NOVO REGIME DE FORMAÇÃO DA COISA JULGADA: VOCÊ ESTÁ PREPARADO PARA DEIXAR O TEXTO DIZER ALGO DE NOVO?
O CPC/2015 instituiu um novo regime de
formação dinâmica da coisa julgada, com a possibilidade de a coisa julgada
material alcançar questões prejudiciais – que
interferem no deslinde da questão principal –, o que fica claro no art.
504, já que, ao repetir a regra do art. 469 do Código de 1973, o novo diploma
deixou de fora “a apreciação da questão prejudicial, decidida incidentemente no
processo”, como uma das hipóteses que não fazem coisa julgada.
Em uma ação de concessão de pensão por
morte, a questão principal é o direito do dependente ao benefício
previdenciário. A questão incidental consistirá nos fundamentos da decisão, nas
questões que, porventura, o juiz precise decidir para chegar à solução da
causa como, por exemplo, a condição de companheira (união estável) com o
segurado. Agora, não há questão que seja por natureza principal ou incidental.
A questão prejudicial de filiação na ação de alimentos poderá ser a questão
principal na ação investigatória de paternidade. Por outro lado, no controle
difuso de constitucionalidade, a questão da constitucionalidade sempre será
prejudicial, enquanto que, no concentrado,
sempre principal.
Trazendo a “novidade” para o Direito
Previdenciário, tomamos como recorte descritivo a revogação de uma jurisprudência
consolidada sobre a possibilidade de conversão do tempo de serviço comum, prestado até a data anterior à Lei 9.032/95, em especial.
Tal mudança causou surpresa
e injustiça a todos que pautaram sua conduta de acordo com a orientação
anterior. E isso porque havia justificada confiança na jurisprudência
dos tribunais de apelação. Precisamos de um caso real ou fictício para perceber/descobrir
o novo contido no referido texto.
Nesses casos, verifica-se a possibilidade de uma nova
“angularização” (para além da tese da modulação de efeitos pelos tribunais e
juízes – o que será objeto de outro artigo) do que está em jogo, já que tal
mudança desorientou os indivíduos que compõem a relação processual, desde que observado o contraditório. Por
outras palavras, é possível se ampliar os limites objetivos da coisa julgada, a
qual poderá, agora, alcançar questões prejudiciais levantadas ao longo do
processo (CPC, art. 503, §§ 1º, incs. I e II, e 2º).
Assim, para a formação da coisa julgada sobre as questões
prejudiciais são necessários os seguintes pressupostos:
i)
a questão deve ter
sido decidida expressamente;
ii)
da sua resolução
depender o julgamento do mérito – vale dizer, ela deve interferir no julgamento
do mérito. No entanto, nem tudo que interfere no mérito é questão prejudicial.
Argumentos e teses jurídicas, por exemplo, não são questões prejudiciais.
Questão prejudicial é aquela que poderia ser questão principal em outro
processo;
iii)
a seu respeito tiver
havido efetivo contraditório, não se aplicando no caso de revelia;
iv)
o juiz tem que ter
competência para decidir a questão como questão principal; por exemplo, juiz
federal confere um benefício previdenciário à companheira; esse juiz não teria
competência para analisar, como questão principal, a relação de filiação;
v) não se aplica aos processos em que houver restrições probatórias ou limitações à cognição que impeçam o aprofundamento da questão prejudicial, como é o caso, por exemplo, do mandado de segurança.
Não se pretende negar eficácia ao art. 329, inciso II, do NCPC, o que seria uma loucura,
mas lhe imprimir um sentido mais humano e social. Assim, por exemplo, no
processo 5011264-73.2012.4.04.7108/RS, reaberta a instrução processual, por
conta do acolhimento de uma preliminar de cerceamento de defesa, o magistrado
admitiu a substituição de um pedido de conversão do tempo de serviço comum em
especial por um pedido de reconhecimento, como tempo de serviço especial,
desses mesmos períodos.
O que se verifica nesse caso é a existência de prova
pré-constituída, isto é, a questão prejudicial pode ser comprovada documentalmente, de modo
que o art. 503, § 2º, não é obstáculo à ampliação dos limites objetivos.
Então, vejamos: a) a aposentadoria especial dependia da conversão do tempo de serviço comum em especial, pelo fator ,071 ou 0,83, logo, esta é uma questão que interfere no mérito do pedido principal; b) o pedido de reconhecimento, como tempo de serviço especial, dos períodos em foco poderia ser questão principal em outra demanda; c) é possível o reconhecimento com base em prova pré-constituída. Nesses casos, é recomendado que o pedido venha apoiado de novo requerimento administrativo, indeferido pelo INSS, o que, por si só, autorizaria uma nova ação previdenciária, para a análise específica desse período.
Note-se que o segurado suportou, sozinho, todo ônus da demora do processo e, consequentemente, da mudança na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Por fim, e não menos importante, mas não cabe ao INSS alegar desconhecimento da prova pré-constituída. Com efeito, não se verifica nenhum prejuízo ao contraditório. A rigor, se na demanda não foi analisado o pedido de reconhecimento, como tempo de serviço especial, dos períodos anteriores à 28/04/1995, a realização de tal pedido, em nova demanda, não afronta a coisa julgada. O problema, contudo, são as implicações de uma nova ação, com especial atenção para a decadência e prescrição.
Nesse caso, portanto, será suficiente a intimação do INSS sobre o ponto. Segundo Ricardo Alexandre da Silva, “[...] basta que determinado ponto jurídico seja impugnado para se converter em questão, autorizando a ampliação de limites objetivos para os temas prejudiciais expressamente decididos, desde que cumpridos os demais requisitos elencados no CPC”.[1]
A solução adotada pelo CPC não
viola a vontade das partes, mas reforça os princípios da máxima colaboração,
instrumentalidade e economia processual (CPC, arts. 5º, 6º, 8º, 489, § 3º, e 503, §§ 1º, incs. I e II, e 2º). Em atenção a tais
princípios, cabe o juízo identificar a questão prejudicial passível de ser
estabilizada.
A questão que
(sempre) se coloca é: seria razoável admitir a necessidade de o segurado
ajuizar uma nova ação previdenciária para ver reconhecida a especialidade de um
período sobre o qual o juiz tem, ainda no processo em curso, condições de
exercer seu juízo de certeza – considerando que o que faz coisa julgada é
tão-somente a impossibilidade de converter o tempo de serviço comum em especial?
E mais: é razoável premiar o INSS com eventual subtração dos valores devidos
desde o implemento dos requisitos ensejadores do benefício previdenciário?
Acrescente-se
a tudo isso os inúmeros poderes conferidos ao juiz para dirigir o processo com
maior efetividade, entre os quais cabe mencionar a possibilidade que ele terá
de dilatar os prazos processuais podendo, inclusive, alterar a ordem de
produção dos meios de prova para atender as peculiaridades do conflito (NCPC,
art. 139, VI).
O mesmo
vale para períodos completamente estranhos à petição
inicial,
em sede de reafirmação de DER, vale dizer: com fundamento na tese do fato
superveniente (CPC, art. 493 e 933), desde que o reconhecimento da
especialidade não demande dilação
probatória, em especial de natureza testemunhal e/ou pericial.[2]
Como já ouvi dizer Wilson
Engelmann: “O Direito Processual precisa ganhar o mundo onde os fatos acontecem
e esperam uma solução razoável.”
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Bah1:
SILVA, Ricardo Alexandre da. A nova dimensão da coisa julgada. São Paulo: Thomson Reuters, 2019.
p. 252.
Bah2: De registrar que o Superior Tribunal de Justiça fixou, em sede de recurso repetitivo, a seguinte tese: “É possível a reafirmação de DER (Data de Entrada do Requerimento) para o momento em que implementados os requisitos para a concessão do benefício, mesmo que isso se dê no interstício entre o ajuizamento da ação e a entrega da prestação jurisdicional nas instâncias ordinárias, nos termos dos arts. 493 e 933 do CPC/2015, observada a causa de pedir.” (Tema 995)
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