PARECER TEMA 995/STJ

 

RECURSO ESPECIAL Nº 2022029 - RS (2022/0265901-6)

 

O recorte descritivo:

Trata-se de recurso especial no qual se discutem as seguintes questões concernentes à reafirmação da Data de Entrada do Requerimento Administrativo (DER) para a concessão de benefícios previdenciários: a) a existência de interesse de agir, nas situações em que a implementação dos requisitos para a concessão do benefício ocorrer entre a conclusão do processo administrativo e o ajuizamento da ação judicial, mas o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS não tiver sido instado administrativamente a se manifestar; e b) se a data de início do benefício deverá ser a do preenchimento dos requisitos ou da citação do INSS.

A questão é relativamente simples.

De cara, importante registrar que o Superior Tribunal de Justiça fixou, em sede de recurso repetitivo, a seguinte tese (Tema 995):

É possível a reafirmação de DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.[1]

Em sede de embargos, o STJ confirmou a possibilidade de “reafirmação da Data de Entrada do Requerimento (DER) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias”.

Confirmou também que a reafirmação da DER poderá ocorrer no curso do processo, “ainda que não haja prévio pedido expresso na petição inicial”. E, ainda, “[...] existindo pertinência temática com a causa de pedir, o juiz poderá reconhecer de ofício outro benefício previdenciário daquele requerido, bem como poderá determinar seja reafirmada a DER”.

No entanto, a decisão não contempla aquelas situações que implementados os requisitos ensejadores do benefício entre a conclusão do processo administrativo e o ajuizamento da ação judicial, o que, também, coloca a dúvida sobre o termo dos efeitos financeiros.

A reafirmação da DER, ainda que do ponto de vista da tese do fato superveniente, não traduz nenhuma ruptura com aquilo que já se encontra consolidado na jurisprudência:

• basta o indeferimento ou, até mesmo, a demora injustificada para ultimação do ato, para que o segurado possa buscar a via judicial, por conta da configuração de pretensão resistida. Uma vez percorrida a via administrativa, atendidos os requisitos do Tema 350/STF, há que se entender que está tudo “sub judice”. Tanto é assim que a Corte Especial reiterou que a reafirmação da DER poderá ocorrer “ainda que não haja prévio pedido expresso na petição inicial”. Da mesma forma, não se exige que, entre o término do processo administrativo e a Data de Ajuizamento da Ação, o autor atravesse novo requerimento de aposentadoria;


• [...] os efeitos financeiros devem retroagir à data do requerimento administrativo e/ou do preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício.

Nesse nível, seria no mínimo contraditório exigir que o segurado atravessasse um novo pedido administrativo entre a DER e Data de Ajuizamento da Ação, quando, na verdade, tudo estava “sub judice”.

O segurado não tem como prever qual a extensão da procedência do pedido inicial (e.g.: quais os períodos que serão reconhecidos como especiais), de modo que seja possível saber se a implementação dos requisitos ocorrerá entre a conclusão do processo administrativo e o ajuizamento da ação judicial ou no curso da ação.

São claras as três situações – em todas o INSS dá causa a ação e, por isso, o direito depende da procedência de algum pedido – que justificam o reconhecimento do direito à aposentadoria desde a:

 


A pergunta que devemos fazer é a seguinte: em relação à DER no processo administrativo, qual a diferença entre aquele (autor) que preencher os requisitos ensejadores do benefício entre a conclusão do processo administrativo e o ajuizamento da ação judicial e aquele que preencher os requisitos no curso da ação previdenciária?

Suponhamos que, após 10 anos na justiça, o direito à aposentadoria seja reconhecido, mediante a reafirmação de DER para uma data anterior ao Ajuizamento da Ação. Neste caso, o tribunal deverá reafirmar a DER para uma data posterior ao Ajuizamento da Ação? O Segurado deverá retornar ao INSS?

A questão que (sempre) se coloca é: seria razoável admitir a necessidade de o segurado ajuizar uma nova ação previdenciária, quando, ainda no processo em curso é possível se considerar os fatos supervenientes – que influenciam na caracterização do direito? E mais: é razoável premiar o INSS com eventual subtração dos valores devidos desde o implemento dos requisitos ensejadores do benefício previdenciário?

Antes da tese fixada pela STJ no julgamento do Tema 995, a discussão sobre tal possibilidade surgiu com o TRF da 4ª Região admitindo, justamente, a contagem de tempo superveniente até a Data de Ajuizamento da ação previdenciária.

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. SERVIÇO RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. REAFIRMAÇÃO DA DER LIMITADA À DATA DO AJUIZAMENTO. REQUISITOS PARA APOSENTADORIA NÃO PREENCHIDOS. [...] 7. Em que pese a possibilidade de reafirmação da DER, o cômputo das contribuições vertidas após o requerimento administrativo fica limitado à data do ajuizamento. 8. Não cumprindo com todos os requisitos para a concessão do benefício, o segurado tem direito à averbação do período reconhecido judicialmente, para fins de obtenção de futura aposentadoria. (TRF4, APELREEX 5007742-38.2012.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator para Acórdão LUIZ ANTONIO BONAT, juntado aos autos em 22/09/2015)

O Tema 995 trata de uma questão exclusivamente judicial, assim como a discussão que gravita em torno da (im)possibilidade de o julgador considerar o tempo de serviço especial exercido após o ajuizamento da ação judicial (Tema 995/STJ). Essa questão diz respeito à tese do fato superveniente.

Em matéria previdenciária, contudo, o modo mais específico de implementação da tese se dá através da chamada Reafirmação da DER, procedimento adotado pelo INSS na via administrativa, conforme art. 690 da Instrução Normativa 77/2015, o que, na prática, possibilita a consideração de contribuições vertidas no curso da ação e do tempo de serviço especial que perpassa a DER; enfim, questões que influenciam no reconhecimento do benefício postulado, in verbis:

Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito.

No que diz respeito à distinção entre antes, quando ainda pendente o processo administrativo, e após a conclusão do processo administrativo, verifica-se uma espécie de punição para o segurado que demorar para ajuizar a ação previdenciária, vale dizer: após o término do processo administrativo; ou seja, se não preenchidos os requisitos ensejadores do benefício na pendência do processo administrativo, o termo inicial do benefício será fixado somente a partir da Data de Ajuizamento da Ação.

Tal orientação pede que o segurado ajuíze sua ação judicial na pendência de uma resposta do INSS, e não durante o curso de algum prazo, sob pena de renúncia ao direito de recorrer.

Deve ter ficado claro: há duas situações distintas aqui. A primeira diz respeito à decisão do STJ (Tema 995), que deixa dúvidas quanto à possibilidade de se fixar o termo inicial do benefício entre a DER e a DAA. A segunda refere-se à decisão do TRF4, que faz distinção entre o implemento dos requisitos ensejadores do benefício, antes e depois do término do processo administrativo. O que as duas possuem em comum é que em ambas se trabalha com a reafirmação de DER para uma data anterior à Data de Ajuizamento da Ação.

Insiste-se: Uma vez percorrida a via administrativa, atendidos os requisitos do Tema 350/STF, há que se entender que está tudo “sub judice”. Tanto é assim que a Corte Especial reiterou que a reafirmação da DER poderá ocorrer “ainda que não haja prévio pedido expresso na petição inicial”.

Por fim, seria no mínimo contraditório admitir a possibilidade de o início da aposentação coincidir com o preenchimento dos requisitos no curso da ação, e não entre a DER e a Data do Ajuizamento da Ação, independentemente se pendente (ou não) processo administrativo.

O direito adquirido não está condicionado ao momento de sua comprovação ou decisão que reconhece o direito de reafirmação de DER, tampouco seus efeitos financeiros, que devem retroagir à data do requerimento administrativo e/ou do preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício, conforme art. 49, inciso II, combinado com os arts. 54 e 57, § 2º, da Lei 8.213/1991.[2]

Este é o entendimento do próprio STJ, como fica claro na Pet. 9.582/STJ:

PREVIDENCIÁRIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. TERMO INICIAL: DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO, QUANDO JÁ PREENCHIDOS OS REQUISITOS PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PROVIDO. 1. O art. 57, § 2o., da Lei 8.213/91 confere à aposentadoria especial o mesmo tratamento dado para a fixação do termo inicial da aposentadoria por idade, qual seja, a data de entrada do requerimento administrativo para todos os segurados, exceto o empregado. 2. A comprovação extemporânea da situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do requerimento administrativo, quando preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria. 3. In casu, merece reparos o acórdão recorrido que, a despeito de reconhecer que o segurado já havia implementado os requisitos para a concessão de aposentadoria especial na data do requerimento administrativo, determinou a data inicial do benefício em momento posterior, quando foram apresentados em juízo os documentos comprobatórios do tempo laborado em condições especiais. 4. Incidente de uniformização provido para fazer prevalecer a orientação ora firmada.[3]

A situação atrai a incidência do princípio da primazia do acerto judicial da relação jurídica de proteção. Nesse sentido:

A resposta do princípio da primazia do acertamento à questão proposta não será outra, portanto, que não a outorga da proteção judicial na medida em que o segurado faz jus, isto é, a concessão da aposentadoria pretendida com efeitos financeiros desde a formalização do requerimento administrativo.[4]

Segundo José Antonio Savaris, a tutela dos direitos fundamentais exige mais da função jurisdicional do que o exame de submissão do ato administrativo à legalidade: “O que importa é a definição de relação jurídica de proteção social e, a partir dela, entregar à parte o bem da vida nos precisos termos a que faz jus. Saber se a parte tem o direito e desde quando tem o direito é o alvo principal da função jurisdicional”.[5]

No julgamento do Tema 995, o Superior Tribunal de Justiça fundamentou sua decisão no princípio da primazia do acertamento:

Nessa medida, o pedido previdenciário ajuizado pode ser fungido, pois há um núcleo comum no ordenamento jurídico-previdenciário voltado à concessão do benefício previdenciário, reparadora do risco social vivido pelo autor da ação. Daí a importância para o caso concreto da teoria do acertamento, orientada pelo princípio da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social, tão bem traduzida pelo eminente e culto Professor Doutor José Antônio Savaris, in verbis:

A conclusão a que se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o direito à proteção social, particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o nascimento do direito - observado o direito ao benefício mais vantajoso, que pode estar vinculado a momento posterior.

(...)

No diagrama da primazia do acertamento, o reconhecimento do fato superveniente prescinde da norma extraída do art. 493 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 462), pois o acertamento determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como ela se apresenta no momento da sua entrega. (José Antônio Savaris in direito processual previdenciário, editora Alteridade, 7ª edição revista e atualizada, páginas 121/131)

A teoria do acertamento conduz a jurisdição de proteção social, permite a investigação do direito social pretendido em sua real extensão, para a efetiva tutela do direito fundamental previdenciário a que faz jus o jurisdicionado.

Fixar o termo inicial do benefício na data do ajuizamento da ação é completamente aleatório. Há apenas dois momentos possíveis para se fixar o termo inicial do benefício, para efeitos financeiros, a data de entrada do requerimento administrativo (DER) ou a data em que preenchidos os requisitos ensejadores do benefício postulado.[6]

A propósito, no julgamento do Tema 709, o Supremo Tribunal Federal reiterou que:

A Lei nº 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema da data de início da aposentadoria especial, fazendo uma remissão ao art. 49 daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação de regência já cuidou de regular o assunto, estabelecendo que o benefício será devido (i) da data do desligamento do emprego, quando requerido até essa data, ou até noventa dias depois dela (inciso I, alínea a); (ii) da data do requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando o benefício for requerido após o prazo previsto na alínea a (inciso I, alínea b). Conforme se nota, inexiste, no referente ao assunto, vácuo legislativo, de modo que afastar a previsão do art. 57, § 2º, da Lei de Planos de Benefícios da Previdência Social para fazer valer, em detrimento dessa norma, o art. 57, § 8º - quando esse nem sequer foi editado com vistas a regular a questão da data de início dos benefícios - significaria evidente violência às prerrogativas do Poder Legislativo.[7]

Dito de outra forma, caso acolhido o pedido da autarquia nesse ponto, o Supremo Tribunal Federal estaria claramente a legislar, o que lhe é terminantemente vedado. O legislador, no exercício de suas atribuições constitucionalmente conferidas, houve por bem fixar uma determinada disciplina para a data de início do benefício – essa disciplina encontra-se no art. 57, § 2º, da Lei 8.213/91. A referida norma encontra-se em harmonia com o ordenamento jurídico e, até o momento, não teve sua constitucionalidade questionada. Não há razão, portanto, para se negar aplicação a ela.

Não existe, portanto, “vácuo legislativo” a permitir que se fixe em outro momento o início do benefício e de seus efeitos financeiros. A única possibilidade – inscrita em norma jurídica válida – para a subtração de valores reconhecidamente devidos ao segurado da Previdência Social é a que decorre de prescrição incidente sobre as parcelas vencidas há mais de cinco anos do ajuizamento da ação (Lei 8.213/91, art. 103, parágrafo único).[8]

Quando a reafirmação da DER ocorrer para antes do ajuizamento da ação não é possível a subtração desses valores – devemos lembrar do caráter alimentar do benefício e, por isso, da decisão do STF no julgamento dos embargos de declaração opostos no processo da “desaposentação” (Tema 503)[9]. Como é possível não reconhecer o direito desde a data de implementação dos requisitos, tampouco deixar de pagar as respectivas parcelas vencidas (dentro do prazo prescricional)?

A única possibilidade – inscrita em norma jurídica válida – para a subtração de valores reconhecidamente devidos ao segurado da Previdência Social é a que decorre de prescrição incidente sobre as parcelas vencidas há mais de cinco anos do ajuizamento da ação (Lei 8.213/91, art. 103, parágrafo único).[10]

É necessário conferir ao sistema jurídico integridade (compatibilidade entre os diversos enunciados) e coerência (julgar casos iguais mediante semelhante raciocínio), conforme estabelece o art. 926 do CPC. Assim, há que se reafirmar a jurisprudência da Corte Especial, citando três, entre muitos, precedentes que dispensam efeitos financeiros retroativos à data do requerimento, até mesmo no caso de revisão de benefício:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO. TERMO INICIAL. DATA DO PRIMEIRO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Os efeitos financeiros do deferimento da aposentadoria devem retroagir à data do primeiro requerimento administrativo, independentemente da adequada instrução do pedido. AgRg no REsp 1103312/CE, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, j. 27/05/2014, DJe 16/06/2014. (AgRg no REsp 1103312/CE, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, j. 27/05/2014, DJe 16/06/2014)

 

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. INCIDÊNCIA DO ART. 103 DA LEI 8.213/1991. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS. RETROAÇÃO À DATA DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. Cinge-se a controvérsia à decadência do direito de revisão do ato de concessão de aposentadoria pelo segurado. 2. Segundo dispõe o art. 103, caput, da Lei 8.213/1991: "É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo". 3. No caso dos autos, o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição foi concedido em agosto de 2009, e a ação de revisão do ato de concessão foi ajuizada somente em 2016, não havendo que se falar em reconhecimento da decadência do direito de ação. 4. O aresto hostilizado encontra-se em consonância com a compreensão do STJ, razão pela qual não merece reforma. 5. Quanto ao termo inicial do benefício, o STJ orienta-se no sentido de que, caso o segurado tenha implementado os requisitos legais para a obtenção de benefício previdenciário na data em que formulou requerimento administrativo, deve ser esse o termo inicial para o benefício previdenciário, independentemente de a comprovação ter ocorrido apenas em momento posterior, ou mesmo na seara judicial. 6. Recurso Especial não provido (grifei). (REsp 1833548/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 01/10/2019, DJe 11/10/2019)

 

DIREITO PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. A COMPROVAÇÃO EXTEMPORÂNEA DE REQUISITO PARA OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NÃO RETIRA O DIREITO AO BENEFÍCIO, QUE SE INCORPORA AO PATRIMÔNIO JURÍDICO DO SEGURADO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DOS REQUISITOS. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS DA REVISÃO: DATA DA CONCESSÃO DO BENEFÍCIO ORIGINÁRIO. ENTENDIMENTO JÁ FIRMADO PELA SEGUNDA TURMA DESTA CORTE E PELA TNU (TEMA 102). RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO. 1. É firme a orientação desta Corte de que a comprovação extemporânea de situação jurídica consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido do Segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário no momento do preenchimento dos requisitos para a sua concessão. 2. Não é possível condicionar o nascimento de um direito, com seus efeitos reflexos, ao momento em que se tem comprovados os fatos que o constituem, uma vez que o direito previdenciário já está incorporado ao patrimônio e à personalidade jurídica do Segurado desde o momento em que o labor foi exercido. 3. Impõe-se, assim, reconhecer que o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão de benefício previdenciário deve retroagir à data da concessão do benefício originário, uma vez que o deferimento da ação revisional representa, tão somente, o reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do Segurado. 4. Tal entendimento reflete a jurisprudência firmada pela Segunda Turma desta Corte e pela TNU no julgamento do Tema 102. Precedentes: AgInt no REsp. 1.609.332/SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 26.3.2019, REsp. 1.732.289/SP, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 21.11.2018, PEDILEF 2009.72.55.008009-9/ SC, Rel. Juiz Federal HERCULANO MARTINS NACIF, DJe 23.4.2013. 5. Recurso Especial da Segurada provido. (REsp 1745509/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 14/06/2019)

Como visto, a data a ser considerada como início do benefício e de pagamento das prestações vencidas é aquela em que os requisitos legais foram preenchidos.

A demora na comprovação do direito tem, como única consequência, a demora na implantação do benefício.

CONCLUSÃO: é verdade que o precedente em análise tratava apenas da possibilidade de reafirmação da DER para momento posterior à data do ajuizamento, não abrangendo o universo de casos em que a DER é reafirmada para essa data. Não obstante, para efeito das questões supramencionadas, ele é capaz de dar uma resposta objetiva para o universo de casos em que a DER é reafirmada para momento anterior a DER, qual seja: “É possível a reafirmação de DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício.”

A ressalva que se pode fazer é: mesmo que isso se dê no interstício entre a DER e o ajuizamento da ação, observada a causa de pedir.

No caso concreto, a DER foi reafirmada para uma data anterior ao Ajuizamento da Ação, vale detalhar: 

A questão, portanto, foi resolvida adequadamente pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região:

Reafirmação da DER

O Tribunal pode exercer a atividade jurisdicional de forma plena, inclusive considerar, de ofício ou a pedido da parte, fato superveniente que possa influir na solução do litígio, a fim de decidir sobre as consequências advindas da substituição do acórdão. Torna-se possível, assim, examinar eventual pedido de reafirmação da data da entrada do requerimento (DER), para que seja completado o tempo exigido para a aposentadoria especial.

A reafirmação da DER, consoante o parágrafo único do art. 690 da Instrução Normativa INSS/PRES nº 77/2015, é aplicável a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado. Logo, pode ser reafirmada a DER não somente no caso em que o segurado preenche os requisitos para a concessão do benefício após o requerimento administrativo, mas também na hipótese em que, considerado o tempo de contribuição posterior à DER, a renda mensal inicial é mais benéfica ao segurado.

Cabe salientar que o Superior Tribunal de Justiça julgou o Tema 995, fixando a tese de que 'É possível a reafirmação da DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir'.

O requerimento administrativo foi protocolado em 06/04/2010. Em consulta ao sistema do Portal do CNIS - Cadastro Nacional de Informações Sociais, verifica-se que o segurado continuou trabalhando para o mesmo empregador (Schneider Embalagens de Papel Ltda), sob as mesmas condições e agentes nocivos já reconhecidos em sentença, até 02/10/2018. Deve ser computado o período de atividade especial remanescente de 07/04/2010 a 21/07/2010, que totaliza 03 meses e 15 dias, pelos mesmos fundamentos acima declinados, tendo em vista a necessidade de reafirmação da DER.

Logo a DER deve ser reafirmada para 21/07/2010.

Com relação aos efeitos financeiros, impensável a interpretação do INSS, no sentido de não ser viável o pagamento de atrasados desde a data da implementação dos requisitos ensejadores do benefício. A didática da exposição e a fundamentalidade do tema justificam a longa transcrição do trecho da fundamentação, apresentada pelo Des. Osni Cardoso Filho:

A regra geral para a data de início dos benefícios de aposentadoria é a data da entrada do requerimento (DER), segundo dispõem o artigo 49, inciso II (aposentadoria por idade); o art. 54 (aposentadoria por tempo de serviço) e o art. 57, §2º (aposentadoria especial), da Lei nº 8.213.

No caso em que houver reafirmação da data de entrada do requerimento, o benefício será devido a partir da data para a qual se deslocar o preenchimento simultâneo de todos os requisitos necessários para o direito do segurado, tendo como limite temporal o momento do julgamento de eventuais embargos de declaração opostos de acórdão que aprecia recurso de apelação.

A decisão que conhece o fato superveniente, relativo ao tempo de contribuição posterior à data do requerimento administrativo, somente declara a existência do direito que estava aperfeiçoado e incorporado ao patrimônio jurídico da parte autora. Por isso mesmo, a data reafirmada de início do benefício, que também demarca o início da obrigação de pagar as prestações, corresponde ao momento em que os requisitos legais para a concessão do benefício foram cumpridos.

A condenação do INSS a cumprir a obrigação de pagar quantia tem por termo inicial, assim, a data do requerimento administrativo reafirmada, o que encontra coerência à própria conduta da administração previdenciária quando, ao verificar que o requerente, em processo administrativo, preenche as condições legais após o pedido, considera a nova DER para fixar a data de início do benefício e os respectivos efeitos financeiros. Esse procedimento já está consagrado nas disposições normativas internas da autarquia e foi repetido nos artigos 687 e 690 da Instrução Normativa INSS/PRES 77, de 21 de janeiro de 2015.

A interpretação do Instituto Nacional do Seguro Social, a partir do julgamento dos embargos de declaração opostos da decisão que firmou o Tema 995 no Superior Tribunal de Justiça, de que não há valores em atraso a serem pagos, anteriores à implantação do benefício, é totalmente equivocada do sentido normal que se deve emprestar ao voto do eminente relator, Ministro Mauro Campbell Marques (REsp 1.727.063 – SP).

O que é bem mais razoável compreender da decisão mencionada, reitera-se, neste ponto particular sem a imposição de natureza vinculante aos demais graus de jurisdição, é que a decisão que reafirma a data de início do benefício não proporciona condenação ao pagamento de parcelas em atraso anteriores à data da reafirmação. Em outras palavras, não podem ser pagas as parcelas entre a data da entrada do requerimento administrativo (quando não havia direito ao benefício) e a data em que o requerimento administrativo é reafirmado (quando há direito ao benefício).

A decisão judicial que não tivesse por termo inicial da obrigação de pagar quantia certa a data de entrada do requerimento reafirmada se tornaria tão gravosa quanto aquela que não conhecesse o fato superveniente e rejeitasse o pedido do segurado. Em ambas as situações, seria muito mais vantajoso ao segurado protocolizar novo requerimento administrativo e, diante de eventual outro indeferimento, ajuizar mais uma ação contra o mesmo réu.

O resultado dessa inexata conclusão representaria, por consequência, o desapreço aos princípios da economia e da celeridade processual, os quais, a propósito, fundaram a tese firmada no Tema nº 995 do Superior Tribunal de Justiça.

Por fim, o entendimento de que não é razoável condenar o INSS ao pagamento de parcelas anteriores à decisão que reafirma a DER não mantém correspondência a toda e qualquer orientação que se deva adotar, quando se tem em conta o reconhecimento de direitos fundamentais à proteção social e à prestação jurisdicional efetiva. Sobre esse ponto, é pertinente referir parte do voto proferido pelo Ministro Mauro Campbell Marques, relator dos recursos representativos de controvérsia do Tema nº 995:

O direito à previdência social consubstancia autêntico direito humano e fundamental, pois a prestação previdenciária corresponde a recursos sociais indispensáveis à subsistência da pessoa humana, colaborando para sua existência digna. A reafirmação da DER se mostra compatível com a exigência da máxima proteção dos direitos fundamentais, com a efetiva tutela de direito fundamental. Não se deve postergar a análise do fato superveniente para novo processo, porque a Autarquia previdenciária já tem conhecimento do fato, mercê de ser a guardiã dos dados cadastrados de seus segurados, referentes aos registros de trabalho, recolhimentos de contribuições previdenciárias, ocorrências de acidentes de trabalho, registros de empresas que desempenham atividades laborais de risco ou ameaçadoras à saúde e à higiene no trabalho.

Ainda outra questão a ser verificada é que a reafirmação da DER tem motivado o afastamento dos juros de mora e honorários sucumbenciais, com fundamento no Tema 995/STJ[11], como se o INSS não tivesse dado causa ao ajuizamento da ação e, com muito maior razão, à própria reafirmação da DER. Tal entendimento representa um ataque contra o princípio da causalidade, o conceito de causa e efeito, pois as consequências de uma ação já não são vistas como uma forma de acertamento, em razão da atuação descomprometida do INSS, mas como um favor da Autarquia.

É evidente que o INSS, mesmo após defender uma orientação institucional abusiva e protelatória, desde a via administrativa e/ou citação no processo, agora só precisa “concordar” com a reafirmação da DER, para afastar sua responsabilidade pelos honorários sucumbenciais.

No que tange ao princípio da causalidade:

Não merece trânsito a pretensão do INSS de afastamento de sua condenação ao pagamento da verba honorária, sob o fundamento de que, havendo reafirmação da DER, com a consideração de fato superveniente para o reconhecimento do direito invocado, estaria afastada a relação de causa entre o indeferimento administrativo e o ajuizamento da demanda.

Importa referir que essa alegação somente teria cabimento se o único objeto da demanda fosse o pleito de reafirmação da DER, e não é essa a hipótese dos presentes autos. No caso, há pedido de reconhecimento e cômputo de tempo de contribuição, em relação ao qual o INSS se insurgiu, sendo inegável o atendimento ao princípio da causalidade, posto que o indeferimento desse pedido deu causa à demanda, devendo, portanto, ser fixados honorários de sucumbência.

O Código de Processo Civil estabelece que a base de cálculo para a fixação dos honorários advocatícios é o valor da condenação, o qual é verificado ao final da ação. O fato de haver reafirmação da DER, por si só, já implica reflexos no cálculo da verba honorária, cuja base de cálculo será o valor das parcelas devidas desde a data da DER reafirmada, sem atrasados anteriores a esse marco.[12]

Diferentemente da questão envolvendo o termo inicial dos efeitos financeiros, para qual a qual o STJ já tinha uma sinalização positiva[13], as afirmações relativas aos honorários sucumbenciais não encontram ressonância na jurisprudência do STJ. A nova orientação, portanto, não encontra fundamento numa cadeia de julgamentos anteriores, tampouco na opinião da doutrina. Por outras palavras, não se consegue extrair um princípio (subjacente) capaz de ser aplicado aos casos seguintes.

No que tange aos juros de mora, estes devem contar desde a data da citação. Imaginemos uma ação ajuizada em 2010 e julgada em 2020, mesmo sendo o benefício devido, mediante reafirmação de DER, desde antes da Data de Ajuizamento da Ação. Não se pode negar que o INSS deu causa à propositura da ação.

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

 

[1] REsp 1727063/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, Julgado em 23/10/2019, Dje 02/12/2019.

[2] Nesse sentido: O termo inicial do benefício e seus efeitos financeiros devem retroagir à data de entrada do requerimento administrativo se ficar comprovado que nessa data o segurado já implementara as condições necessárias à obtenção do benefício de aposentadoria especial (art. 57, § 2º, c/c o art. 49, II, ambos da Lei nº 8.213/91). (TRF4, AC 5085042-61.2016.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator ALCIDES VETTORAZZI, juntado aos autos em 14/03/2019) A data de início dos efeitos financeiros da concessão da aposentadoria por tempo de serviço/contribuição é a da entrada do requerimento administrativo do benefício (art. 54 c/c art. 49, II, da Lei n° 8.213/91). (TRF4, AC 0023853-11.2013.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, D.E. 03/10/2014) Aliás, no âmbito do Tribunal Regional Federal da 4ª Região foi editada a Súmula 107: “O reconhecimento de verbas remuneratórias em reclamatória trabalhista autoriza o segurado a postular a revisão da renda mensal inicial, ainda que o INSS não tenha integrado a lide, devendo retroagir o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão à data da concessão do benefício”.

[3] Pet 9.582/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 26/08/2015, DJe 16/09/2015.

[4] SAVARIS, Jose Antonio. Princípio da primazia do acertamento judicial da relação jurídica de proteção social. Disponível em: www.univali.br/periodicos. Acesso em 02 out. 2020.

[5] SAVARIS, Jose Antonio. Princípio da primazia do acertamento judicial da relação jurídica de proteção social. Disponível em: www.univali.br/periodicos. Acesso em 02 out. 2020.

[6] A TNU editou Súmula 33: “Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para concessão da aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta data será o termo inicial da concessão do benefício”.

[7] RE 791961, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 08/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-206 DIVULG 18-08-2020 PUBLIC 19-08-2020.

[8] SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 6. ed. Ver. Atual. Ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016. p. 335.

[9] RE 661256, Relator(a): ROBERTO BARROSO, Relator(a) p/ Acórdão: DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 27/10/2016, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-221 DIVULG 27-09-2017 PUBLIC 28-09-2017.

[10] SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 6. ed. Ver. Atual. Ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016. p. 335.

[11] Tema 995/STJ: REsp 1727063/SP, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, Julgado em 23/10/2019, Dje 02/12/2019.

[12] TRF4, AC 5017272-79.2019.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 11/02/2021.

[13] REsp 1640310/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 07/03/2017, DJe 27/04/2017; REsp 1183061/MS, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 20/08/2013, DJe 30/08/2013; REsp 911.932/RJ, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/03/2013, DJe 25/03/2013; REsp 1147200/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 13/11/2012, DJe 23/11/2012; para citar apenas estes.


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