabilidade civil objetiva do Poder Público pelos danos a que os agentes públicos houverem dado causa, por ação ou por omissão. Essa concepção teórica, que informa o princípio constitucional da responsabilidade civil objetiva do Poder Público, faz emergir, da mera ocorrência de ato lesivo causado à vítima pelo Estado, o dever de indenizá-la pelo dano pessoal e/ou patrimonial sofrido, independentemente de caracterização de culpa dos agentes estatais ou de demonstração de falta do serviço público. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva, imputável a agente do Poder Público, que tenha, nessa condição funcional, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional (RTJ 140/636) e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 - RTJ 91/377 - RTJ 99/1155 - RTJ 131/417). - O princípio da responsabilidade objetiva não se reveste de caráter absoluto, eis que admite o abrandamento e, até mesmo, a exclusão da própria responsabilidade civil do Estado, nas hipóteses excepcionais configuradoras de situações liberatórias - como o caso fortuito e a força maior - ou evidenciadoras de ocorrência de culpa atribuível à própria vítima (RDA 137/233 - RTJ 55/50). [...]. (RE 109615, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, Primeira Turma, julgado em 28/05/1996, DJ 02-08-1996 PP-25785 EMENT VOL-01835-01 PP-00081)
Bah6: CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2010.
Bah7: O art. 28 da LINDB assim dispõe: “O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”.

Bah8: Para Byung-Chul Han: “A avaliação econômica de uma pessoa contradiz a ideia de dignidade humana. Nenhuma pessoa deveria ser degradada em um objeto de avaliação algorítmica”. (HAN, Byung-Chul. Capitalismo e impulso de morte: ensaios e entrevistas. 1. ed., Petrópolis, RJ: Vozes, 2021. p. 45).

Bah9: BARROSO, Lucas Abreu; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A obrigação de reparar por danos resultantes da liberação do fornecimento e da comercialização de medicamentos. In: BARROSO, Lucas Abreu. A realização do direito civil: entre normas jurídicas e práticas sociais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 149.

Bah10: Nesse sentido: “Hoje em dia, parte-se de uma presunção que chega a ser absurda: se o sujeito conseguiu sobreviver durante esse período todo, o crédito não tem natureza alimentar (isto é, o valor que foi acumulado não teria cunho alimentar). No entanto, quantas vezes a pessoa, para sobreviver durante esse período, teve que fazer empréstimos, reduzir a sua alimentação, comprar remédios, submetendo-se a restrições, que são restrições ligadas à própria essência do ser humano? Portanto, esses valores, uma vez recuperados em momento futuro, ainda que acumulados, continuam a ter natureza alimentar, porque vão resgatar a deficiência nutricional que essa pessoa teve durante esse período. Irão ser usados para pagar aqueles que, num momento de dificuldade, a socorreram [...]. Portanto, a verba não tem natureza indenizatória. Na verdade, ela tem uma única natureza: serve ao resgate daquela humanidade que lhe foi suprimida durante um período. Portanto, continua a ter natureza alimentar nesse sentido de sobrevivência, de subsistência. Não é riqueza acumulada, tendo sido valor, denegado, muitas vezes, por falta de adequada diligência [...]. Ele é direito de personalidade e não direito patrimonial”. (CORREIA, Marcus Orione Gonçalves. Interpretação do Direito da Segurança Social. In: ROCHA, Daniel Machado; SAVARIS, José Antonio (Coords.). Curso de Especialização em Direito Previdenciário. Curitiba: Juruá, 2005. p. 266-267).

Bah11: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 55.

Bah12: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 56.

Bah13: CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 9. ed. rev. e ampl., São Paulo: Atlas, 2010. p. 243.

Bah14: BARROSO, Lucas Abreu; FROTA, Pablo Malheiros da Cunha. A obrigação de reparar por danos resultantes da liberação do fornecimento e da comercialização de medicamentos. In: BARROSO, Lucas Abreu. A realização do direito civil: entre normas jurídicas e práticas sociais. Curitiba: Juruá, 2011. p. 149.


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