O JUIZ (IM)PARCIAL (IN)DEFERE A PROVA PERICIAL SEMPRE QUE DELA (IM)PRESCINDIR PARA EXERCER SUA FUNÇÃO (SEU JUÍZO DE CERTEZA)

 

Sobre qual agente nocivo o julgador teve condições de exercer seu juízo de mérito? O que foi objeto de cognição ampla e exauriente? O formulário PPP traz estampado apenas o agente físico ruído, razão pela qual ele é impugnado, ou seja, por omitir outros agentes (e.g.: químicos, periculosidade, etc.). Apostando o julgador no formulário PPP “sem inconsistência” para afastar a especialidade, o feito deve ser extinto, sem resolução de mérito, em relação aos demais agentes nocivos deduzidos pelo autor.

Por outras palavras, na medida em que ao autor não foi possível estabelecer o contraditório sobre os demais agentes nocivos, não há como se presumir que estes foram deduzidos, discutidos com pleno contraditório e rechaçados.

Invariavelmente, o formulário produzido pela empresa (fora do processo) é tomado como ponto de partida, por se tratar de uma exigência legal. A não indicação de outros agentes nocivos – inerentes à função do autor e/ou presentes no meio ambiente de trabalho – não gera uma presunção absoluta de não exposição a tais agentes. Com efeito, a alegação de omissão em relação a agentes nocivos não estampados no documento não pode ser simplesmente ignorada ou excluída. O juiz pode tentar, a depender das circunstâncias, tornar improvável tal alegação, mas não julgar o pedido improcedente, com resolução de mérito - não se houve restrições probatórias ou limites à sua cognição (CPC, art. § 2º).

Olhando a situação pelo ângulo do magistrado, é preciso questionar (refletir) em relação ao que a prova representa para o processo, como algo que poderá ser subscrito por qualquer juiz que no processo intervir:

Por isso, a quem é dado, desde o primeiro momento, o poder de dirigir o processo, implicitamente também se entrega a presumível capacidade de projetar, em nome alheio, a existência de condições objetivas de julgar os mesmos fatos. Se para si, para o juiz, são suficientes os meios de prova com que se defronta e, assim, apreciar a necessidade de outras mais, me parece razoável decidir, quando disso se trata, tendo presente sempre a questão: estará pronto o processo para julgamento por outros magistrados, abstraído o entendimento particular?[1]  

O juiz não pode pensar somente nele, como único destinatário da prova, mas nos outros julgadores que atuarão no processo, em segunda instância. Isso porque a prova é do processo, das partes. Sobre o tema escrevi em coautoria com José Antonio Savaris e Paulo Afonso Brum Vaz:

Na condução do processo, o juiz não é absolutamente livre para decidir sobre quais seriam as provas suscetíveis de serem produzidas. Uma atitude fundada nesta suposta liberdade seria solipsista e inconstitucional. O juiz não é livre nem para indeferir provas requeridas, nem para firmar sua convicção desprezando provas licitamente produzidas. Em outras palavras, não pode deixar de autorizar a produção de provas que sejam relevantes e, uma vez produzidas, não poderá refutá-las, justamente porque não é o único destinatário da prova e o seu soberano avaliador. As provas pertencem ao processo, dirigindo-se ao juiz e também às partes.
No campo probatório, talvez mais do que em outros, são írritas as avaliações subjetivas, existindo um intenso controle (accountability) intersubjetivo, ditado pelos princípios do contraditório, da fundamentação, da cooperação e da publicidade, que exigem do juiz uma prestação de contas sobre as provas que defere ou indefere e sobre como, em relação às produzidas, firma sua convicção.
O ápice do solipsismo probatório acontece quando o juiz antecipa sua convicção sobre o resultado da prova, indeferindo-a porque antevê a irrelevância do resultado. Nesta atitude, mantém-se escravo de suas pré-compreensões, de seus preconceitos e pré-juízos que predeterminam o resultado da prova, em atitude discricionária que inibe o exercício do princípio contraditório com os meios e recursos a ele inerentes.
O juiz somente estará autorizado a indeferir provas em juízo prévio de relevância quando as provas que a parte pretende produzir não guardem nenhuma correlação com os pontos controvertidos nos autos ou quando o fato já tenha sido sobejamente comprovado por outro meio de prova ou se revele incontroverso.[2]

Enfim, o juiz não pode retirar do segurado o direito de fazer a prova de sua alegação. Na verdade, diante de evidências sérias do labor especial (da dúvida relevante), o juiz imparcial sempre defere o pedido de prova pericial, por saber que ele - assim como a parte autora - precisa da instrução probatória para verificar os fatos alegados e declarar, de forma definitiva e/ou minimamente segura, a existência (ou não) do direito. O que se vê na pratica, é que melhor sorte assiste ao segurado que tem o seu pedido de prova pericial deferido em primeira instância, já que a preliminar de cerceamento de defesa não é acolhida irrestritamente pelo tribunal.  

O juiz deve praticar o que chamo de "humildade séria", para reconhecer que seu conhecimento esbarra em questões pertinentes a outras áreas do conhecimento. A prova pericial é admitida não apenas para se esclarecer os fatos da causa, mas por depender o magistrado de um conhecimento específico (técnico ou científico), conforme estabelece o art. 156 do CPC. Há uma simplificação muito grande nas questões envolvendo limites de tolerância, a toxicidade e o modo como dispersam determinados agentes químicos, enfim, temas para os quais a construção técnica do sentido jurídico dá lugar a juízos de mera verossimilhança, insuficientes para uma sentença de mérito.      

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Bah1: TRF4, AC 5001415-74.2017.4.04.7117, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 28/07/2020.

Bah2: SCHUSTER, Diego Henrique; SAVARIS, José Antônio; VAZ, Paulo Afonso Brum. A garantia da coisa julgada no processo previdenciário: para além dos paradigmas que limitam a proteção social. Curitiba: Alteridade Editora, 2019. p. 241-242.

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