O PROCESSO PREVIDENCIÁRIO COMO CONDIÇÃO PARA A EFETIVAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO: A PERICULOSIDADE X "PLANEJAMENTO PREVIDENCIÁRIO"

 

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Na aposentadoria especial, a convicção de dano futuro precisa restar frustrada faticamente, sob pena de o benefício dar lugar a outro: por incapacidade ou, na falta do segurado, pensão por morte. O que se exige, por isso, é tão somente a prova do risco de dano à saúde ou à integridade física. 

A pessoa que escapa incólume após 25 anos atividades em área de risco, por vezes, não deixa transparecer o perigo do labor. O que alguns julgadores exigem é que as atividades exercidas pelo segurado tenham uma relação direta com o agente perigoso, ou seja, não é suficiente a periculosidade ser intrínseca ao meio ambiente de trabalho, como naqueles casos em que o segurado exerce uma função administrativa, porém, dentro de uma área de risco.

Há, como se percebe, uma angústia por se buscar o recorte do momento em que o acidente se apresenta como diretamente iminente. Verifica-se, assim, uma atenuação da aversão ao risco, o que ofusca suas consequências. O mesmo vale para o Benefício Assistencial, é preciso “chegar no fundo do poço” (Hit the bottom!) - o sujeito precisa não ter direitos para ter direito ao benefício assistencial. É preciso ser um pouco antes da meia-noite para conferir proteção apenas no último segundo! Somente então surge a chance para uma percepção suficientemente convincente de que o segurado estava exposto ao agente periculosidade e/ou de que o cidadão merece o BPC.

A conclusão parcial é de que precisamos estudar mais o papel dos princípios da prevenção e da precaução, inclusive numa relação de custo-benefício para o próprio Estado. 

Como já elucidado em diversos artigos meus, a prova pericial se apresenta como condição de possibilidade para a comprovação da periculosidade (ignorada pela legislação previdenciária).

Recentemente, nos autos de um processo judicial que tramitou no JEF, a especialidade foi afastada sob o pretexto do formulário PPP não informar o agente eletricidade acima de 250 volts, sem a determinação da prova pericial expressamente requerida.

Após o trânsito em julgado da decisão, que julgou improcedente o pedido de reconhecimento, como especial, do tempo de serviço na função de "eletricista", o cliente faleceu. O motivo: uma descarga elétrica.

Eventos e situações já experimentas e/ou com um alto grau de consenso sobre sua ocorrência viram estatísticas e justificam um cálculo de probabilidade, quer dizer, na relação de um evento indesejado (risco de dano futuro), razão pela qual não podem ser simplesmente excluídas, mas podem, a depender das circunstâncias, tornarem-se improváveis.

O acidente sofrido pelo cliente demonstrou que isso não é "suficientemente improvável".

Triste? Não é só isso. Alguns colocariam na conta do destino, como fizeram com a COVID-19. A aposentadoria especial tem como finalidade evitar o dano e, com muito maior razão, diminuir a sua probabilidade (é "não dar chance ao azar", como costumo dizer), retirando o segurado mais cedo do trabalho. 

A decisão não merece correção moral, pois tal argumento busca aliviar o julgador da responsabilidade política que tem sobre o mínimo, a saber, o respeito ao devido processo legal. Na base de argumentos como o "juiz não possui bom senso", encontra-se uma falsa demarcação da sua responsabilidade. O direito não pode depender do "bom senso" ou da "boa vontade" do juiz. É como já vi o Professor Lenio Streck dizer: "Numa democracia, se o meu direito depende da vontade de alguém, pra que eu devo estudar o Direito, então?"

Mas por que isso não incomoda? Por que não falamos sobre isso? Por que isso não está na pauta dos juízes que lançam cursinhos sobre como atuar no JEF? Faltou ao cliente "planejamento previdenciário"?

Post Scriptum: É importante observar que a foto não é do cliente. Admito que a imagem é completamente desnecessária, digo, para falar sobre eletrocussão eu não preciso colocar fotos de alguém pendurado num poste ou com queimaduras. No entanto, a falta de jeito com a vida real preocupa...

Imagem: https://revistaforum.com.br/brasil/2022/12/7/imagens-fortes-trabalhador-eletrocutado-em-manuteno-de-cabo-fica-gravemente-ferido-128350.html


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