O RISCO COMO “DISCRIMINEM”: NÃO PODEMOS TORNAR O DIREITO MAIS INCOERENTE EM PRINCÍPIO DO QUE ELE JÁ É
Nem toda falta de
sentido é sentida, como diz a música. Não é o caso da nova redação emprestada
pela EC 103/2019 ao art. 40, § 4º-B, da Constituição Federal. “Poderão ser
estabelecidos por lei complementar do respectivo ente federativo idade e tempo
de contribuição diferenciados para aposentadoria de ocupantes do cargo de
agente penitenciário, de agente socioeducativo ou de policial dos órgãos de que
tratam o inciso IV do caput do art. 51, o inciso XIII do caput do art. 52 e os
incisos I a IV do caput do art. 144.”
Mas o que há de
errado aqui? Ao mesmo tempo que o § 4-C veda a caracterização por categoria profissional ou ocupação, o § 4º-B confere um tratamento diferenciado
para os servidores da segurança pública. É louvável essa discriminação. Agora,
se o discriminem é o risco, devemos considerar que o agente nocivo em questão é
o risco à integridade física/mental, logo, tem-se mais um motivo para defender
a continuação da concessão da aposentadoria pela via da periculosidade a todos
os trabalhadores, inclusive da iniciativa privada. Há uma principiologia
constitucional que garante essa continuidade.[1] A integridade e coerência
devem garantir o DNA do direito.
A adoção de
critérios diferenciados não para por aqui. Também a pensão por morte deixada
pelos profissionais da segurança pública será vitalícia e equivalente à
remuneração do cargo quando decorrente de agressão física sofrida pelo
exercício de sua função, conforme § 7º: “Observado o disposto no § 2º do art.
201, quando se tratar da única fonte de renda formal auferida pelo dependente,
o benefício de pensão por morte será concedido nos termos de lei do respectivo
ente federativo, a qual tratará de forma diferenciada a hipótese de morte dos
servidores de que trata o § 4º-B decorrente de agressão sofrida no exercício ou
em razão da função.”
Por outras
palavras, serão adotados critérios diferenciados a partir de determinada
categoria e não do risco social. Novamente, em sendo o risco o discriminem,
nada justifica um tratamento diferenciado entre um magistrado e um policial
federal, no caso de serem assinados em razão de sua atividade.[2] Vejam: a
minha ideia, aqui, é destacar dispositivos que conflitam entre si, bem assim
mostrar a incoerência de princípio – que não podem ser justificadas. Essas
questões exigem ressalvas ou, pelo menos, algum esclarecimento, sob pena de
serem declaradas inconstitucionais.
Por último e não menos incoerente (algo óbvio demais para ser negado), enquanto que a aposentadoria especial para os policiais e agentes de segurança prevê uma idade mínima de 55 anos de idade para ambos os sexos (EC 103/2019, art. 5º); a regra transitória aplicável aos trabalhadores da iniciativa privada (RGPS), após 25 anos de labor especial, é de 60 anos de idade. A regra de transição alternativa estabelece uma idade mínima de 52 anos de idade, se mulher e 53, se homem, além da exigência de um pedágio de 100% sobre o tempo de contribuição que, na data de publicação da Emenda Constitucional n. 103/19, faltaria para atingir 25 anos de tempo de contribuição para mulher, e 30 anos para o homem.
Desde Dworkin, não
podemos “tornar o direito mais incoerente em princípio do que ele já é.”
Escrito por Diego
Henrique Schuster
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Bah1: SCHUSTER,
Diego Henrique Schuster. Aposentadoria especial e a nova previdência: os
caminhos do direito previdenciário. Alteridade: Curitiba, 2021.
Bah2: ZUBA, Thais Maria Riedel de Resende. A pensão por morte e sua acumulação pelos servidores públicos federais após reforma da previdência. WIRTH, Maria Fernanda; CAMPOS, Marcelo Barroso Lima Brito (Orgs.). Emenda Constitucional n. 103/19: análise especializada. 1. ed. São Paulo> Lujur Editora, 2021. p. 193.
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