REFLEXÕES PARA 2023: NA BUSCA DE UMA RESPOSTA CONSTITUCIONALMENTE ADEQUADA

 

O calcanhar de Aquiles do sistema de precedentes no âmbito do JEF está no fato de que eles são frequentemente contornados de forma subjetiva e, devido à enorme disposição de contornar as regras, qualquer tese fixada é (quase) inútil, vale dizer: em favor do segurado!

As turmas buscam domesticar a jurisprudência ao invés de integrar cada decisão em um sistema coerente que atente para a legislação e para os precedentes jurisprudenciais sobre o tema, ou seja, não se procura a “ratio decidendi” e os princípios que comandam a aplicação das regras. Assim, cada turma interpreta a mesma norma de forma diferente, e não a depender do caso.

Alguns exemplos esclarecedores já foram citados em outros artigos meus, logo, não pretendo aprofundar esse ponto aqui. É suficiente pesquisar as objeções feitas aos temas 629, 995 e, o mais recente, 1083, todos do Superior Tribunal de Justiça. E como fazer valer os precedentes no âmbito dos Juizados Especiais Federais? Aqui também o sistema mostra os limites de sua capacidade!

É instigante a forma inventiva como alguns juízes buscam burlar ou desviar dos precedentes, sem a sua problematização!

Aqui se discute de forma controversa o que justifica esse comportamento. Arrisco um palpite: ainda não se compreendeu o direito previdenciário como um direito fundamental-social da mais alta estirpe, razão pela qual os processos são tratados como números, desprovidos de qualquer humanidade. 

Mais do que a posição na Constituição, é a posição "social" dos direitos fundamentais que precisa ser compreendida - sua função inclusiva. É claro que a problemática constitucional não se esgota com essa questão de concepção dos direitos fundamentais-sociais. O mais importante é, possivelmente, perceber que não é suficiente atribuir direitos fundamentais a indivíduos ou à coletividade, mas também ao próprio processo previdenciário.

A questão mais difícil é, certamente, a "subjetividade assujeitador" de alguns juízes. Fato é que nem uma filosofia moral nem a dogmática jurídica oferecem uma orientação suficiente. E daí a nossa aposta em outras abordagens, como a hermenêutica e a teoria sistêmica - que certamente não podem ser chamadas de intermediárias. Isso não significa repelir outras abordagens, mas, em vez disso, "animar" novos espaços de pensamento!

(...)

Sobre os tribunais (segunda instância), estes não desempenham apenas um papel corretivo da sentença (numa comparação com o VAR no futebol), mas, e sobretudo, buscam uma solução para o caso concreto.

A solução para o caso concreto encontra-se não no julgamento por uma instância central e hierárquica, mas sim na participação das partes. O ajuizamento da ação judicial não significa a terceirização do conflito de interesses entre segurado/beneficiário e INSS, no qual restará um vencedor ou perdedor. As decisões (ainda) são fortemente limitas por essa pré-compreensão do processo. Com efeito, as partes precisam participar do procedimento em contraditório.

O processo previdenciário representa o lugar para uma proteção do direito fundamental de alguém. Então, não se questiona o direito "in abstrato", mas se busca formas jurídicas que possam proteger, de forma efetiva, o segurado, no caso concreto.

É por isso que tanto as partes quanto o órgão judicial devem agir e interagir entre si com boa-fé e lealdade, na busca da correta aplicação das normas jurídicas, com ênfase para a realização dos direitos fundamentais-sociais.

(...)

Como já se viu, na aposentadoria especial, a convicção de dano futuro precisa restar frustrada faticamente, sob pena de o benefício dar lugar a outro: por incapacidade ou, na falta do segurado, pensão por morte. O que se exige, por isso, é tão somente a prova do risco de dano à saúde ou à integridade física. A pessoa que escapa incólume após 25 anos atividades em área de risco, por vezes, não deixa transparecer o perigo do labor. O que alguns julgadores exigem é que as atividades exercidas pelo segurado tenham uma relação direta com o agente perigoso, ou seja, não é suficiente a periculosidade ser intrínseca ao meio ambiente de trabalho, como naqueles casos em que o segurado exerce uma função administrativa, porém, dentro de uma área de risco.

Há, como se percebe, uma angústia por se buscar o recorte do momento em que o acidente se apresenta como diretamente iminente. Verifica-se, assim, uma atenuação da aversão ao risco, o que ofusca suas consequências. O mesmo vale para o Benefício Assistencial, é preciso “chegar no fundo do poço” (Hit the bottom!) - o sujeito precisa não ter direitos para ter direito ao benefício assistencial. É preciso ser um pouco antes da meia-noite para conferir proteção apenas no último segundo! Somente então surge a chance para uma percepção suficientemente convincente de que o segurado estava exposto ao agente periculosidade e/ou de que o cidadão merece o BPC.

A conclusão é de que precisamos estudar mais o papel dos princípios da prevenção e da precaução, inclusive numa relação de custo-benefício para o próprio Estado.  


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