DA TABELA DO ARTIGO 142 DA LEI DE BENEFÍCIOS: É POSSÍVEL A IDADE FIXAR A CARÊNCIA EXIGIDA PARA DEPOIS DA EC 103/2019? VARIAÇÕES SOBRE O MESMO TEMA

 

Outra situação merece atenção. Na aposentadoria por idade, o ano em que o segurado implementa a idade fixa o marco da carência, conforme tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991. Dito em outras palavras, para a aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos idade e carência sejam preenchidos simultaneamente. É o que leciona a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.[1]

Exemplo: se a segurada implementou o requisito etário (60 anos de idade) em 2005, a carência a ser comprovada é de 144 meses, porquanto inscrita no Regime Geral da Previdência Social (RGPS) antes de 1991. Isso configura uma exceção à regra. Como já se viu, em sentido contrário ao axioma matemático de que a ordem dos fatores de uma soma ou multiplicação não altera o valor do respectivo produto, no direito previdenciário, a lógica é inversa.

Antes que se inicie uma abordagem, mais específica, do tópico que dá nome ao artigo, importante observar que a disposição organizada e ordenada, no espaço e tempo, dos requisitos ensejadores do benefício, da inscrição e recolhimento das contribuições e, assim por diante, pode definir, ou não, o direito do segurado, ou, na sua falta, dos seus dependentes, a um benefício previdenciário.

Mas voltando ao nosso exemplo, pergunta-se: caso a segurada não tenha fechado as 144 contribuições antes da EC 103/2019, é possível o cômputo das que faltam para 144? O implemento da idade em 2005 lhe garante o direito adquirido a uma aposentadoria com base nas regras anteriores? O tempo que falta poderá ser recolhido agora?

Entendemos que sim.

A Portaria INSS 450, de 03 de abril de 2020 foi a primeira determinar – expressamente – a observação do art. 142 da Lei 8.213/1991. Na sequência, o Decreto nº 10.410, de 30 de junho 2020, ao alterar a redação do art. 182 do Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999), ressalvou o caso de segurados inscritos no RGPS até a vigência da Lei de Benefícios, hipótese em que a carência (não o "tempo de contribuição") deve observar tabela que reproduz a disciplina do art. 142 desse diploma. Por fim, a Portaria DIRBEN/INSS nº 991, de 28 de março de 2022, regulamentando a matéria nesse sentido em seu art. 114, caput e parágrafo único. Nesse ínterim, temos, também, o Ofício Circular nº 064/2019/DIRBEN/INSS, emitido pela Diretoria de Benefícios do INSS (item 2.4).

Mas será exigido apenas o cumprimento da carência? Sim, pois, do contrário, a exigência de 15 anos de tempo contribuição irá esvaziar a tese. Do que adiantaria a idade fixar o marco da carência para depois exigir 15 anos de contribuição?

A título de curiosidade apenas: dentro dos 15 anos de contribuição é possível se destacar os 180 meses de carência, o contrário não. Após a EC 103/2019, contudo, carência e tempo de contribuição acabam coincidindo. Não há como confundir a carência necessária à concessão da aposentadoria por idade, nos termos da norma de transição consubstanciada no art. 142 da LB, com os 15 (quinze) anos de tempo de contribuição estabelecido pela EC 103/2019. “No primeiro caso, carência é contada de forma contínua e medida pelo número de contribuições mensais, de forma que cada recolhimento de contribuição, mesmo que por um dia, equivale a 01 (um) mês de carência, já o tempo de contribuição exige a efetiva soma de dias, meses e anos de suporte contributivo do segurado, conforme a melhor lição doutrinária.”[2]

Tudo isso, até aqui, parece bastante tranquilo. Isso significa que todos os segurados que implementaram a idade mínima antes de 13/11/2019 só precisam comprovar a carência prevista na tabela do art. 142 da Lei 8.213/1991? Antes de avançarmos, uma breve recapitulação revela-se oportuna, de forma que não se perca de vista que, mesmo após a reforma da previdência social, manteve-se a mesma idade mínima de 65 anos para o segurado homem. Já para as mulheres aumentarão 6 meses a cada ano até 2023 (até se alcançar os 62 anos de idade). Em todo caso, mesmo que a idade mínima tenha mudado para as mulheres, dela só devemos exigir a carência fixada na data em que implementada a idade mínima de 60 anos.[3]

Uma pergunta leva a outras tantas perguntas: Isso vai valer para efeitos de direito adquirido, isto é, será possível o cumprimento da carência a qualquer tempo, mesmo após 13/11/2019? Antes do cumprimento da carência, a mulher deve sofrer algum prejuízo com o aumento da idade mínima? E quanto ao critério de cálculo: O valor deverá consistir a 70% do salário-de-benefício mais 1% para cada grupo de 12 contribuições, limitado a 100% do salário-de-benefício? Por outras palavras, a data do implemento da idade mínima fixa a legislação a ser observada?

Nesses casos, defende-se que a idade fixa o marco da carência e também o critério de cálculo anterior.

Assim sendo, importa é que o somatório das contribuições, vertidas a qualquer tempo, alcance o mínimo exigido para o perfazimento da carência. No julgamento da AC 5004467-89.2022.4.04.9999, de relatoria do Desembargos Federal Paulo Afonso Brum Vaz, restou expresso que “o art. 142 da Lei n. 8.213/1991 foi recepcionado pela EC 103/2019, sendo possível o cômputo, nos termos do primeiro dispositivo, de períodos de labor exercidos pelo segurado após a vigência desse último diploma, conjugando-se ambas as normas.”

No caso em tela, o autor preencheu o requisito etário em 12/04/2009, logo, a carência exigida pelo art. 142 da Lei de Benefícios é de 168 contribuições. Este número de contribuições foi cumprido somente após promulgação da EC 103/2019, porém, ao segurado foi assegurado o direito ao benefício de aposentadoria de acordo com a lei anterior.

No julgamento do ED em Recurso Cível n. 5017466-47.2022.4.04.7001, o juiz Gilson Luiz Inácio chancelou a tese: 

Portanto, uma vez implementado o requisito etário, o segurado adquire o direito a se aposentar pelos requisitos da aposentadoria por idade vigentes à época.

Anote-se que ausente qualquer disposição expressa da EC 103/2019 revogando o dispositivo, o art. 25 da Lei n. 8.213/91 permanece vigente e, por consequência, o art. 142 da referida lei.

In casu, a parte autora tem direito a se aposentar quando cumprida a carência prevista para a data em que completou 60 anos de idade, isto é, 156 contribuições.

De acordo com a contagem de tempo da sentença, na DER (14/7/2021), a parte autora contava com 13 anos e 4 meses de tempo de contribuição e 154 contribuições para fins de carência.

Considerando que na data do implemento do requisito etário (2007) não havia exigência legal de tempo mínimo de contribuição, a autora faz jus ao benefício de aposentadoria por idade desde a DER.

Por tais razões, o recurso deve ser provido para reformar a sentença e condenar o INSS a conceder o benefício de aposentadoria por idade à autora, desde a DER (14/7/2021).

Na I Jornada de Direito da Seguridade Social, realizada pela CJF, foi aprovado o Enunciado 14: "Para os segurados inscritos no Regime Geral de Previdência Social até 24/07/1991, sujeitos à regra de transição estabelecida pelo art. 142 da Lei n. 8.213/1991, o número de meses necessários ao atendimento do requisito carência observará a data do implemento do requisito etário, quer as contribuições vertidas pelo segurado sejam anteriores à vigência da mencionada lei ou à Emenda Constitucional n. 103/2019, quer sejam posteriores a qualquer uma delas." 

Essa é uma situação muito particular, já que são pouquíssimas as pessoas que implementaram a idade mínima antes de 13/11/2019 e, somente depois desta data, a carência exigida. 

Por outro lado, tomamos como exemplo uma segurada que completou a idade mínima após 13/11/2019. Diferentemente da situação anterior, as novas regras deverão ser observadas (EC 103/2019, art. 18). Imaginemos uma situação limite – os exemplos imitam a vida real –, no qual uma mulher completou a idade mínima em 28/12/2019, ou seja, por ocasião do implemento da idade, dela serão exigidos 180 meses de carência e 15 anos de tempo de contribuição.

Suponhamos que, apesar de completar a idade mínima e a carência de 180 contribuições mensais ainda em 2019 (até 31 de dezembro), o tempo de contribuição é inferior a 15 anos, vale dizer: 14 anos, 11 meses e 26 dias. Neste caso, o benefício ficará para 2020, devendo ela contar com mais de 60 anos e 6 meses de idade, além dos 15 anos de contribuição, na data do requerimento, para, assim, fazer jus do benefício.

Isso não é mera curiosidade. A grande questão, entretanto, surge quando se reflete um pouco mais fundo sobre...

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Bah1: Tal entendimento encontra fundamento no princípio da isonomia e foi consolidado na Súmula 02 do TRF4: “Para a concessão da aposentadoria por idade, não é necessário que os requisitos da idade e da carência sejam preenchidos simultaneamente. (DJ (Seção 2) de 09/04/2003, pág. 421)”. BRASIL. Tribunal Regional Federal (4. Região). TRF 4. Súmula nº 02. Para o cálculo da aposentadoria por idade ou por tempo de serviço, no regime precedente à Lei n° 8.213, de 24 de julho de 1991, corrigem-se os salários-de-contribuição, anteriores aos doze últimos meses, pela variação nominal da ORTN/OTN. Disponível em: <https://www.trf4.jus.br/trf4/controlador.php...>. Acesso em: 13 fev. 2021. Tem também a Súmula 44/TNU: “Para efeito de aposentadoria urbana por idade, a tabela progressiva de carência prevista no art. 142 da Lei nº 8.213/91 deve ser aplicada em função do ano em que o segurado completa a idade mínima para concessão do benefício, ainda que o período de carência só seja preenchido posteriormente.”

Bah2: TRF4, AC 5004467-89.2022.4.04.9999, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 27/06/2022.

Bah3: Importante, também, lembrar que o art. 17 da EC 103/2019 não contempla a aposentadoria por idade, isto é, a sorte de quem estava a menos de dois anos para alcançar a carência exigida, porém, com idade para se aposentar.


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