O TEMA 975 (NÃO) ALCANÇA O PEDIDO DE REVISÃO FORMALIZADO DENTRO DO PRAZO DECADENCIAL

 

Poseidon tinha um filho chamado Procustos, que tinha uma cama de ferro; para adaptar seus “hóspedes” à cama, ele os esticava ou cortava seus membros. É bem possível que o mesmo esteja acontecendo com o Tema 975, isto é, estão subjugando todos os casos a uma única categoria, negligenciando os acontecimentos e limites semânticos do art. 103 da Lei 8.213/1991.

Mas como delimitar o alcance do Tema 975/STJ?

Não se precisa buscar a resposta correta no enfrentamento do que foi dito e pensado, mas no que não foi dito, além das circunstâncias do caso concreto. A fundamentação utilizada na formulação da orientação de que a decadência não alcança aquelas questões não apreciadas no ato de concessão também deve ser observada para se concluir qual a regra jurídica formulada no Tema 975, sendo que esta não abrange uma discussão sobre o que acontece depois que o beneficiário formula o seu pedido de revisão dentro do prazo decadencial.

A tese representativa da controvérsia, admitida no presente feito e no REsp 1.644.191/RS, foi assim fixada (Tema 975/STJ): “questão atinente à incidência do prazo decadencial sobre o direito de revisão do ato de concessão de benefício previdenciário do regime geral (art. 103 da Lei 8.213/1991) nas hipóteses em que o ato administrativo da autarquia previdenciária não apreciou o mérito do objeto da revisão.”

A discussão captura e lida com a diferença entre prescrição e decadência, esta última no intuito de saber se o direito de ação nasce (ou não) com a violação do direito.  Nesse nível, entendeu-se que a decadência incide sobre os direitos exercidos independentemente da manifestação de vontade do sujeito passivo do direito: “Não há falar, portanto, em impedimento, suspensão ou interrupção de prazos decadenciais, salvo por expressa determinação legal (art. 207 do CC).”

Com relação à redação do art. 103 da Lei 8.213/1991, o Superior Tribunal de Justiça centra e restringe sua análise ao termo inicial que toma como base o pedido de concessão de benefício previdenciário apenas, como fica claro no item 11 da ementa:

Isso é reforçado pelo art. 103 da Lei 8.213/1991, que estabelece de forma específica o termo inicial para o exercício do direito potestativo de revisão quando o benefício é concedido (‘a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação’) ou indeferido (‘do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo’).

Parece desnecessário, mas o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade 6.096, declarou a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991, por fulminar a pretensão de revisar ato de indeferimento, cancelamento ou cessação, compromete o direito fundamental à obtenção de benefício previdenciário (núcleo essencial do fundo do direito), em ofensa ao art. 6º da Constituição da República. Também o Tema 265 da TNU: "A impugnação de ato de indeferimento, cessação ou cancelamento de benefício previdenciário não se submete a qualquer prazo extintivo, seja em relação à revisão desses atos, seja em relação ao fundo de direito".

Decerto, o que resta para ser observado no precedente do STJ é tão somente o benefício concedido ("o primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação").

Deve ter ficado claro que, até aqui, nada se falou da ciência da decisão de indeferimento do pedido de revisão, apresentada como um segundo termo inicial para contagem do prazo decadencial, o qual pressupõe um pedido de revisão dentro do prazo de 10 anos, considerando – é óbvio – o primeiro termo inicial. Esse pedido de revisão do benefício, portanto, deve fazer cessar a inércia do segurado na via administrativa. Recomendo a leitura do artigo “O tema 975 alcança todas as situações de aplicação do art. 103 da lei de benefícios?[1]

É importante, igualmente, analisar o contexto apresentado no dia em que iniciado o julgamento do repetitivo. Acreditava-se na manutenção da orientação inaugurada pela própria Corte Cidadã, por uma questão de respeito à coerência e integridade do direito (CPC, art. 926), haja vista uma cadeia de casos interpretados/julgados. Tanto é assim que o procurador do INSS, na sustentação oral, admite a manutenção do entendimento no Tema 975, para focar na diferença em relação ao Tema 966, já que este último versa sobre matéria de direito – e não de fato.

A sustentação do INSS acabou desorientando os participantes do processo. Eu estava lá pelo IBDP. Por esta razão, o Procurador do INSS foi intimado: “diante dos termos da sustentação oral apresentada pela Procuradoria-Geral Federal em sessão de julgamento, determino a intimação do INSS para, de forma expressa, manifestar-se em 15 dias sobre a persistência ou eventual delimitação de seu interesse sobre a tese representativa de controvérsia”.

Após a sinalização do relator para uma mudança na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, ao INSS foi possível adaptar-se e expressar tranquilidade:

[...] a sustentação oral não teve a intenção de aduzir ou defender que o INSS admitiria algumas hipóteses de não-incidência do prazo decadencial previsto no artigo 103, da Lei nº 8.231/91. O que ocorreu, data vênia, foi a adoção de uma estratégia processual para aproveitamento do tempo disponibilizado para a sustentação oral.

            Nos fundamentos para a resolução do tema controvertido (página 11 do acórdão), fica claro que o exercício do direito revisional na seara administrativa ou judicial pelo segurado prescinde da manifestação de vontade do INSS, bastando que haja concessão de um benefício previdenciário:

Sob a perspectiva aqui proposta, o regime decadencial impingido ao direito de revisão é muito mais benéfico ao segurado do que é o regime prescricional, pois, além de ter prazo de 10 anos — elástico se comparado aos demais prazos do ordenamento jurídico —, pode ser exercido independentemente de a autarquia ter-se oposto expressamente ao ponto objeto de inconformidade.

                Com efeito, a análise diz respeito ao ato de concessão e as questões nele apreciadas ou não – um universo particular: “uma vez concedido o benefício, a partir do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação, dá-se início ao prazo decadencial, que alcança toda e qualquer pretensão, tenha sido discutida ou não no processo administrativo.”

            Ao comentar sobre o exercício do direito revisional, o Superior Tribunal de Justiça confirma a possibilidade de o beneficiário fazer cessar sua inércia já na esfera administrativa:

O direito de revisar o benefício previdenciário foi qualificado como potestativo pelo legislador, conforme o art. 103 da Lei 8.213/1991, o que significa que o exercício do direito revisional na seara administrativa ou judicial pelo segurado prescinde da manifestação de vontade do INSS.

Nessa perspectiva, inclusive, é possível se afirmar que o Superior Tribunal de Justiça não problematizou o Tema 350/STF:

Como direito potestativo que é, o direito de pedir a revisão de benefício previdenciário independe de violação específica do fundo de direito (manifestação expressa da autarquia sobre determinado ponto), tanto assim que a revisão ampla do ato de concessão pode ser realizada independentemente de haver expressa análise do INSS. Caso contrário, dever-se-ia impor a extinção do processo sem resolução do mérito por falta de prévio requerimento administrativo do ponto não apreciado pelo INSS.

A orientação do STF é no sentido de ser obrigatório o prévio requerimento administrativo no pedido de revisão que depender de análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração. Ainda, o Min. Luís Roberto Barroso (relator) resumiu toda a questão numa frase: “Apenas para firmar a minha posição, o art. 5º, XXXV, da Constituição fala: ‘(...) a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;’ A tese que eu sustento é que, enquanto não haja a recusa, não há lesão ou ameaça a direito. Por isso não nasce o direito de ação.”

Tal como no Supremo Tribunal Federal, vigora no Superior Tribunal de Justiça o entendimento de que, em habeas data, é necessário o prévio requerimento administrativo, conforme a Súmula 02/STJ: “Não cabe o habeas data (CF, art. 5º, LXXII, letra ‘a’) se não houve recusa de informações por parte da autoridade administrativa”.

Não há necessidade de aprofundarmos o tema aqui, pois o que nos interessa é demonstrar que a decisão do Superior Tribunal de Justiça não analisou o segundo termo inicial do prazo decadencial.

Abre-se aqui um parêntese para lembrar que outros temas acabaram não sendo problematizados a partir de uma relação texto-norma. Nos debates ocorridos nas sessões de julgamento, o relator chama a atenção para aquelas questões que se aperfeiçoaram ou consolidaram após a concessão do benefício, como o reconhecimento judicial de tempo de serviço em ação trabalhista.    Se o autor pode exercer o direito à revisão do benefício previdenciário apenas a partir do êxito em reclamatória trabalhista, não é razoável admitir a fluência do prazo extintivo em momento anterior. Na decisão assim restou expresso:

Em primeiro lugar, essa questão, salvo melhor interpretação, não faz parte diretamente da tese representativa da controvérsia e não espelha os fatos dos autos. Ela poderia nos levar a extrapolar o objeto da afetação do rito dos recursos repetitivos.

Por derradeiro, sem me comprometer com uma futura análise da tese, o motivo para afastar a decadência em caso de ações judiciais pendentes que repercutam no benefício pode decorrer da interpretação de que se trata de exercício do direito de revisão.

[...]

De qualquer sorte, o presente julgamento não impede o STJ de enfrentar futuramente a controvérsia sobre a repercussão da ação judicial trabalhista na contagem do prazo decadencial mencionado no art. 103 da Lei 8.213/1991, em razão do que se propõe essa ressalva.

            O que mais perto interessa à problemática do assunto são as seguintes indagações: Qual a redação do art. 103 analisada no julgamento? O que se disse sobre a ciência da decisão do indeferimento do pedido de revisão, enquanto dies a quo do prazo decadencial? A Lei 13.846, de 2019, chegou a ser problematizada? E quanto ao parágrafo único do art. 568 da IN/INSS 77/2015?   

            A redação tomada como base para o debate foi dada pela Lei 10.839/2004, já vigente por ocasião da interposição do recurso especial, a qual estabelece:

Art. 103.  É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo.               

Com efeito, a decisão não enfrentou a redação emprestada pela Lei 13.846, de 2019, e nem pudera, porquanto a mudança fora superveniente. A referida lei não apenas reafirmou literalmente a existência de um segundo termo inicial, mas foi além, conferindo a ele maior destaque, vale dizer: listando os termos iniciais para contagem do prazo decadencial:

Art. 103.  O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício e do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de 10 (dez) anos, contado: 

 

I - do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou

 

II - do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo.

 

Parágrafo único. Prescreve em cinco anos, a contar da data em que deveriam ter sido pagas, toda e qualquer ação para haver prestações vencidas ou quaisquer restituições ou diferenças devidas pela Previdência Social, salvo o direito dos menores, incapazes e ausentes, na forma do Código Civil.              

Apesar de o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da ADI 6.096, ter declarado a inconstitucionalidade do art. 24 da Lei 13.846/2019 no que deu nova redação ao art. 103 da Lei 8.213/1991, é possível se continuar defendendo as mesmas teses, inclusive, com base no parágrafo único do art. 568 da IN INSS 77/2015:

Em se tratando de pedido de revisão de benefícios com decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo, em que não houver a interposição de recurso, o prazo decadencial terá início no dia em que o requerente tomar conhecimento da referida decisão.

É importante questionar/refletir: para que a expressão “indeferimento de revisão de benefício”, quando a revisão pressupõe a revisão da “renda mensal inicial” (graduação econômica), de um benefício já concedido (conforme precedentes do STJ e STF)? Para que a distinção entre “pedido de benefício” e “indeferimento de revisão de benefício”? Conforme Carlos Maximiliano: “Não se presumem, na lei, palavras inúteis”.

Se um marco é o primeiro dia do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação, outro o conhecimento da decisão de indeferimento do pedido de revisão do ato de concessão, a primeira coisa que se deduz de duas coisas é que não são a mesma. Decerto, o dies a quo do prazo decadencial é o do indeferimento do pedido de revisão do valor do benefício previdenciário.

Diante da forma como foi apresentada a tese representativa de controvérsia, bem assim da superveniência da Lei 13.846/2019, não se conseguiu efetivamente, submeter, de forma integral, à consideração do tribunal aquelas situações em que o pedido de revisão é formalizado dentro do prazo decadencial, mas a ação ajuizada depois, muitas vezes, na pendência de uma resposta por parte do INSS. 

Na resolução do caso concreto, tratava-se de um benefício concedido antes de 27 de junho de 1997. No mesmo processo, começou-se defendendo a inexistência de decadência para benefícios concedidos antes da MP n. 1.523-9/1997; passou-se a acreditar no argumento de que ela não alcança questões não apreciadas no ato de concessão; e terminou-se “descobrindo” que era inevitável, isto é, não apenas existe decadência como o seu prazo já transcorreu. E isso não se relaciona bem com a ideia de segurança jurídica.

A tese fixa seus limites no caput do art. 103 da Lei 8.213/1991, notadamente no primeiro termo inicial para a contagem do prazo decadencial: “Aplica-se o prazo decadencial de dez anos estabelecido no art. 103, caput, da Lei 8.213/1991 às hipóteses em que a questão controvertida não foi apreciada no ato administrativo de análise de concessão de benefício previdenciário.”

Alguns julgadores estão traçando uma linha reta e mortífera entre a DIB/DER e a Data de Ajuizamento da Ação (DAA).

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

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Bah1: Disponível em: <http://blogschuster.blogspot.com/2021/02/o-tema-975-alcanca-dos-as-situacoes-de.html>. Acesso em 05 abr. 2021.

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