ESTADO DA ARTE: ESTAMOS CONDENADOS A INTERPRETAR

 

Apesar das profundas mudanças promovidas pela reforma da previdência, com a publicação da EC 103/2019, as regras compartilhadas pelos regimes próprios como, por exemplo, a EC 47/2005, ficam valendo nos municípios que não fizeram sua reforma ainda. De cara, a novas regras serão aplicadas para o RGPS e RPPS da União.

Com relação à aposentadoria especial, o referencial constitucional continua previsto no art. 40 da Constituição brasileira, agora no § 4º, em razão do qual assume nítido caráter de direito subjetivo de natureza fundamental e social, que é reafirmado pela Lei 8.213/91, na qual o benefício tem regulamentação provisória, por força da Súmula 33/STF.

É importante registrar que o artigo 21 da EC nº 103/2019 impõe como procedimento obrigatório à concessão de aposentadoria especial aos servidores o mesmo modelo dos artigos 57 e 58, da Lei nº 8.213/91. Essa imposição se aplica somente aos servidores públicos federais, excluindo os servidores estaduais e municipais das regras de aposentadoria especial da Reforma. Já as regras previstas nos arts. 19 e 21 da EC 103/2019, trazendo uma regra transitória e de transição, se aplicam apenas aos segurados do RGPS.

Em conclusão parcial, pode-se afirmar que é possível se postular a aposentadoria especial do servidor público, mesmo com o preenchimento dos 25 anos de tempo de serviço especial após 13/11/2019 e, por óbvio, independentemente de idade mínima. Isso é uma loucura, digo, quem antes não tinha direito à aposentadoria especial agora goza de critérios mais vantajosos. Será?

Em tese, o Verbete Vinculante 33 do STF continua valendo para os servidores estaduais e municipais. Ele, assim como o art. 21 da EC 103/2019, determina a observação da Lei 8.213/1991, notadamente os arts. 57 e 58: “Aplicam-se ao servidor público, no que couber, as regras do regime geral da previdência social sobre aposentadoria especial de que trata o artigo 40, § 4º, inciso III da Constituição Federal, até a edição de lei complementar específica.”

De novo, o teor da Súmula Vinculante 33 deixa de ser aplicado aos servidores federais, por força da reforma da previdência, mas continua sendo aplicado para manutenção dos servidores estaduais e municipais, até que estes definam suas regras próprias em legislação local ou adiram às previsões da mencionada reforma.

O § 4º-C do art. 40 da Constituição, na redação da EC 103/2019, estabelece que o ente federado poderá estabelecer por lei complementar idade e tempo de contribuição diferenciados para aposentadoria de servidores cujas atividades sejam exercidas com efetiva exposição a agentes químicos, físicos e biológicos prejudiciais à saúde, ou associação desses agentes, vedada a caracterização por categoria profissional ou ocupação.

Já com relação à conversão do tempo de serviço especial em comum após a publicação da EC 103/2019, vale lembrar que, no julgamento do Tema 942, o STF fixou a seguinte tese:

Até a edição da Emenda Constitucional nº 103/2019, o direito à conversão, em tempo comum, do prestado sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física de servidor público decorre da previsão de adoção de requisitos e critérios diferenciados para a jubilação daquele enquadrado na hipótese prevista no então vigente inciso III do § 4º do art. 40 da Constituição da República, devendo ser aplicadas as normas do regime geral de previdência social relativas à aposentadoria especial contidas na Lei 8.213/1991 para viabilizar sua concretização enquanto não sobrevier lei complementar disciplinadora da matéria. Após a vigência da EC n.º 103/2019, o direito à conversão em tempo comum, do prestado sob condições especiais pelos servidores obedecerá à legislação complementar dos entes federados, nos termos da competência conferida pelo art. 40, § 4º-C, da Constituição da República.

O artigo 25, § 2º, da EC 103/2019 não veda a conversão após 13/11/2019 para os servidores públicos. Enquanto que, na tese fixada no Tema 942, o Supremo Tribunal Federal joga para a legislação complementar dos entes federados a possibilidade de estabelecer critérios próprios, inclusive, sobre a conversão. É verdade que o art. 10, § 3º, da Emenda remete às regras do RGPS, porém, é gritante a inconstitucionalidade de tal vedação, em razão da carga principiológica que fundamenta o próprio tratamento diferenciado conferido para os trabalhadores efetivamente expostos a agentes nocivos.

Segundo Lenio Streck, o Direito não mais é – e, por isso, muito – do que as interrogações postas pelos intérpretes e pela situação hermenêutica em que estes se encontram.[1] Então, precisamos questionar e interpretar os textos!

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

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Bah1: ______. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento, 2017.


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