AÇÕES RESCISÓRIAS MOVIDAS PELO INSS: “REBELDIA JUDICIÁRIA” E CONVERSÃO DO TEMPO DE SERVIÇO COMUM EM ESPECIAL – ATÉ QUANDO?

 

O presente artigo versa sobre as ações rescisórias ajuizadas pelo INSS contra decisões que, após 24/10/2012, concederam ao segurado uma aposentadoria especial mediante a conversão de tempo de serviço comum em especial. A ação tem como fundamento a hipótese de manifesta violação à norma jurídica (CPC, art. 966, V), notadamente dos artigos 2º, da LINDB, e 57, § 3º, da Lei nº 8.213/91, além da orientação espelhada no REsp nº 1.310.034/PR, julgado sob o rito dos recursos repetitivos.

Na prática, o que se alega é “rebeldia judiciária”. No § 5º do art. 966 do CPC, por força da aprovação da Lei n. 13.256/2016, foi prevista a possibilidade de uso de rescisória para a desconstituição de decisões contrárias a precedentes originados do julgamento de casos repetitivos, o que significa que cabe rescisória fundada na interpretação de acórdãos do STJ ou em incidente de resolução de demandas repetitivas.

A situação preocupa, já que o Superior Tribunal de Justiça vem chancelando os argumentos da Autarquia, em sede de recurso especial, nos autos de ações rescisórias processadas e julgadas improcedentes pelos tribunais:

Desde o julgamento do REsp 1.310.034/PR, sob o rito do art. 543-C do CPC/1973, em 24/10/2012, prevalece no âmbito da Primeira Seção desta Corte o entendimento de que a viabilidade da conversão do tempo de serviço comum em especial depende da data em que o segurado tenha reunido os requisitos para o benefício pretendido, se antes da vigência da Lei n. 9.032/1995, que deu nova redação ao § 3º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991 e, consequentemente, revogou a referida conversão. 2. Descabe falar na incidência da Súmula 343 do STF, visto que, à época da decisão rescindenda, em 13/05/2015, a matéria relativa à conversão do tempo de serviço comum em especial já estava pacificada no julgamento do referido apelo excepcional.

Note-se que, mesmo que o INSS não tenha recorrido no ponto (na ação originária), aplica-se a Súmula 514/STF: “Admite-se ação rescisória contra sentença transitada em julgado, ainda que contra ela não se tenha esgotado todos os recursos. Se admitirmos que a interpretação da matéria deixou de ser controvertida desde 24/10/2012, ao INSS caberia o recurso ou, até mesmo, uma reclamação – que pode ser ajuizada antes do trânsito em julgado da decisão. 

Neste retrato capturado pela jurisprudência, há um ponto no núcleo central deste trabalho: a insegurança jurídica. Assim, sinto-me no dever de compartilhar com a comunidade jurídica argumentos para enfrentar esse momento:

I – DA DECADÊNCIA

É cabível a ação rescisória com base nas hipóteses taxativamente previstas no art. 966 do CPC, estando o prazo decadencial previsto no § 2º do art. 975. Na hipótese de prova nova, o termo inicial do prazo será a data de descoberta desta prova, observado o prazo máximo de cinco anos, contados do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo. 

Na vigência do CPC/73, Cassio Scarpinella Bueno já sugeria a relativização do artigo 495 [“O Direito de propor ação rescisória se extingue em 2 (dois) anos, contados do trânsito em julgado da decisão”], de forma a permitir a contagem do prazo decadencial a partir do descobrimento do fato que poderá contestar o meio de controle da coisa julgada.[1]

No que diz respeito às demais hipóteses autorizadoras da ação rescisória, como no caso da manifesta violação à norma jurídica, o prazo decadencial é de dois anos a contar do trânsito em julgado da última decisão proferida no processo, conforme Súmula 401 do Superior Tribunal de Justiça: “O prazo decadencial da ação rescisória só se inicia quando não for cabível qualquer recurso do último pronunciamento judicial.” 

É verdade que este verbete foi editado na vigência do regime processual anterior. Com o novo CPC, admite-se o julgamento fracionado da causa, nos termos do art. 356. A consequência disso é o reconhecimento da tese do trânsito em julgado parcial, o que torna possível, até mesmo, a execução definitiva da parcela do mérito objeto do julgamento antecipado parcial (vide IRDR 18/TRF4).

O Novo Código Civil deixa claro que “a decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida” (art. 966) e que a coisa julgada “torna imutável e indiscutível a decisão de mérito não mais sujeita a recurso" (art. 502).

 

II – DA INADMISSIBILIDADE DA AÇÃO RESCISÓRIA – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 343/STF

Com a devida vênia, mas a interpretação da matéria deixou de ser controvertida depois de 02/02/2015 - e olha lá!

Antes de qualquer outra análise, cumpre observar que, para fins de aplicação da Súmula 343/STF, o que importa é existência de divergência ao tempo em que proferida a decisão rescindenda. A consolidação jurisprudencial tempos depois não tem eficácia retroativa – não no plano infraconstitucional.

Em 24/10/2012, a matéria não estava pacificada em julgamento sob o rito do art. 543-C do Código de Processo Civil/1973 (Tema 546/STJ). A tese representativa de controvérsia: “Possibilidade de conversão de tempo de serviço especial em comum, e vice-versa, anterior à Lei 6.887/1980. Exame da matéria sob o rito do art. 543-C do CPC”.

A decisão proferida em 24/10/2012 incorreu em erro material ao consignar que “o benefício foi requerido em 24.1.2002, quando vigente a redação original do art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991, que previa a possibilidade de conversão de tempo comum em especial” - o próprio STJ admite o erro no AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1687964 - RS. Com efeito, somente após o julgamento dos embargos é que os tribunais começaram a observar a impossibilidade de conversão do tempo de serviço comum em especial.

Dito por outras palavras, em 26/11/2014, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar os Embargos de Declaração no Recurso Especial Repetitivo n. 1.310.034, fixou entendimento no sentido de ser a lei vigente por ocasião da aposentadoria aplicável à conversão entre tempos de serviço especial e comum. Essa decisão fora publicada em 02 de fevereiro de 2015.

Até 26/11/2014, tínhamos repetitivos antagônicos (1.151.363/MG x 1.310.034). No repetitivo nº 1.151.363/MG se considerou o direito adquirido à conversão do tempo de serviço especial em comum, conferido pela legislação da época da prestação do serviço, no que não difere o caso da conversão do tempo comum para especial (invertida).

Quem melhor analisou tais aspectos foi a juíza federal Luciane Merlin Clève Kravetz, na decisão que assim restou ementada:

A conversão do tempo de serviço comum em especial é possível até a edição da lei nº 9032/95. 3. Demonstrado o tempo de serviço especial por 15, 20 ou 25 anos, conforme a atividade exercida pelo segurado e a carência, é devida à parte autora a aposentadoria especial, nos termos da Lei nº 8.213/91. (TRF4, AC 5004349-32.2012.4.04.7100, SEXTA TURMA, Relator para Acórdão JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 04/07/2013)

Oportuna a transcrição da sua conclusão:

Assim, repito, vejo decisões antagônicas nos repetitivos citados, já que o REsp nº 1.151.363/MG, argumenta da irrelevância de um fator numericamente descrito por uma regra previdenciária de conversão, pois trata-se apenas de regra matemática de proporcionalidade: "Isso é possível porque a adoção deste ou daquele fator de conversão depende, tão somente, do tempo de contribuição total exigido em lei para a aposentadoria integral, ou seja, deve corresponder ao valor tomado como parâmetro, numa relação de proporcionalidade, o que corresponde a um mero cálculo matemático. Explica-se ... Trata-se de regra matemática pura e simples e não de regra previdenciária" revelando um exame percuciente do espírito norteador das determinantes de um cálculo atrelado ao tempo necessário para a obtenção de aposentadoria integral (lei em vigor à época da DER) e, concomitantemente, se pauta no REsp nº 956110/SP que afirma o direito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversão: "trabalhador que tenha exercido atividade em condições especiais, mesmo que posteriores a maio de 1998, tem direito adquirido, protegido constitucionalmente, à conversão do tempo de serviço, de forma majorada, logo se contrapõe a ideia da necessidade de uma regra que disponha sobre um direito já assegurado (à conversão).

 

E, ao contrário, em razão de um singelo argumento desconectado das proposições de base à conclusão das premissas balizadoras da construção lógica promovida pelo REsp nº 1.151.363/MG, o Relator do Resp nº 1.310.034 pretendeu afirmar que, inexistindo uma lei de conversão à época de concessão, restariam extintos direitos adquiridos.

 

Então chegaríamos ao absurdo de afirmar que existindo uma regra ao tempo da DER admitindo a guerreada conversão, poderíamos aproveitar este direito adquirido e, ao contrário, inexistindo, não seria possível aproveitá-lo, e, ainda uma terceira hipótese, caso requerida a suspensão do processamento da aposentadoria na ocasião da inexistência de regra, em razão desta impossibilidade de obter a conversão para a aposentadoria, na superveniência de criação da regra, passaria a poder aproveitar o tempo. Alavancar a possibilidade de utilização deste tempo com prerrogativas de conversão decorreria, exclusivamente, da regra de conformação e não apenas da observância da regra para o jubilamento. Não vejo como sustentar a inexistência de hibridismo.

 

O que não se pode afirmar é que não estamos diante de um direito adquirido à conversão, pois assim fosse, sequer se poderia lançar mão deste tempo pretérito diferenciado quanto à conversão, segundo previsão da legislação da época da prestação, mesmo diante da existência de regra de conversão na DER. O direito adquirido não se revela em razão da emergência de regra futura. Se não existe, quando na DER não houver mais um regramento de mesmo teor, também não existiria na existência de um regramento tal.

 

Em suma, o último repetitivo referido defende a lógica de que apenas a regra nova de conversão, teria o condão de perfectibilizar o exercício do próprio direito adquirido à conversão. Acabou, então, por não apresentar argumentos para fundamentar a necessidade de regra nova, invocando apenas as disposições do item "b" do REsp nº 1.151.363/MG, como fundamento da conclusão a que chegou, o qual não indica necessidade de regra nova, até afasta tal condição, porquanto tem como premissa a existência de um tempo com prerrogativas de conversão já asseguradas, bastando apenas um cálculo matemático de proporcionalidade para seu aproveitamento.

 

Assim, diante de Repetitivos antagônicos, quanto à própria essência de preservação de princípios constitucionais que mantenho a posição da 3ª Seção, até mesmo por ter a compreensão de que o REsp nº 1.151.363/MG reflete respeito a esses princípios constitucionais implicados na solução da questão trazida a exame.

A orientação a ser seguida ao tempo da decisão rescindenda, portanto, não era clara e extreme de dúvidas interpretativas.

Mesmo após a publicação da decisão do Superior Tribunal de Justiça, a interpretação da matéria de fundo continuou controvertida. Tanto é que, em 20/02/2015, o Supremo Tribunal Federal posicionou-se sobre tema no RE 858.261/RS, in verbis:

 

4. O Tribunal de origem assentou que o § 3º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991 (norma originária) permitia ao segurado converter tempo comum em especial para fins de aposentadoria especial. Decidiu-se, ainda, ter o Recorrido preenchido os requisitos da aposentadoria especial:

 

Até 27/04/1995, era possível ao segurado converter o tempo de serviço comum em especial para fins de concessão do benefício de aposentadoria especial, a teor da redação original do § 3º do art. 57 da Lei n. 8.213, de 1991. Isso apenas foi vedado a partir da edição da Lei n. 9.032, publicada em 28-04-1995.(...)

A utilização do redutor no tempo de serviço rural se justifica, pois se trata de tempo de serviço comum na forma do art. 55, inciso I, da Lei n. 8.213/91 em cotejo com o art. 64 do Decreto n. 357/91, inexistindo diferenciações com o tempo de serviço exercido na esfera privada ou pública, militar, urbana ou rural para fins de conversão anterior a Lei n. 9.032/95.

No presente caso as atividades foram prestadas em períodos anteriores à vigência do referido diploma legal, assim possível a conversão de tempo de serviço comum em especial do período de 11- 11-1974 a 19-02-1978 (tempo rural reconhecido em ação judicial - Evento 1, PROCADM7), o que resulta em 02 anos, 03 meses e 27 dias de tempo especial.

Da conversão da aposentadoria por tempo de contribuição em Aposentadoria especial

Para fazer jus à aposentadoria especial, deve a parte autora preencher os requisitos previstos no art. 57 da Lei de Benefícios, quais sejam, tempo de serviço (no caso, 25 anos) e carência mínima.

Com relação ao tempo de serviço, somando-se o período judicialmente reconhecido, o autor demonstrou ter desempenhado atividade especial por 29 anos e 03 meses, suficientes à concessão da aposentadoria especial pretendida.

A carência exigida já foi verificada por ocasião da concessão da aposentadoria por tempo de contribuição.

Desse modo, contando a parte autora mais de 25 anos de tempo de serviço especial e cumprida a carência exigida, tem direito à concessão do benefício de aposentadoria especial” (fls. 43-44, doc. 2, grifos nossos).

 

Esse entendimento harmoniza-se com a jurisprudência deste Supremo Tribunal, pela qual se assentou dever a averbação de tempo serviço ser realizada considerando-se a legislação vigente ao tempo da prestação do serviço (princípio tempus regit actum). Em caso idêntico aos dos autos:

 

“O acórdão recorrido entendeu que o trabalhador ‘fará jus à conversão do tempo de atividade especial se assim considerado à época da prestação do serviço, mesmo que não tenha implementado todas as condições para concessão do benefício até a edição da Lei 9.032/95.’

No presente caso o Instituto Nacional de Seguridade Social - INSS alega que o recorrido não possui direito adquirido e que o caso seria de mera expectativa de direito.

O parágrafo 3º do artigo 57 da Lei n. 8.213, de 1990, em sua redação original, estabelecia:

‘§ 3º - O tempo de serviço exercido alternadamente em atividade comum e em atividade profissional sob condições especiais que sejam ou venham a ser consideradas prejudiciais à saúde ou à integridade física será somado, após a respectiva conversão, segundo critérios de equivalência estabelecidos pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social, para efeito de qualquer benefício.’

A Lei n. 9.032, de 1995, alterou o citado parágrafo, que passou a ter a seguinte redação:

‘§ 3º - A concessão de aposentadoria especial dependerá de comprovação pelo segurado, perante o INSS, do tempo de trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante um período mínimo fixado.’

No período anterior ao advento da Lei n. 9.032, de 1995, a legislação previdenciária concedia o benefício de acordo com a atividade profissional. Com a edição da norma supra mencionada, passou a ser expressamente exigida a comprovação da efetiva exposição aos agentes nocivos, através de laudo técnico.

Verifica-se que o tempo de serviço prestado pelo empregado foi anterior à edição da Lei n. 9.032, de 1995, conforme documentos de folhas 12/17 e 19/20. Além disso, a atividade era considerada como insalubre, na forma dos Decretos nos 53.831, de 1964 e 83.080, de 1979.

O acórdão recorrido, ao entender que a classificação da atividade como especial deve observar os requisitos previstos na Lei n. 8.213, de 1990, não divergiu da jurisprudência desta Corte no sentido de que a averbação de tempo se serviço deve ser realizada levando em consideração a legislação vigente ao tempo da prestação do serviço.

Esse posicionamento foi adotado por esta Corte, em casos de contagem de tempo de serviço especial de servidores públicos celetistas, que exerceram atividade insalubre, antes da conversão ao regime estatutário.

Nesse sentido, o RE 367.314, 1ª T., Rel. Sepúlveda Pertence, DJ 14.05.04; e o RE 352.322, 2ª T., Rel. Ellen Gracie, DJ 19.09.03, no qual a relatora consignou em seu voto:

‘O recorrente laborou em condições insalubres à época em que a legislação celetista permitia a contagem qualificada do tempo de serviço para efeito de aposentadoria. Logo, tal direito se encontra incorporado a seu patrimônio jurídico, ainda que posteriormente tenha havido mudança para o Regime Jurídico Único.’

Dessa forma, o serviço prestado antes da entrada em vigor da Lei no 9.032, de 1995, deve ser caracterizado como especial em virtude da atividade, não se exigindo o laudo previsto na citada lei.

Assim, nego provimento ao recurso extraordinário” (RE 392.559, Relator o Ministro Gilmar Mendes, Segunda Turma, DJ 3.3.2006). (g. n.)

 

Ainda em 2015, na Turma Nacional de Uniformização, uma decisão monocrática proferida no processo 5010516-29.2012.404.7112, de relatoria do Exmo. Juiz Federal João Batista Lazzari, reconheceu: “a conversão do tempo comum em especial é permitida para fins de obtenção da aposentadoria especial, relativamente a atividades prestadas anteriormente à Lei 9.032/95, mesmo que o segurado só reúna condições para a concessão do benefício após tal marco.”

Tanto é assim que o próprio Superior Tribunal de Justiça admitiu Recurso Extraordinário nos Embargos de Declaração no Agravo em Recurso Especial 533.407, como representativo de controvérsia, nos termos do 543-B, §1º, do CPC. Vale transcrever o seguinte trecho da decisão:

No caso, a controvérsia diz respeito à possibilidade de conversão de tempo de serviço comum em especial para fins de obtenção de aposentadoria especial, relativamente a atividades prestadas anteriormente à vigência da Lei n.º 9.032/1995, ainda que o segurado tenha preenchido os requisitos para o benefício somente após a edição da referida lei.

Ante o exposto, presentes os pressupostos de admissibilidade, ADMITO o recurso extraordinário como representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-B, § 1.º, do Código de Processo Civil.

Remetam-se os autos ao Supremo Tribunal Federal. Publique-se.

Intimem-se.

Brasília (DF), 23 de setembro de 2015.

Por fim, em 21/04/2017, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão, por não se tratar de matéria constitucional, vencido o Ministro Marco Aurélio. Não se manifestaram os Ministros Gilmar Mendes e Cármen Lúcia.

Ainda que se entenda pelo imediato julgamento dos processos, isto é, independemente do trânsito em julgado do paradigma, não há como se negar a existência de divergência sobre a interpretação acolhida pelo Superior Tribunal de Justiça. É como explica a doutrina de Luiz Guilherme Marinoni, Sério Cruz Arenhart e Daniel Metidiero:

a sentença que possui interpretação divergente daquela que é estabelecida pela doutrina e pelos tribunais, exatamente pelo fato de que interpretações diversas são plenamente viáveis e lícitas enquanto inexistente precedente constitucional ou federal firme sobre a questão, não abre ensejo para a ação rescisória.[2]

Para Humberto Theodoro Júnior:

A nosso ver, enquanto perdura a controvérsia nos tribunais acerca da interpretação de uma lei, é razoável admitir que permanece válida a tese da Súmula nº 343, visto que a decisão que eventualmente opte por um dos entendimentos em confronto não tem condições de ser qualificada como manifestamente violadora da norma de sentido não unívoco.[3]

Se a jurisprudência tivesse firme nos tribunais superiores, não haveria necessidade de o próprio Superior Tribunal de Justiça admitir recurso extraordinário como representativo da controvérsia, nos termos do art. 543-B, § 1º, do Código de Processo Civil. A decisão, portanto, deixou ressaibo de dúvida, o que atrai a incidência da Súmula 343/STF:

 

SEGUNDO AGRAVO REGIMENTAL NA AÇÃO RESCISÓRIA. INEXISTÊNCIA DE VIOLAÇÃO A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI. SÚMULA 343 DO STF. INCIDÊNCIA TAMBÉM NOS CASOS EM QUE A CONTROVÉRSIA DE ENTENDIMENTOS SE BASEIA NA APLICAÇÃO DE NORMA CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Não cabe ação rescisória, sob a alegação de ofensa a literal dispositivo de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos tribunais, nos termos da jurisprudência desta Corte. 2. In casu, incide a Súmula 343 deste Tribunal, cuja aplicabilidade foi recentemente ratificada pelo Plenário deste Tribunal, inclusive quando a controvérsia de entendimentos se basear na aplicação de norma constitucional (RE 590.809, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 24/11/2014). 3. Agravo regimental a que se nega provimento. (STF, AR 1415 AgR-segundo, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09/04/2015, grifei)

Cumpre observar a orientação fornecida no julgamento do Recurso Extraordinário 590.809, no sentido de que o verbete 343 deve ser observado em situação jurídica na qual: “inexistente controle concentrado de constitucionalidade, haja entendimentos diversos sobre o alcance da norma, mormente quando o Supremo tenha sinalizado, num primeiro passo, óptica coincidente com a revelada na decisão rescindenda”.

Nessa decisão, o colendo Supremo Tribunal Federal reafirmou o teor de sua Súmula 343 (Não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais), além de esclarecer que não é apropriado o manejo de ação rescisória para “uniformização da jurisprudência” (RE 590.809).

Se nem mesmo nas hipóteses em que a ação rescisória estiver fundada em violação a dispositivo constitucional é recomendado o afastamento da Súmula 343 do STF, o que dirá numa situação em que a jurisprudência era iterativa no mesmo sentido do acórdão da rescisão.

A superveniente alteração da posição do Superior Tribunal de Justiça não acarreta, por si só, violação de disposição legal, senão evidencia que os entendimentos manifestados a favor e contra a tese do segurado eram plausíveis e, assim, não se configura a hipótese do art. 966, V, do CPC.

III – DO ENFOQUE EMINENTEMENTE CONSTITUCIONAL NA SOLUÇÃO DO CASO CONCRETO

Não menos importante, mas talvez ainda mais importante, a decisão encontra-se fundamentada na jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que dirimiu a questão sob enfoque eminentemente constitucional, vale dizer, com fundamento na garantia constitucional do direito adquirido.

O Desembargador João Batista Pinto Silveira, da 6ª Turma do TRF da 4ª Região, foi quem melhor tratou do assunto, no voto-vista proferido no julgamento da Apelação 5047834-19.2011.404.7100.[4] Para o julgador, o direito adquirido refere-se à própria conversão, direito à contagem diferenciada, mediante o cumprimento integral do fato gerador, o que não depende de lei futura que venha a garantir (ou não) direito à conversão.[5]

Tratam-se, portanto, de prerrogativas agregadas pelo comando da regra autorizadora. Nesse sentido, o nobre desembargador aduz:

Poderíamos afirmar que a este tempo comum foi conferido um status de tempo especial, consubstanciado na possibilidade de ser computado como especial. Estas garantias são conferidas por opção legislativa e não se mostra razoável conferir um direito que não possa ser utilizado ao tempo da aposentadoria, na ausência de lei que venha a garantir o que já estava garantido.

Mas no que isso importa? O magistrado não está obrigado a aplicar um precedente em que não se perquiriu a compatibilidade do direito à conversão com a Constituição (entendida, à toda evidência, no seu todo principiológico). Pelo contrário. A ele cabe a atividade judiciante. Não se trata de ignorar a existência de um precedente (de observação obrigatória), mas de uma recusa a sua aplicação diante da necessidade de uma resposta constitucionalmente adequada ao caso concreto.

Na espécie, portanto, a questão não pode ser analisada em relação ao precedente do STJ, no sentido de rebeldia judiciária. Em resumo, a decisão rescindenda pode estar correta, justamente, por respeitar a garantia do direito adquirido.

IV – IGUALDADE E SEGURANÇA JURÍDICA

A preocupação da Desembargadora Taís Schilling Ferraz em relação aos §§ 15 e 8º, dos arts. 525 e 535, do CPC/2015 se aplica aqui:

A insegurança jurídica gerada pela possibilidade de que muitos anos após o trânsito em julgado de uma ação individual, seja possível a reversão do decidido, porque o STF decidiu, num caso paradigma, de forma diversa sobre o tema constitucional, será confrontada com a necessidade do tratamento isonômico dos destinatários da norma, exigindo dos julgadores difícil ponderação de valores, bem como a eventual definição de regras mínimas de modulação de efeitos, de forma a preservar atos praticados com base na estabilidade gerada por uma decisão judicial que fez coisa julgada.[6]

Não estamos falando, aqui, de uma violação frontal e evidente a dispositivo de lei, mas, e isso sim, de uma mudança na jurisprudência do STJ. Até, no mínimo, 02 de fevereiro de 2015, as partes acreditavam estar seguindo uma orientação pacificada sobre o tema.

Nesse nível, centenas de benefícios foram concedidos mediante a conversão do tempo de serviço comum em especial. Por óbvio, a revogação dessa jurisprudência causou surpresa e injustiça a todos que nela pautaram sua conduta. A desconstituição da coisa julgada, por meio de ações rescisórias, está gerando um estado generalizado, de descrença e decepção jurídica.

Por outro lado, cumpre perguntar: e as decisões que transitaram em julgado no âmbito dos Juizados Especiais Federais, já que vedada a ação rescisória (Lei 9.099/95, art. 59). Como explicar a vedação da ação rescisória contra decisões do JEF? Elas valem mais ...são inquebrantáveis? A situação reclama igual consideração perante o Poder Judiciário.

V – DA OBRIGATÓRIEDADE DE UM NOVO JULGAMENTO

Na hipótese de ser reconhecida a hipótese de manifesta violação à norma jurídica, a cumulação do pedido de rescisão da decisão de mérito com um novo julgamento é obrigatória, conforme prevê o art. 968, inc. I, do CPC [CPC/73, art. 488, I]. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni, Sérgio Cruz Arenhart e Daniel Metidiero[7] explicam

Afirma o referido art. 968, I, que o autor da rescisória deve “cumular ao pedido de rescisão, se for o caso, o de novo julgamento da causa”. Isso quer dizer que, sendo o caso de “novo julgamento”, não obsta apenas o pedido de rescisão (iudicium rescissorium rescindens), sendo necessário o pedido de “novo julgamento” (iudicium rescissorium). Mais precisamente, nas hipóteses em que não é suficiente a rescisão, o pedido de “novo julgamento” deve ser cumulado.

V.1 – MUDANÇA NO ESTADO DE DIREITO

A situação substancial da lide formada pela res iudicata pode sofrer modificações em virtude de fatos ou normas supervenientes.[8]

Na formação do precedente do STJ (Tema 546/STJ), acabou prevalecendo o princípio tempus regit actum. Por outras palavras, o STJ consolidou o entendimento de que as regras de conversão devem observar a lei vigente na DER, o que significa dizer que não existe direito adquirido à conversão do tempo de serviço, pois tudo vai depender da regra vigente na data em que preenchidos os requisitos ensejadores do benefício.

Eis que o art. 25, § 2º, da EC 103/2019 veio assegurar o direito adquirido à conversão até a data de entrada em vigor da Emenda.

Art. 25. Será assegurada a contagem de tempo de contribuição fictício no Regime Geral de Previdência Social decorrente de hipóteses descritas na legislação vigente até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional para fins de concessão de aposentadoria, observando-se, a partir da sua entrada em vigor, o disposto no § 14 do art. 201 da Constituição Federal.

[...]

§ 2º Será reconhecida a conversão de tempo especial em comum, na forma prevista na Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, ao segurado do Regime Geral de Previdência Social que comprovar tempo de efetivo exercício de atividade sujeita a condições especiais que efetivamente prejudiquem a saúde, cumprido até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional, vedada a conversão para o tempo cumprido após esta data

Desenha-se aqui uma distinção entre o direito ao benefício e o direito à conversão do tempo de serviço especial em comum, sendo que o direito adquirido se aplica a ambas. Ou seja, o legislador reconheceu a existência de direito adquirido à conversão de tempo. Assim sendo, a mudança no Estado de Direito autoriza a revisão do que foi estatuído na sentença, conforme inciso I do art. 505 do CPC/2015.

Existe, portanto, o direito adquirido à conversão do tempo de serviço especial em comum e vice-versa.

V.2 – DA POSSIBILIDADE DE MODULAÇÃO DE EFEITOS

A mudança de entendimento na jurisprudência impede a aplicação de precedentes que tenham operado alguma mudança na orientação antes seguida como consolidada. Decerto, há que se verificar se a ação originária foi ajuizada na vigência de uma orientação pacificada sobre a possibilidade de conversão do tempo de serviço comum e especial e/ou se a decisão foi proferida antes da mudança de entendimento.

Na questão envolvendo o Tema 975, o STJ está modulando os efeitos da decisão, caso a caso, reconhecendo a impossibilidade de novo julgamento para alinhamento com a atual jurisprudência:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. ENTENDIMENTO DO STF NO RE 626.489 EM REPERCUSSÃO GERAL. APLICAÇÃO DA DECADÊNCIA SOBRE QUESTÕES NÃO ANALISADAS PELA ADMINISTRAÇÃO. SITUAÇÃO DIVERSA DA DECIDIDA PELO STF. 1. Na hipótese dos autos, o acórdão recorrido assentou a seguinte tese: ‘O posicionamento do STJ é o de que, quando não se tiver negado o próprio direito reclamado, não há falar em decadência. Consoante se extrai dos autos, não houve indeferimento do cômputo do tempo de serviço especial, uma vez que não chegou a haver discussão a respeito desse pleito. Efetivamente, o prazo decadencial não poderia alcançar questões que não foram aventadas quando do deferimento do benefício e que não foram objeto de apreciação pela Administração’. 2. Por sua vez, o Supremo Tribunal Federal, quando examinou o RE 626.489/SE (Tema 313), apontado como paradigma do juízo de retratação, assim decidiu: "O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário." 3. In casu, o acórdão do STJ não afrontou o que foi decidido no RE 626.489/SE. Este julgamento da Suprema Corte não analisou a aplicação do prazo decadencial quando a controvérsia não é objeto de exame pelo INSS no ato de concessão. A decisão paradigma do STF somente tratou da aplicação de direito intertemporal, a qual é distinta deste caso, qual seja, a não aplicação da decadência sobre questões não apreciadas pela Administração. 4. Recurso Especial, em juízo de retratação negativo, provido. (REsp 1572059/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 06/10/2020, DJe 18/12/2020)

Oportuna a citação do seguinte trecho:

Como facilmente se observa, o presente caso foi julgado em momento anterior à mudança de entendimento por esta Corte, o que impede seja rejulgado para alinhamento com a atual jurisprudência, em respeito ao princípio da segurança jurídica. [...]

Ante o exposto, alinho-me ao voto do eminente Ministro Herman Benjamin para proferir juízo de retratação negativo, não só em razão de o caso tratar de matéria diversa do objeto do RE 626.489/SE, mas, também, por sua natureza infraconstitucional, por observância do princípio da segurança jurídica e do disposto no art. 24, parágrafo único, da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro.

A situação é plenamente adaptável ao caso. É possível (ainda) a modulação de efeitos como forma de minimizar os resultados nefastos de tal decisão, vale dizer, a partir da problematização do precedente. Segundo o art. 6º da LINDB: “A Lei em vigor terá efeito imediato e geral, respeitados o ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.”

O CPC, no artigo 927, § 3º, permitiu a modulação dos efeitos, ao dispor que “na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação de efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica”.

Como ensina a melhor doutrina, a uniformização de jurisprudência atende à segurança jurídica, à previsibilidade, à estabilidade, ao desestímulo à litigância excessiva, à confiança, à igualdade perante a jurisdição, à coerência, ao respeito à hierarquia, à imparcialidade, ao favorecimento de acordos, à economia processual (de processos e de despesas) e à maior eficiência.[9]

Com a alteração da LINDB, deu-se um passo além. A modulação dos efeitos foi transportada para o âmbito do processo administrativo e para o dos processos judiciais de instâncias inferiores.

No plano constitucional, os §§ 13 do art. 525 e 6º do art. 535 deixam claro a importância da modulação de efeitos das decisões do STF, de modo a favorecer a segurança jurídica. A essa altura há que se perguntar como interpretar a exigência de estabilidade e, sobretudo, “coerência” da e na jurisprudência, como se observa no seu art. 926 do CPC (“os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”).

V.3 – DA SUBSTITUIÇÃO DO PEDIDO DE CONVERSÃO INVERTIDA PELO PEDIDO DE RECONHECIMENTO COMO ESPECIAL DO PERÍODO

Não se pretende negar eficácia ao art. 329, inciso II, do NCPC, o que seria uma loucura, mas lhe imprimir um sentido mais humano e social. Assim, por exemplo, no processo 5011264-73.2012.4.04.7108/RS, reaberta a instrução processual, por conta do acolhimento de uma preliminar de cerceamento de defesa, o magistrado admitiu a substituição de um pedido de conversão do tempo de serviço comum em especial por um pedido de reconhecimento, como tempo de serviço especial, dos mesmos períodos.

A Desembargadora Gisele Lemke manteve a sentença, reafirmando a necessidade de se observar a condição posta pelo INSS, mais especificamente no que tange aos efeitos financeiros:

 

O INSS se manifestou no Evento 131, PET1, concordando com a inclusão do pedido adicional de reconhecimento da especialidade dos períodos, condicionando a sua concordância ao pagamento das parcelas atrasadas do benefício apenas após a data do segundo requerimento administrativo, que ocorreu em 12/08/2015 (Evento 118, PROCADM2). O autor não se manifestou sobre a concordância do INSS e seus termos.

Assim, uma vez que o autor só poderia aditar a inicial com o consentimento do réu e considerando que esse consentimento foi vinculado ao pagamento das parcelas atrasadas apenas a partir do segundo requerimento administrativo, não há como, nestes autos, ser deferido o pedido de reconhecimento de efeitos financeiros a contar da primeira DER, devendo ser mantida a sentença que fixou o termo inicial dos efeitos financeiros na segunda DER do benefício, em 12/08/2015.[10]

É necessário sublinhar que a revogação de uma jurisprudência consolidada relativa à possibilidade de conversão do tempo de serviço comum, prestado até a data anterior à Lei 9.032/95, em especial causou surpresa e injustiça a todos que nela pautaram sua conduta. E isso porque havia justificada confiança na jurisprudência dos tribunais de apelação. Nesses casos, verifica-se a possibilidade de uma “angularização” do que está em jogo, já que tal mudança desorientou os indivíduos que compõem a relação processual, desde que observado o contraditório. 

Acrescente-se a tudo isso os inúmeros poderes conferidos ao juiz para dirigir o processo com maior efetividade, entre os quais cabe mencionar a possibilidade que ele terá de dilatar os prazos processuais podendo, inclusive, alterar a ordem de produção dos meios de prova para atender as peculiaridades do conflito (NCPC, art. 139, VI). No processo previdenciário, o julgador deve utilizar dos seus poderes instrutórios, o que não pressupõe parcialidade, mas inclui interesse do próprio Instituto Nacional do Segurado Social (INSS), pois a função da Autarquia é proteger socialmente seus segurados.

A questão que (sempre) se coloca é: seria razoável admitir a necessidade de o segurado ajuizar uma nova ação previdenciária para ver reconhecida a especialidade de um período sobre o qual o juiz tem, ainda no processo em curso, condições de exercer seu juízo de certeza? E mais: é razoável premiar o INSS com eventual subtração dos valores devidos desde o implemento dos requisitos ensejadores do benefício previdenciário?

Como já ouvi dizer Wilson Engelmann: “O Direito Processual precisa ganhar o mundo onde os fatos acontecem e esperam uma solução razoável.”

V.4 – DA REAFIRMAÇÃO DE DER

Na hipótese de ser reconhecida a manifesta violação à norma jurídica, nas ações de concessão de aposentadoria especial será possível a reafirmação de DER naqueles casos em que o segurado permaneceu no trabalho insalubre. Para conformar tal entendimento e demonstrar a viabilidade de reafirmação de DER nos autos de uma ação rescisória:

Trata-se de ação rescisória proposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social buscando, com base em manifesta violação de norma jurídica (art. 966, V, do NCPC), a desconstituição de acórdão prolatado pela Colenda Sexta Turma deste Tribunal (processo 0002718-35.2016.404.9999/TRF), que concedeu aposentadoria por tempo de contribuição, com a consideração dos tempos especiais de 03/02/1998 a 31/12/1999 e de 19/11/2003 a 31/12/2008, sem relevar que o segurado estava em gozo de benefício previdenciário por incapacidade entre 20/10/2012 e a DER reafirmada para 29/08/2013, de modo que tal interregno não poderia ser computado para efeito da aposentadoria concedida. Sustenta o autor que a decisão rescindenda incorreu em erro de fato, pois ignorou que o autor se encontrava em gozo de benefício por incapacidade não intercalado com período contributivo no período considerado para a reafirmação da DER, o que impede a consideração do tempo para efeito de carência. Refere, ainda, que houve manifesta violação a norma, dispositivos legais dos artigos 201, § 7º, I, da CF/88 e 55, II, da Lei nº 8.213/91. Requer, liminarmente, a suspensão dos atos de execução/cumprimento de sentença no processo nº 109/1.13.0003096-4. É o breve relato. Decido. O acórdão vergastado assim fundamentou o julgamento, no que se refere ao período objeto de pedido rescisório: "... Da concessão do benefício No caso, somando-se o tempo de labor rural judicialmente admitido, 6 meses e 15 dias, o acréscimo de tempo decorrente do reconhecimento judicial da atividade especial, 2 anos, 5 meses e 23 dias, e o tempo de serviço já reconhecido na via administrativa, 31 anos, 8 meses e 1 dia,  (documento de fl. 113), a parte autora possui, até a DER, 24/09/2012,  34 anos, 8 meses e 9 dias, não fazendo jus, portanto, à Aposentadoria por Tempo de Contribuição de acordo com as regras permanentes. Resta a análise quanto ao cabimento da aplicação ao caso das regras de transição. A regra de transição instituída pelo artigo 9.º da Emenda Constitucional n.º 20/98 assegura a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição proporcional ou integral ao segurado que se tenha filiado ao Regime Geral de Previdência Social até 15/12/1998, mas não tenha atingido o tempo de serviço necessário para o reconhecimento do direito ao benefício proporcional ou integral exigido pela legislação de regência até 16/12/1998. Nessa esteira, para fazer jus à aposentadoria por tempo de contribuição proporcional, o segurado deve implementar a idade de 53 anos e cumprir o tempo mínimo de 30 anos de serviço, se homem, e a idade de 48 anos e cumprir o tempo mínimo de 25 anos de serviço, se mulher, além da carência prevista no art. 142 da LB e, finalmente, o pedágio. O tempo de serviço, conforme já mencionado acima, foi observado. A carência necessária, em face do disposto no art. 142 da Lei de Benefícios também foi devidamente cumprida. O requisito etário, contudo, não resta cumprido. Com efeito, nascida em 16/08/1968, a parte autora contava, na DER, com 44 anos e 1 mês. Assim, resta prejudicada a análise quanto ao cumprimento do período adicional de contribuição equivalente a 40% (quarenta por cento) do tempo que, na data da publicação da referida emenda, faltava para atingir o tempo mínimo de serviço - pedágio. Reafirmação da DER Em consulta ao CNIS, como determina o artigo 29-A da Lei n.º 8.213/91, verifica-se que após a DER (24/09/2012), o autor manteve o vínculo empregatício com a empresa Metasa S/A até 09/09/2013. A implementação, após a entrada do requerimento administrativo, dos requisitos para recebimento do benefício pode ser considerada como fato superveniente, apto a ensejar a reafirmação da DER. Tal procedimento está consolidado administrativamente na Instrução Normativa nº 45/2011: Art. 623. Se por ocasião do despacho, for verificado que na DER o segurado não satisfazia as condições mínimas exigidas para a concessão do benefício pleiteado, mas que os completou em momento posterior ao pedido inicial, será dispensada nova habilitação, admitindo-se, apenas, a reafirmação da DER. A mesma regra foi mantida no art. 690 da Instrução Normativa n. 77/2015: Art. 690. Se durante a análise do requerimento for verificado que na DER o segurado não satisfazia os requisitos para o reconhecimento do direito, mas que os implementou em momento posterior, deverá o servidor informar ao interessado sobre a possibilidade de reafirmação da DER, exigindo-se para sua efetivação a expressa concordância por escrito. Parágrafo único. O disposto no caput aplica-se a todas as situações que resultem em benefício mais vantajoso ao interessado. Com efeito, a jurisprudência da 3.ª Seção desta Corte orienta-se no sentido da possibilidade de reafirmação da DER computando-se o tempo de contribuição entre a data do requerimento e a data do ajuizamento na ação, na hipótese de a parte autora não implementar o tempo mínimo para o benefício até aquela data (EI nº 5007742-38.2012.4.04.7108, TRF4, 3ª Seção, juntado aos autos em 30/08/2016). Assim, a DER deve ser reafirmada para a data do ajuizamento da ação, em 29/08/2013, quando tinha direito à Aposentadoria por tempo de Contribuição (35 anos, 7 meses e 14 dias), a ser calculada com renda mensal de 100% do salário de benefício e incidência do fator previdenciário, nos termos dos arts. 52 e 53, I e II, da Lei n.º 8.213/91, c/c o art. 201, § 7.º, da Constituição Federal. ..." Ocorre que - como sustenta o INSS na inicial desta rescisória -  o acórdão rescindendo partiu de pressuposto equivocado, para a reafirmação da DER e consequente cômputo do período de  10/2012 até 08/2013 para efeito de carência. Isso porque, no referido interregno o autor estava em gozo de benefício de auxílio-doença (conforme CNIS acostado a inicial) e assim tal período somente poderia ser computado para efeito de carência e tempo de serviço se intercalado com períodos de trabalho efetivo (Lei 8.213/91, art. 55, II), o que não se verificou. A tal respeito, confira-se o entendimento do Supremo Tribunal Federal,  no julgamento do RE 583.834, realizado na sessão de 21.09.2011: CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CARÁTER CONTRIBUTIVO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. LIMITES. 1. O caráter contributivo do regime geral da previdência social (caput do art. 201 da CF) a princípio impede a contagem de tempo ficto de contribuição. 2. O § 5º do art. 29 da Lei nº 8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social - LBPS) é exceção razoável à regra proibitiva de tempo de contribuição ficto com apoio no inciso II do art. 55 da mesma Lei. E é aplicável somente às situações em que a aposentadoria por invalidez seja precedida do recebimento de auxílio-doença durante período de afastamento intercalado com atividade laborativa, em que há recolhimento da contribuição previdenciária. Entendimento, esse, que não foi modificado pela Lei nº 9.876/99. 3. O § 7º do art. 36 do Decreto nº 3.048/1999 não ultrapassou os limites da competência regulamentar porque apenas explicitou a adequada interpretação do inciso II e do § 5º do art. 29 em combinação com o inciso II do art. 55 e com os arts. 44 e 61, todos da Lei nº 8.213/1991. 4. A extensão de efeitos financeiros de lei nova a benefício previdenciário anterior à respectiva vigência ofende tanto o inciso XXXVI do art. 5º quanto o § 5º do art. 195 da Constituição Federal. Precedentes: REs 416.827 e 415.454, ambos da relatoria do Ministro Gilmar Mendes. 5. Recurso extraordinário com repercussão geral a que se dá provimento. (RE 583834, Relator(a):  Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 21/09/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-032 DIVULG 13-02-2012 PUBLIC 14-02-2012 RT v. 101, n. 919, 2012, p. 700-709, grifo meu). Neste mesmo sentido, ainda, o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça ao julgar o REsp nº 1.410.433, pela sistemática dos recursos repetitivos, na sessão de 11.12.2013, conforme ementa que transcrevo: PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ DECORRENTE DE TRANSFORMAÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REVISÃO DA RMI. ART. 29, II E § 5º, DA LEI 8.213/91 ALTERADO PELA LEI 9.876/99. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE NA APURAÇÃO DO VALOR INICIAL DOS BENEFÍCIOS. EXIGÊNCIA DE SALÁRIOS-DE-CONTRIBUIÇÃO INTERCALADOS COM PERÍODOS DE AFASTAMENTO POR INCAPACIDADE. RECURSO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal são unânimes em reconhecer a legalidade da apuração da renda mensal inicial - RMI dos benefícios de aposentadoria por invalidez oriundos de auxílio-doença. 2. Nos termos do disposto nos arts. 29, II e § 5º, e 55, II, da Lei 8.213/91, o cômputo dos salários-de-benefício como salários-de-contribuição somente será admissível se, no período básico de cálculo - PBC, houver afastamento intercalado com atividade laborativa, em que há recolhimento da contribuição previdenciária. 3. A aposentadoria por invalidez decorrente da conversão de auxílio-doença, sem retorno do segurado ao trabalho, será apurada na forma estabelecida no art. 36, § 7º, do Decreto 3.048/99, segundo o qual a renda mensal inicial - RMI da aposentadoria por invalidez oriunda de transformação de auxílio-doença será de cem por cento do salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal inicial do auxílio-doença, reajustado pelos mesmos índices de correção dos benefícios em geral. 4. Recurso especial desprovido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC. (REsp 1410433/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 11/12/2013, DJe 18/12/2013, grifo meu) Diante do entendimento firmado pelas Cortes Superiores, bem como neste Tribunal, o salário-de-benefício da prestação previdenciária por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) apenas será considerado para efeito de carência se o benefício for intercalado com períodos de trabalho remunerado e correspondente contribuição previdenciária. Assim, no caso dos autos, conforme extrato do CNIS transcrito na inicial fica evidente que foi considerado todo o tempo posterior a 10/2012 e até 08/2013 para efeito de carência, sem qualquer interregno de atividade remunerada. Por fim, destaco, ainda, que, muito embora a Terceira Seção deste Regional venha admitindo a consideração de fato superveniente no âmbito de ação rescisória (TRF4, AR 0012746-28.2012.404.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 21/01/2015; TRF4, AR 0013630-57.2012.404.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator Des. Federal LUIZ CARLOS DE CASTRO LUGON, unânime, D.E. 16/06/2015), verifico que, no caso, até o término do vínculo com a empresa METASA, em 09-2013, não foi verificado período de atividade, pois o benefício de auxílio-doença permanece ativo. Portanto, há elementos que evidenciam a probabilidade da rescisão do julgado postulada pelo autor na presente rescisória. A seu turno, o risco de dano a direito é representado pela possível irrepetibilidade de proventos de aposentadoria que, guardando caráter alimentar, venham a ser indevidamente pagos ao segurado. Diante da presença de elementos que evidenciam a probabilidade do direito à rescisão e da urgência do provimento, defiro a tutela provisória para suspender a execução do acórdão prolatado nos autos do processo 109/1.13.0003096-4 (CNJ nº 0006360-02.2013.8.21. Comunique-se com urgência. Cite-se o réu, com prazo de 15 (quinze) dias. Intimem-se. (TRF4 5018020-72.2018.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 28/05/2018)

Parece desnecessário, mas a reafirmação de DER não será possível nas ações de revisão, vale dizer: transformação da aposentadoria por tempo de contribuição em aposentadoria especial, por configurar uma “desaposentação”.

 

Escrito por Diego Henrique Schuster



[1] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil. 5. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012, v. 2: Procedimento comum: ordinário e sumário, p. 449.

[2] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sério Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 574.

[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil - execução forçada, processos nos tribunais, recursos e direito intertemporal. vol. 3. 49. ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 856.

[4] As decisões do Desembargador João Batista Pinto Silveiro encontram lugar de destaque na comunidade jurídica, porquanto sempre bem fundamentas/justificadas (nos termos de uma resposta correta-adequada-à-Constituição, a partir da exigência da máxima justificação), além de valorizar os direitos humanos como ponto de referência interpretativo legitimador e justificador das decisões.

[5] Essa decisão restou assim ementada: PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. CONVERSÃO DE TEMPO COMUM PRESTADO ATÉ A DATA ANTERIOR À LEI 9.032/95 EM ESPECIAL. POSSIBILIDADE. CONVERSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO EM APOSENTADORIA ESPECIAL. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Uma vez exercida atividade enquadrável como especial, sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconhecimento como tal. 2. Constando dos autos a prova necessária a demonstrar o exercício de atividade sujeita a condições especiais, conforme a legislação vigente na data da prestação do trabalho, deve ser reconhecido o respectivo tempo de serviço. 3. Possível a conversão do tempo de serviço comum em especial em relação a todo período de labor desempenhado até 24-08-1995, dia imediatamente anterior à vigência da Lei nº 9032/95, que alterou a redação do § 3º do art. 57 da Lei nº 8.213/91. É a norma de regência à época da prestação do serviço que autoriza o direito à conversão. Aperfeiçoado o fato gerador, dia a dia, segundo os critérios também definidos ao tempo da prestação, impõe-se a proteção constitucional em razão da configuração do direito adquirido, na linha da orientação reiterada do STJ (REsp 956110/SP). O atrelamento, para efeito de conversão, a uma fração proporcional ao tempo necessário para a obtenção de aposentadoria integral, à época em que preenchidos os requisitos para a concessão da aposentadoria (DER), é critério meramente matemático invocado em razão do princípio da isonomia, conforme repetitivo nº 1.251.363/MG. Até que esta lógica seja desconstruída sem ofensa a direito constitucionalmente protegido, mantém-se a orientação defendida no repetitivo 1.151.363/MG. 4. Contando o autor mais de 25 anos de tempo de serviço especial e implementada a carência exigida, tem direito ao benefício de aposentadoria especial, nos termos do artigo 57, caput, da Lei 8.213, de 24-07-1991, com renda mensal equivalente a 100% (cem por cento) do salário de benefício, desde a DER/DIB da aposentadoria por tempo de contribuição de que é atualmente titular descontados os valores já recebidos em virtude desta. 5. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).

[6] FERRAZ, Taís Schilling. O precedente na jurisdição constitucional: construção e eficácia do julgamento da questão com repercussão geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 113.

[7] MARINONI, Luiz Guilherme et alNovo Curso de Processo Civil. Volume 2. São Paulo: RT, 2015. p. 577.

[8] GUIMARÃES, Luiz Machado. Preclusão, coisa julgada, efeito preclusivo. In: Estudos de direito processual civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Jurídica Universitária,1969, p. 26-27.

 

[9] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. - 2. ed. rev. e atual. - Salvador: JusPodivm, p. 201.


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