DIVISÃO DA PENSÃO POR MORTE: O QUE MERECE SER PROBLEMATIZADO?

 

Já que ninguém me pergunta; vou dizer, assim mesmo, o que penso! Já escrevi sobre o assunto, mas com muitas ressalvas. A primeira delas: consideramos inconstitucional a possibilidade de o valor da pensão por morte ser inferior ao salário mínimo. Fala-se na violação à garantia ou princípio da dignidade da pessoa humana. Agora, “se tudo é, nada é”. Na divisão da pensão por morte isso se torna irrelevante? Diferentes grupos familiares poderão receber a metade de um salário mínimo?

Segundo, defende-se a possibilidade de divisão da pensão por morte com fundamento na boa-fé objetiva. Em seu voto divergente, Edson Fachin deixa claro que a análise da boa-fé objetiva pressupõe, para a sua caracterização, a comprovação de que os companheiros concomitantes ignoravam a concomitância das relações, quer dizer: um não sabia do outro. A partir disso fala-se muito em poliamor, caracterizado pela liberdade que é dada aos membros do casal para iniciar e manter relacionamentos com outras pessoas de modo individual e privativo.

Pois bem. Isso precisa ser combinado antes, logo, a premissa da ignorância sobre a concomitância das relações vai de encontro à noção de poliamor. O casamento é um negócio jurídico, um contrato bilateral. Assim sendo, concordar-se-ia com a divisão somente naqueles casos em que, manifestada a vontade de todos, houvesse ciência da concomitância das relações, com o consentimento de todos. Por outras palavras, não há que se falar em ignorância sobre a concomitância de relações. O que se poderia discutir, nesse nível, é o termo inicial de cada uma.

Considero importantes as indagações feitas pelo jurista Lenio Luiz Streck, por nos fazerem pensar: O afeto em que está assentado o princípio da afetividade é em relação a quem? Com certeza, não diz respeito à esposa legítima, certo? O afeto, neste caso, é de mão única? O afeto gera direitos? A propósito, como ficam os casos em que a amante sabe que o sujeito é casado (na verdade, quando é que não sabe?). Nos casos de a amante saber, não é uma forma de obter um benefício indevidamente? Essa decisão unificada servirá para os casos em que a amante sabe que o sujeito amante é casado? Ainda: por que as esposas legítimas devem transferir recursos para fazer a felicidade das amantes?[1] 

Por outro lado, não vale simplesmente dizer que o direito deve se adequar às práticas da comunidade, vale dizer: sem nenhum compromisso com a segurança e objetividade. Esse modo de pensar nos aproxima do chamado positivismo fático. O realismo jurídico traduz-se numa forma acabada de positivismo fático. A ordem jurídica prescreve (i. e., escreve antes) critérios á acção, dirigindo-nos esses modelos de comportamento”, e a secundária, em que a ordem “[...] auto-organiza-se para subsistir como um todo”.[2]

O tema é polêmico, sendo que não podemos ser cegos ou injustos contra aquilo que não conhecemos. Decerto, gostaria muito de ouvir uma opinião contrária, mas com especial atenção para estes pontos. Ainda preciso suspender alguns pré-juízos.

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

__________________________________

Bah1: Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2015-jun-25/senso-incomum-brasil-revive-escola-direito-livre-lhe-pedalada-lei>. Acesso em: 09 jan. 2018.

Bah2: BRONZE, Fernando José. Lições de introdução ao direito. 2. ed. Coimbra: Coimbra. 2006. p. 60-61.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE ED: TEMA 1.102/STF

REVISÃO DA VIDA TODA: VAMOS INTERPRETAR/COMPREENDER PARA DECIDIR?

A EQUIVOCADA APLICAÇÃO DO TEMA 629/STJ: ESTAMOS INVERTENDO AS COISAS