A MULTA NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM DEMANDA PREVIDENCIÁRIA

 

Nos últimos anos, tem-se observado um aumento nas multas aplicadas para as partes que opõem embargos contra acórdãos de Turmas Recursais do Juizado Especial Federal ou Turmas do Tribunal Regional Federal, sob o fundamento de serem protelatórios.

Devemos reconhecer que nem sempre estão presentes as hipóteses de cabimento dos embargos. Agora – sem querer distorcer a realidade a meu favor, que sou advogado –, não podemos confundir isso com má-fé. Por nossa parte, cremos numa verdadeira afronta aos arts. 5º e 1.026, § 2º, do CPC.

Apesar da fundamentação ser vinculada, a natureza dos embargos de declaração é integrativa, sendo que o novo CPC ampliou as possibilidades de atuação dos embargos de declaração, devendo-se, por óbvio evitar a interpretação literal e restritiva, para fazer prevalecer maior utilidade e funcionalidade do recurso integrativo:

O art. 1.022 do NCPC alargou as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, segundo a tendência da jurisprudência à época da legislação anterior de ampliação do cabimento dos declaratórios de modo a alcançar situações quem, a rigor, não se enquadrariam no casuísmo do art. 535 do CPC/73. De longa data os tribunais construíram a tese de ser o erro material passível de correção por intermédio dos embargos de declaração, o que agora está expresso no NCPC. Não se deteve, porém, a criação jurisprudencial apenas no erro material. Mas ampliou o uso do recurso do art. 1.022 para alcançar o erro de fato e até de direito, quando qualificável como ‘erro manifesto’. Argumenta-se, para justificar a correção do equívoco grave e evidente, com o princípio da economia processual, já que os embargos teriam, nesses casos especialíssimos, o papel de evitar o ajuizamento de futura ação rescisória, de efeitos facilmente previsíveis.[1]

Ainda, os embargos têm como finalidade o prequestionamento. Lembrando que a Súmula 98 do STJ não foi revogada, devendo sua redação ser refinada com a possibilidade de prequestionamento ficto – inaugurada pelo art. 1.025 do CPC/2015. Ora, se isto é assim, é possível embargar toda e qualquer decisão, para fins de prequestionamento apenas? A meu ver, não. O prequestionamento não se faz necessário quando a decisão menciona o artigo supostamente violado, por exemplo.  

É importante referir que o Superior Tribunal de Justiça vem afastando a multa do art. 1026, § 2º, do CPC:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. EXTINÇÃO. PRESCRIÇÃO DECLARADA DE OFÍCIO. ACÓRDÃO QUE CONTRARIA JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE. RECURSO ESPECIAL REPETITIVO 1.340.553/RS. NECESSIDADE DE SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO E DE INTIMAÇÃO DA FAZENDA ESTADUAL ANTES DA EXTINÇÃO PELA PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. MULTA DO ART. 538 DO CPC/1973. DESCABIMENTO. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS NA ORIGEM COM INTUITO DE PREQUESTIONAMENTO. [...] 5. O STJ assentou, por meio da Súmula 98, o entendimento de que é descabida a multa no art. 538, parágrafo único do CPC/1973, quando evidenciado o intuito de prequestionamento, ainda que não configurada nenhuma das hipóteses de cabimento dos Embargos de Declaração. 6. Recurso Especial provido. (REsp 1838411/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 12/11/2019, DJe 19/12/2019)

 

AGRAVO INTERNO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EXCLUSÃO. MULTA. POSSIBILIDADE. ANÁLISE DE QUESTÃO DE MÉRITO. INOVAÇÃO RECURSAL. AGRAVO IMPROVIDO. 1. No que concerne à multa aplicada na origem por ocasião do julgamento dos aclaratórios, tem aplicação a orientação consolidada na Súmula 98 deste Tribunal, segundo a qual: "embargos de declaração manifestados com notório propósito de prequestionamento não tem caráter protelatório". 2. A alegação de não apreciação da questão de mérito, consubstanciada na análise da boa-fé na aquisição do imóvel, não foi trazida nas razões do recurso especial, constituindo indevida inovação recursal, e torna inviável a análise do pleito ante a configuração da preclusão consumativa. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt nos EDcl no REsp 1490949/SP, Rel. Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 30/09/2019, DJe 03/10/2019)

 

TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. OMISSÃO. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS. IMPOSSIBILIDADE DE ANÁLISE. COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.026, § 2º, DO CPC/2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015 para os presentes embargos de declaração. II - A fundamentação adotada no acórdão é suficiente para respaldar a conclusão alcançada, pelo que ausente pressuposto a ensejar a oposição de embargos de declaração. III - Não compete a esta Corte Superior a análise de suposta violação de dispositivos constitucionais, ainda que para efeito de prequestionamento, sob pena de usurpação da competência reservada ao Supremo Tribunal Federal, ex vi art. 102, III, da Constituição da República. IV - A oposição de embargos de declaração, com nítido fim de prequestionamento, não possui caráter protelatório, não ensejando a aplicação da multa prevista no art. 1.026, § 2º, do Código de Processo Civil de 2015, a teor do disposto na Súmula 98 desta Corte Superior. V - Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgInt no REsp 1831805/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/03/2020, DJe 26/03/2020)

O que esses casos possuem em comum, numa leitura do inteiro teor do acórdão? A multa fora aplicada nos primeiros embargos, ou seja, no primeiro e único oposto pela parte contra o acórdão, vale dizer: antes do recurso especial.

Por outro lado, o art. 1026, § 2º, do CPC fala de multa até dois por cento sobre o valor atualizado da causa, sendo possível, portanto, a graduação/flexibilização do percentual de acordo com a “gravidade” do que se entende como manifestamente protelatório.

A questão é complexa. Mesmo assim, a aplicação de multa nos primeiros embargos, no patamar máximo de dois por cento sobre o valor atualizado da causa, numa demanda previdenciária, no qual se discute prestações de natureza alimentar, configura medida desproporcional – na contramão de toda uma visão social que merece o Direito Previdenciário.

Concorda-se que a divergência de apenas um dos julgadores deve ser suficiente para não se considerar como evidente/manifesto o intuito protelatório dos embargos de declaração.[2]

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

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Bah1: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – execução forçada, processo nos tribunais, recursos e direito intertemporal. V. III. 49. ed. ver., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1073.

Bah2: TUCCI, José Rogério Cruz. A equivocada aplicação de multa nos embargos de declaração. Consultor Jurídico. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2019-abr-23/paradoxo-corte-equivocada-aplicacao-multa-embargos-declaracao>. Acesso em: 26 abr. 2021.

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