O TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS: NÃO EXISTE “VÁCUO LEGISLATIVO”!
No meu livro,
“Aposentadoria especial e a nova previdência: os caminhos do direito
(processual) previdenciário”, defendo que não existe vácuo legislativo que
autorize a fixação do termo inicial em outra data que não a do requerimento do
benefício ou do preenchimento dos requisitos ensejadores do benefício. Assim,
preenchidos os requisitos do Tema 350/STF, o ato administrativo não merece
censura. A demora na comprovação do direito tem, como única consequência, a
demora na implantação do benefício.[1]
Estou simplificando
o problema? Vou tentar explicar melhor. Fixar o termo inicial do benefício na
data do ajuizamento da ação ou quando da comprovação do direito é completamente aleatório. Há apenas dois momentos
possíveis para se fixar o termo inicial do benefício, para efeitos financeiros,
a data de entrada do requerimento administrativo (DER) ou a data em que
preenchidos os requisitos ensejadores do benefício postulado, conforme artigos
49, II, 54 e 57, § 2º, todos da Lei n° 8.213/91. Fixar os efeitos financeiros
em outra data significa deixar de lado a opção do legislador, convertendo-se
numa opção que, portanto, não lhe foi dada.
Não existe “vácuo
legislativo” a permitir que se fixe em outro momento o início do benefício e de
seus efeitos financeiros, sob pena, exatamente, de violação aos dispositivos supramencionados. A propósito, no
julgamento do Tema 709, o Supremo Tribunal Federal reiterou que:
A Lei nº 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema da
data de início da aposentadoria especial, fazendo uma remissão ao art. 49
daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação de
regência já cuidou de regular o assunto, estabelecendo que o benefício será
devido (i) da data do desligamento do emprego, quando requerido até essa data,
ou até noventa dias depois dela (inciso I, alínea a); (ii) da data do
requerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando o benefício
for requerido após o prazo previsto na alínea a (inciso I, alínea b). Conforme
se nota, inexiste, no referente ao assunto, vácuo legislativo, de modo que
afastar a previsão do art. 57, § 2º, da Lei de Planos de Benefícios da
Previdência Social para fazer valer, em detrimento dessa norma, o art. 57, § 8º
- quando esse nem sequer foi editado com vistas a regular a questão da data de
início dos benefícios - significaria evidente violência às prerrogativas do
Poder Legislativo.[2]
Tal decisão
encontra amparo na itinerária jurisprudência da Superior Tribunal de
Justiça:
PROCESSUAL CIVIL E
PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO
DE SERVIÇO. TERMO INICIAL. DATA DO PRIMEIRO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. AGRAVO
REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Os efeitos financeiros do deferimento da aposentadoria
devem retroagir à data do primeiro requerimento administrativo,
independentemente da adequada instrução do pedido. AgRg no REsp 1103312/CE,
Rel. Min. NEFI CORDEIRO, j. 27/05/2014, DJe 16/06/2014. (AgRg no REsp
1103312/CE, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, j. 27/05/2014, DJe 16/06/2014)
PROCESSUAL CIVIL E
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO.
INCIDÊNCIA DO ART. 103 DA LEI 8.213/1991. DECADÊNCIA NÃO CONFIGURADA. CONVERSÃO
DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL.
PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS. RETROAÇÃO À DATA
DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. 1. Cinge-se a controvérsia à decadência do
direito de revisão do ato de concessão de aposentadoria pelo segurado. 2.
Segundo dispõe o art. 103, caput, da Lei 8.213/1991: "É de dez anos o
prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou
beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia
primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for
o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no
âmbito administrativo". 3. No caso dos autos, o benefício da aposentadoria
por tempo de contribuição foi concedido em agosto de 2009, e a ação de revisão
do ato de concessão foi ajuizada somente em 2016, não havendo que se falar em
reconhecimento da decadência do direito de ação. 4. O aresto hostilizado
encontra-se em consonância com a compreensão do STJ, razão pela qual não merece
reforma. 5. Quanto ao termo inicial do benefício, o STJ orienta-se no sentido
de que, caso o segurado tenha implementado os requisitos legais para a obtenção
de benefício previdenciário na data em que formulou requerimento
administrativo, deve ser esse o termo inicial para o benefício previdenciário,
independentemente de a comprovação ter ocorrido apenas em momento posterior, ou
mesmo na seara judicial. 6. Recurso Especial não provido (grifei). (REsp
1833548/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
01/10/2019, DJe 11/10/2019)
DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. A COMPROVAÇÃO EXTEMPORÂNEA DE REQUISITO PARA
OBTENÇÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NÃO RETIRA O DIREITO AO BENEFÍCIO, QUE SE
INCORPORA AO PATRIMÔNIO JURÍDICO DO SEGURADO NO MOMENTO DO IMPLEMENTO DOS
REQUISITOS. TERMO INICIAL DOS EFEITOS FINANCEIROS DA REVISÃO: DATA DA CONCESSÃO
DO BENEFÍCIO ORIGINÁRIO. ENTENDIMENTO JÁ FIRMADO PELA SEGUNDA TURMA DESTA CORTE
E PELA TNU (TEMA 102). RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO. 1. É firme a
orientação desta Corte de que a comprovação extemporânea de situação jurídica
consolidada em momento anterior não tem o condão de afastar o direito adquirido
do Segurado, impondo-se o reconhecimento do direito ao benefício previdenciário
no momento do preenchimento dos requisitos para a sua concessão. 2. Não é possível
condicionar o nascimento de um direito, com seus efeitos reflexos, ao momento
em que se tem comprovados os fatos que o constituem, uma vez que o direito
previdenciário já está incorporado ao patrimônio e à personalidade jurídica do
Segurado desde o momento em que o labor foi exercido. 3. Impõe-se, assim,
reconhecer que o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão de benefício
previdenciário deve retroagir à data da concessão do benefício originário, uma
vez que o deferimento da ação revisional representa, tão somente, o
reconhecimento tardio de um direito já incorporado ao patrimônio jurídico do
Segurado. 4. Tal entendimento reflete a jurisprudência firmada pela Segunda
Turma desta Corte e pela TNU no julgamento do Tema 102. Precedentes: AgInt no REsp.
1.609.332/SP, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, DJe 26.3.2019, REsp. 1.732.289/SP,
Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 21.11.2018, PEDILEF 2009.72.55.008009-9/ SC,
Rel. Juiz Federal HERCULANO MARTINS NACIF, DJe 23.4.2013. 5. Recurso Especial
da Segurada provido. (REsp 1745509/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 14/06/2019)
Por meio dessas
decisões, uniformizou-se a jurisprudência, encerrando qualquer divergência de
posicionamentos no âmbito dos tribunais. O Tribunal Regional Federal da 4ª
Região chegou a editar a Súmula 107: “O reconhecimento de verbas remuneratórias
em reclamatória trabalhista autoriza o segurado a postular a revisão da renda
mensal inicial, ainda que o INSS não tenha integrado a lide, devendo retroagir
o termo inicial dos efeitos financeiros da revisão à data da concessão do
benefício.”
A situação,
igualmente, atrai a incidência do princípio da primazia do acerto judicial da
relação jurídica de proteção. Nesse sentido:
A resposta do princípio da primazia do acertamento à questão proposta
não será outra, portanto, que não a outorga da proteção judicial na medida em
que o segurado faz jus, isto é, a concessão da aposentadoria pretendida com
efeitos financeiros desde a formalização do requerimento administrativo.[3]
Segundo José
Antonio Savaris, a tutela dos direitos fundamentais exige mais da função
jurisdicional do que o exame de submissão do ato administrativo à legalidade:
“O que importa é a definição de relação jurídica de proteção social e, a partir
dela, entregar à parte o bem da vida nos precisos termos a que faz jus. Saber
se a parte tem o direito e desde quanto tem o direito é o alvo principal da
função jurisdicional.”
No julgamento do
Tema 995, o Superior Tribunal de Justiça fundamentou sua decisão no princípio
da primazia do acertamento:
Nessa medida, o
pedido previdenciário ajuizado pode ser fungido, pois há um núcleo comum no
ordenamento jurídico-previdenciário voltado à concessão do benefício
previdenciário, reparadora do risco social vivido pelo autor da ação. Daí a
importância para o caso concreto da teoria do acertamento, orientada pelo
princípio da primazia do acertamento da relação jurídica de proteção social,
tão bem traduzida pelo eminente e culto Professor Doutor José Antônio Savaris,
in verbis:
A conclusão a que
se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o direito à proteção
social, particularmente nas ações concernentes aos direitos prestacionais de
conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a que a pessoa faz
jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento em que se deu o
nascimento do direito - observado o direito ao benefício mais vantajoso, que
pode estar vinculado a momento posterior.
(...)
No diagrama da
primazia do acertamento, o reconhecimento do fato superveniente prescinde da
norma extraída do art. 493 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 462), pois o acertamento
determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como
ela se apresenta no momento da sua entrega. (José Antônio Savaris in direito
processual previdenciário, editora Alteridade, 7ª edição revista e atualizada,
páginas 121/131)
A teoria do
acertamento conduz a jurisdição de proteção social, permite a investigação do
direito social pretendido em sua real extensão, para a efetiva tutela do
direito fundamental previdenciário a que faz jus o jurisdicionado.
A TNU editou Súmula
33: “Quando o segurado houver preenchido os requisitos legais para concessão da
aposentadoria por tempo de serviço na data do requerimento administrativo, esta
data será o termo inicial da concessão do benefício.”
A única
possibilidade – inscrita em norma jurídica válida – para a subtração de valores
reconhecidamente devidos ao segurado da Previdência Social é a que decorre de
prescrição incidente sobre as parcelas vencidas há mais de cinco anos do
ajuizamento da ação (Lei 8.213/91, art. 103, parágrafo único).[4]
Em suma, o direito
adquirido não está condicionado ao momento de sua comprovação ou decisão que
reconhece o direito de reafirmação de DER, tampouco seus efeitos financeiros,
que devem retroagir à data do requerimento administrativo e/ou do preenchimento
dos requisitos ensejadores do benefício.
Escrito por Diego
Henrique Schuster
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Bah1: SCHUSTER,
Diego Henrique. Aposentadoria especial e a nova previdência: os caminhos do
direito (processual) previdenciário. 2 ed. – Curitiba: Alteridade, 2022.
Bah2: RE 791961, Relator(a): DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno,
julgado em 08/06/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-206
DIVULG 18-08-2020 PUBLIC 19-08-2020.
Bah3: SAVARIS, Jose
Antonio. Princípio da primazia do acertamento judicial da relação jurídica de
proteção social. Disponível em: www.univali.br/periodicos.
Acesso em 02 out. 2020.
Bah4: SAVARIS, José Antonio. Direito processual previdenciário. 6. ed. Ver. Atual. Ampl. Curitiba: Alteridade Editora, 2016. p. 335.
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