DO TEMPO EM GOZO DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE INTERCALADO POR CONTRIBUIÇÕES: PORQUE NA PRÁTICA A TEORIA DEVE SER APLICADA!
No particular, a maior bobagem que se fala no dia a dia é: "na prática a teoria é outra". Eis o senso comum.
Teoria e prática não andam descoladas, assim como não existem casos em abstrato - a indevida cisão entre texto e norma, casos fáceis e difíceis, etc. Se a teoria é outra, das duas, uma: ou você não estudou o que existe sobre o tema, nos livros adequados, na jurisprudência, enfim, ou o magistrado não julgou conforme o Direito.
Vamos a um caso prático. A sentença negou o pedido de cômputo
dos interregnos de 17/11/2004 a 31/01/2005, de 22/04/2005 a 10/01/2006, de
13/04/2006 a 31/01/2007 e de 22/03/2007 a 31/05/2007, nos quais a autora esteve
em gozo de benefício por incapacidade, adotando como fundamento:
[...]
verifico que a autora esteve em gozo de auxílio-doença por
diversos intervalos de tempo entre o ano de 2004 e 2007, mais precisamente
de 17/11/2004 a 31/01/2005, de 22/04/2005 a 10/01/2006, de 13/04/2006 a
31/01/2007, e de 22/03/2007 a 31/05/2007, conforme atesta o seu CNIS (evento
01, Processo Administrativo 7, págs. 1-5). Contudo, vê-se que a
autora laborou somente antes de 17/11/2004 e após 31/05/2007, não havendo
contribuições recolhidas entre esses períodos em que esteve afastada do
labor por conta de incapacidade, de modo que fica impedido o cômputo
destes períodos para fins de carência.
Na apelação, alegou-se que é possível o
cômputo de períodos em gozo de benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) tanto como tempo de serviço como para fins carência, desde que
intercalados com períodos contributivos (art. 55, II, da Lei 8.213 /91). Nesse
sentido:
O tempo de gozo de auxílio-doença ou de aposentadoria por invalidez não decorrentes de acidente de trabalho só pode ser computado como tempo de contribuição ou para fins de carência quando intercalado entre períodos nos quais houve recolhimento de contribuições para a previdência social. (Súmula 73/TNU)
É possível o cômputo do interregno em que o segurado esteve usufruindo benefício por incapacidade (auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez) para fins de carência, desde que intercalado com períodos contributivos ou de efetivo trabalho. (Súmula 102 TRF4)
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO
CIVIL DE 1973. APLICABILIDADE. APOSENTADORIA. CÔMPUTO DO TEMPO DE RECEBIMENTO
DE BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE PARA EFEITO DE CARÊNCIA. CONTRIBUIÇÃO EM PERÍODO
INTERCALADO. POSSIBILIDADE. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte
na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data
da publicação do provimento jurisdicional impugnado. Assim sendo, in casu,
aplica-se o Código de Processo Civil de 1973. II - O tempo em que o segurado
recebe benefício por incapacidade, se intercalado com período de atividade e,
portanto, contributivo, deve ser contado como tempo de contribuição e,
consequentemente, computado para efeito de carência. Precedentes. III - Recurso
especial desprovido. (REsp 1602868/SC, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA,
PRIMEIRA TURMA, julgado em 27/10/2016, DJe 18/11/2016)
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1125, reafirmou: "É constitucional o cômputo, para fins de carência, do período no qual o segurado esteve em gozo do benefício de auxílio-doença, desde que intercalado com atividade laborativa."
A questão da necessidade de intercalação com atividade laboral restou superada – e aqui chamo a atenção de todos para a alínea “a” do inc. XVI do art. 164 da IN 77/2015. Nos casos em que a empresa encerrar suas atividades durante o gozo do auxílio-doença, o segurado não pode ser prejudicado, isto é, a ele será possível fazer o recolhimento em outra modalidade, inclusive como contribuinte facultativo.
Esqueçamos o nosso medo da simplicidade, mas se trabalharmos apenas com os enunciados supramencionados, no sentido de que esse tempo – de gozo de benefício de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez – deve ser intercalado por períodos de contribuição, desimportante se torna o fato de o início do benefício se dar no curso de alguma atividade laborativa. Por outras palavras, é possível se considerar aquele benefício que se coloca, exatamente, no meio de períodos de contribuição, ou seja, entre um vínculo empregatício já encerrado e uma contribuição como facultativo após a cessação do benefício.
Da mesma forma, é suficiente a
contribuição antes e depois, sem qualquer limite de tempo. Afinal, nem a lei
nem o precedente do STF estabelecem um critério extra no sentido de ser observada
a competência imediatamente anterior ou posterior:
CONSTITUCIONAL. PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL
DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. CARÁTER CONTRIBUTIVO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ.
AUXÍLIO-DOENÇA. COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. LIMITES. 1. O caráter contributivo do
regime geral da previdência social (caput do art. 201 da CF) a princípio impede
a contagem de tempo ficto de contribuição. 2. O § 5º do art. 29 da Lei nº
8.213/1991 (Lei de Benefícios da Previdência Social – LBPS) é exceção razoável
à regra proibitiva de tempo de contribuição ficto com apoio no inciso II do
art. 55 da mesma Lei. E é aplicável somente às situações em que a aposentadoria
por invalidez seja precedida do recebimento de auxílio-doença durante período
de afastamento intercalado com atividade laborativa, em que há recolhimento da
contribuição previdenciária. Entendimento, esse, que não foi modificado pela
Lei nº 9.876/99. 3. O § 7º do art. 36 do Decreto nº 3.048/1999 não ultrapassou
os limites da competência regulamentar porque apenas explicitou a adequada
interpretação do inciso II e do § 5º do art. 29 em combinação com o inciso II do
art. 55 e com os arts. 44 e 61, todos da Lei nº 8.213/1991. 4. A extensão de
efeitos financeiros de lei nova a benefício previdenciário anterior à
respectiva vigência ofende tanto o inciso XXXVI do art. 5º quanto o § 5º do
art. 195 da Constituição Federal. Precedentes: REs 416.827 e 415.454, ambos da
relatoria do Ministro Gilmar Mendes. 5. Recurso extraordinário com repercussão
geral a que se dá provimento. (RE 583834, Relator(a): AYRES BRITTO, Tribunal
Pleno, julgado em 21/09/2011, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO
DJe-032 DIVULG 13-02-2012 PUBLIC 14-02-2012 RT v. 101, n. 919, 2012, p.
700-709)
No caso concreto, a apelante encerrou suas atividades no Município de Esteio em 20/10/2004, conforme CNIS. Ela permaneceu em gozo do benefício de auxílio-doença entre:
17/11/2004 a 31/01/2005 – AUXÍLIO-DOENÇA
PREVIDENCIÁRIO
Ainda sem condições retornar ao
trabalho, mas ostentando qualidade de segurada, a apelante formulou novo pedido:
22/04/2005 a 10/01/2006 – AUXÍLIO-DOENÇA
PREVIDENCIÁRIO
Não mais de 3 meses após a cessação:
13/04/2006 a 31/01/2007 – AUXÍLIO-DOENÇA
PREVIDENCIÁRIO
Idem:
22/03/2007 a 31/05/2007 – AUXÍLIO-DOENÇA
PREVIDENCIÁRIO
É certo que a apelante esteve incapaz
para o trabalho entre os períodos em gozo de auxílio-doença, não havendo perda
de qualidade de segurado.
Somente em 19/03/2008 a apelante conseguiu retornar ao trabalho, na condição de segurada obrigatória (empregada).
Diante da ausência de restrições ou outros limites literais, há que se levar em conta a vulnerabilidade social e informacional da apelante, que não tinha a orientação para verter contribuições entre a cessação e o restabelecimento do benefício de auxílio-doença.
Assim, é possível se computar os períodos de 17/11/2004 a 31/01/2005, de 22/04/2005 a 10/01/2006, de 13/04/2006 a 31/01/2007 e de 22/03/2007 a 31/05/2007, porquanto intercalados por contribuições, bem assim os interregnos 06/12/1972 a 09/02/1973, de 11/08/2008 a 19/08/2009 e de 20/08/2009 a 14/09/2009, com a concessão da aposentadoria por idade desde a DER.
Resultado: DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA AUTORA, PARA RECONHECER QUE OS PERÍODOS DE FRUIÇÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA, INTERCALADOS POR PERÍODOS EM QUE HOUVE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES, INTEGREM O CÔMPUTO DA CARÊNCIA, RECONHECER O DIREITO AO BENEFÍCIO DE APOSENTADORIA POR IDADE URBANA A CONTAR DA DER.
Escrito por Diego Henrique Schuster
Comentários
Postar um comentário