A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA EM RELAÇÃO AO EPI

 


A tese favorável à inversão do ônus da prova em matéria previdenciária tem como um de seus argumentos os princípios da prevenção (em sentido lato sensu) e do in dubio pro trabalhador/segurado. Com base nisso, tem-se a transferência do ônus da prova ao INSS, sendo este compelido a provar que a empresa adotou as medidas de segurança necessárias para elidir ou neutralizar os agentes nocivos presentes no meio ambiente de trabalho.

Em matéria ambiental, a inversão do ônus da prova tem sido defendida pela aplicação, por analogia, do art. 6º, VIII, da Lei 8.078/90 (CDC) cumulado com o art. 21 da Lei 7.347/85, como bem lembra Délton Winter de Carvalho:

Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

[...]       

VIII - a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências;


            Estas são características presentes na lide previdenciária, já que o segurado é igualmente considerado hipossuficiente – em termos informacionais –, sendo que não estão em condições de igualdade: segurado, empresa e INSS. Assim é possível o magistrado determinar a inversão do ônus da prova. Agora, não há previsão legal para o direito previdenciário, sendo possível se falar em distribuição dinâmica do ônus da prova (CPC, art. 373, § 1º), um comando estritamente processual.

Caminhando nesse sentido, corremos o risco da aposentadoria produzir o efeito esperado, qual seja, de induzir as empresas a investirem em prevenção para reduzir os riscos no meio ambiente de trabalho. Essa operação fará com que o INSS comece a fiscalizar efetivamente as empresas, bem assim a investigar a incorporação de novas e melhores tecnologias, entre outras possibilidades de cooperação técnica.

Sob a perspectiva do direito ambiental, Délton Winter de Carvalho assevera:

Desta forma, a inversão do ônus da prova deve se limitar a casos excepcionais, para os quais haja a verossimilhança das alegações apresentadas pela parte autora e, além disso, esta esteja em uma situação de hipossuficiência técnica para a produção probatória técnico-pericial. Assim, apenas quando a parte autora, por motivos excepcionais (incapacidade técnica), não detenha meios para a produção de provas necessárias ao deslinde do feito jurisdicional, inversão deve ter lugar, Do contrário, haverá o constante risco de desiquilíbrio nas relações processuais.[1]

Uma vez comprovada a exposição ou a presença de agentes nocivos no meio ambiente de trabalho, verifica-se a verossimilhança das alegações apresentadas pela parte autora. Por outro lado, a hipossuficiência técnica reside no fato da informação sobre a eficácia do EPI ser unilateral, sendo de responsabilidade da empresa o controle do seu fornecimento, do treinamento quanto ao seu uso e aos cuidados com o mesmo, a periodicidade de troca, o prazo de validade, etc., além da existência de estudos técnicos prévios ou contemporâneos, comprovando a adoção da tecnologia adequada para o caso concreto.

Isso não significa que o segurado ficará numa posição confortável. A hipossuficiência não leva, direta e imediatamente, à inversão do ônus da prova. A inversão do ônus da prova pressupõe a impugnação fundamentada do formulário por parte do segurado, a fim de especificar os pontos controvertidos e, assim, estimular o aprofundamento da questão, com a formação da dialética de análises técnicas a favor e contra a mera informação de que o EPI é eficaz.

A prévia impugnação, na via judicial, é exigida pela Turma Nacional de Uniformização, que no julgamento do Pedido de Uniformização de Interpretação de Lei (Turma) 0004439-44.2010.4.03.6318, fixou a seguinte tese:

I – A informação no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) sobre a existência de Equipamento de Proteção Individual (EPI) poder ser fundamentadamente desafiada pelo segurado perante a Justiça Federal, desde que exista impugnação específica do formulário na causa de pedir, onde tenham sido motivadamente alegados: (I) a ausência de adequação ao risco da atividade; (II) a inexistência ou irregularidade do Certificado de  Conformidade; (III) o descumprimento das normas de manutenção, substituição e higienização; (IV) a ausência ou insuficiência de orientação e treinamento sobre o uso adequado, guarda e conservação; ou (V) qualquer outro motivo capaz de conduzir à conclusão de ineficácia do EPI; II – Considerando que o Equipamento de Proteção Individual (EPI) apenas obsta a concessão do reconhecimento do trabalho em condições especiais quando for realmente capaz de neutralizar o agente nocivo, havendo divergência ou dúvida razoável sobre a sua real eficácia, provocadas por impugnação fundamentada e consistente do segurado, o período trabalhado deverá ser reconhecido como especial. (Tema 213)

Há casos em que se pode colocar em dúvida o nexo causal entre o EPI supostamente fornecido pela empresa (indicado no formulário PPP a partir do Certificado de Aprovação – CA) e o agente nocivo. Como luvas e cremes (para as mãos) vão elidir ou neutralizar agentes nocivos (e.g.; graxas e óleos minerais) quando o segurado mantém contato cutâneo com outras partes do corpo (braços, antebraços, tórax, etc.) ou eles são inalados pelas vias respiratórias?

A indicação do EPI traz consigo a presunção de exposição a agentes nocivos. Isso significa, igualmente, que não foram adotas medidas de segurança coletivas – muitas vezes, por inviabilidade técnica – ou que elas são insuficientes ou incapazes de eliminar o risco à saúde e/ou à integridade física, sendo indispensável a adoção do EPI. A inversão do ônus da prova cria incentivos para a redução do risco no meio ambiente de trabalho e, consequentemente, a busca de sistemas mais eficazes.

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

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Bah1: CARVALHO, Délton Winter de. Gestão jurídica ambiental. São Paulo: Editora dos Tribunais, 2017. p. 475.


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