TEMA 1.124: NOVA DELIMITAÇÃO DA TESE

 

Após a delimitação do Tema 1.124 pelo STJ, tem-se: “Caso superada a ausência do interesse de agir, definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária”.

O representativo de controvérsia não versa sobre interesse de agir. Se o problema fosse o interesse de agir, a solução seria a extinção do feito, sem resolução de mérito, e não os efeitos financeiros. A expressão "superada a ausência de interesse de agir" não deixa de ser interessante, afinal: o autor tem (ou não) interesse de agir sobre determinando pedido, não existe meio-termo. E quanto ao Tema 350/STF? Disse o Ministro que se preocupa em não “fazer letra morta” das decisões do STF. O ponto de contato entre o precedente de observação obrigatória e o Tema 1.124/STJ diz respeito ao requerimento administrativo e, por óbvio, a necessidade de o requerente levar à apreciação do servidor matéria de fato. Assumindo o risco de estar errado, penso que a questão de fundo, para o Superior Tribunal de Justiça, continua sendo a prova. E por isso “[...] prova não submetida ao crivo administrativo do INSS”. 

Colocando entre parênteses a diferença entre o benefício a ser concedido e o benefício a ser revisado judicialmente, acredito que uma solução possível passa, necessariamente, por três premissas, as quais não se excluem, pelo contrário, suplementam-se mutuamente e podem, além disso, reforçar uma a outra, no sentido de aumentar a responsabilidade da Autarquia, conforme art. 88 de Lei 8.213/1991:

a) Se a partir do mesmo conjunto probatório apresentado na via administrativa o julgador extrair uma conclusão diametralmente oposta, em favor do segurado, os efeitos financeiros serão fixados desde o requerimento...

Nesse caso, o processo administrativo não merece sequer censura, desde que preenchidos os requisitos do Tema 350/STF, ou seja, desde que a prova da matéria de fato tenha sido submetida à apreciação da autarquia. Aqui caberia algumas considerações sobre o sistema de prova tarifada e os documentos exigidos na forma da legislação previdenciária como, por exemplo, o formulário PPP. Não pretendo avançar muito por esse caminho.

b) Se o reconhecimento, na justiça, tiver como fundamento prova testemunhal e/ou pericial, os efeitos financeiros serão fixados desde o requerimento...

De novo, uma vez superada a questão do início de prova material, o que, nos autos de um processo, é tratado como um pressuposto de constituição de desenvolvimento válido do processo (Vide Tema Repetitivo 629/STJ), se a prova produzida em juízo for decisiva para a comprovação do direito, não há que se falar em “[...] prova não submetida ao crivo administrativo do INSS”. Aliás, as únicas provas discutidas plenamente em contraditório são a pericial e testemunhal, pois neles se conta com a participação das partes, mediante a formulação de quesitos/perguntas. Essa argumentação foi encampada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: "Em matéria previdenciária, a prova pericial é condição de possibilidade, é certo que as únicas provas discutidas em contraditório são a prova pericial e testemunhal. O contraditório não se estabelece no que diz respeito ao formulário fornecido pela empresa (PPP), um documento criado fora dos autos, isto é, sem a participação do segurado, razão pela qual é possível reconhecer que houve o cerceamento do direito de defesa do Segurado." (AgInt no AREsp 576.733/RN, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 25/10/2018, DJe 07/11/2018)

c) O que ficar de fora das exigências do INSS, os efeitos financeiros serão fixados desde o requerimento...

Avancemos para o ponto mais importante, que se torna, enfim, problematizar o dever da Autarquia de orientar e exigir a documentação necessária. E isso vem socorrer, sobretudo, os desafortunados que protocolam seus requerimentos sem um advogado especializado. Até mesmo as presunções geram um dever para a administração. Exemplificando: a indicação da abreviação “IEAN” traz consigo uma presunção. As presunções não são meio de prova, é verdade, mas a presunção opera no plano da distribuição do ônus da prova. Nesse caso, por tanto, o INSS tem o dever de exigir o formulário PPP. Mais do que isso, o servidor deve mostrar interesse na vida do segurado, com especial atenção para o tempo de serviço especial e rural. 

Embora sem trazer dados estatísticos a confirmar a minha impressão, penso que a maioria dos beneficiários toma ciência das circunstâncias que lhe permitem postular uma revisão nos escritórios de advocacia. É perguntar: os segurados não estão sendo orientados sobre a possibilidade de comprovar tempo de serviço rural e especial? 

A partir da CTPS, com anotação precisa de "soldador", é possível o reconhecimento da especialidade de períodos anteriores a 28/04/1995. Não existe discricionariedade administrativa capaz de justificar a não observância da própria instrução normativa, que determina o enquadramento por categoria. Isso vai além de uma interpretação divergente entre INSS e Poder Judiciário. Entendimento contrário: o INSS não estaria se omitindo sobre tal possibilidade? Ademais, nos termos do Tema 350/STF (que fala em fato novo, e não prova nova), a matéria de fato já seria de conhecimento do INSS, afinal, o segurado era "soldador". Não?

Da mesma forma: “É inadmissível o Poder Público acolher a documentação particular da empresa, fazendo presumir que a mesma encontra-se em perfeitas condições, e, depois, acenar com falhas técnicas, a fim de sonegar dos segurados benefícios previdenciários, não se podendo penalizar o segurado pela negligência da Autarquia.” TRF4, AC 5015163-29.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 13/12/2019.

Conduzindo assim o pensamento, pretendo sustentar que a delimitação do tema não mudou em nada a minha forma de pensar: os efeitos financeiros devem ser fixados na data da DER e/ou devem retroagir à data da de concessão do benefício, no caso de revisão. Uma vez preenchidos os requisitos do Tema 350 do STF, a demora na comprovação do direito tem como (única) consequência a demora na implantação do benefício. Os efeitos financeiros não estão condicionados ao momento de sua comprovação - fatos constitutivos do direito podem ser comprovados em segunda instância no processo judicial. Além dos institutos processuais em questão (interesse de agir e pressupostos de constituição e desenvolvimento válido do processo), temos que considerar a ideia de prova tarifada (voltada a informar a atuação do Poder Judiciário) e outras peculiaridades da lide previdenciária. Nesse cenário, a melhor resposta continua sendo a aplicação da Lei de Benefícios, nos seus arts. 49, II, 54 e 57, § 2º (uma espécie de metalinguagem, quando jogamos os efeitos financeiros para um outro andar, desvinculado da prova)

O que escapa das três premissas, ou melhor, o que retira do INSS a responsabilidade por orientar e exigir, no processo administrativo, determinada prova é a comprovada má-fé do requerente. Acrescente-se aquilo que esbarrar na falta de colaboração do segurado e, nesse sentido, a exigência precisa ter suporte legal e guardar pertinência com a questão controvertida – são muitas as exigências desarrazoadas. Uma coisa é o requerente não fornecer um documento por desleixo e/ou não se desincumbir do ônus de requerer determinado documento junto à empresa, por exemplo; outra, muito distinta, é ele não ser orientado sobre a possibilidade de reconhecimento, como tempo de serviço especial, de um determinado período e/ou qual o documento necessário para a sua comprovação.

Poderíamos dividir o nosso trabalho entre o comportamento (processual) esperado de um advogado e de um cidadão leigo (hipossuficiente em termos informacionais), mas isso acarretaria num critério que não está na lei. Um tratamento diferenciado poderia escambar num rigor excessivo para o segurado acompanhado de advogado (que "não sabe tudo, nem demais!"). É por isso que o dever de informação tornou-se um ônus proativo incumbido ao servidor, ou seja, por força de lei. 

Uma última palavra: eu não queria falar de provas, mas, se tiver que falar... Agora, uma coisa é a prova exigida na forma da legislação previdenciária; outra, muito distinta, é a sua valoração. Não podemos ficar reféns de nenhum tipo de subjetivismo, e daí as alíneas "a" e "b"! Na maioria dos casos, o que temos são novas informações, admitidas em favor do segurado, porém, não desconhecidas do INSS, ou seja, sem nenhum prejuízo ao contraditório.  

Escrito por Diego Henrique Schuster


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