TEMA 709/STF: E CONTINUAM AS DÚVIDAS?!
Em relação ao tema 709/STF, volto de onde
parei: Será exigida a devolução
de valores? O STF irá modelar os efeitos da decisão (ex nunc)? Caberá ao INSS ajuizar uma ação rescisória contra as decisões
que asseguraram a possibilidade de o percipiente de aposentadoria especial
continuar trabalhando sob condições especiais (CPC, art. 535, §§ 5º e 8º)?
Os embargos
de declaração foram julgados e as primeiras impressões lançadas: Não será
exigida a devolução de valores. É suspensão, óbvio – com todo respeito. Os
efeitos da decisão foram modulados para quem teve decisão judicial transitada
em julgado até 23/02/2021. Decerto, contra a decisão que assegurou a
possibilidade de o percipiente de aposentadoria especial permanecer no trabalho
insalubre não caberá ação rescisória. Isso significa que, sob pena de afronta à
coisa julgada, o INSS não poderá revisar tal decisão?
Antes, contudo, o que restou
expresso na decisão:
Nessa conformidade, deve
se resguardar a segurança jurídica naqueles casos em que, tendo sido favorável
a decisão àquele que se pretendia aposentar especialmente e continuar a
laborar, já tenha se operado o trânsito em julgado. Todavia, os efeitos
desse decisum devem ser observados a partir da data do julgamento do presente
recurso.
Há duas
formas muito claras de se refletir sobre o assunto. A primeira coloca a
permanência ou retorno ao trabalho insalubre numa relação de trato sucessivo. Nesse
nível, poder-se-ia defender que, mesmo com uma decisão favorável e a modulação
de efeitos (o que impede a ação rescisória), o retorno/permanência após
23/02/2021 poderá ser revisado pelo INSS, na via administrativa.
Isso demanda
um estudo sobre os limites temporais da coisa julgada. Talvez a utilização da expressão “limites
temporais” seja inadequada, uma vez que não há limites temporais impostos a
priori[1]. Ocorre que a situação substancial da lide formada pela res iudicata pode sofrer modificações em
virtude de fatos ou normas supervenientes.[2] O que se tem na doutrina
brasileira são dois enfoques: o momento final de incidência da coisa julgada e
as relações jurídicas continuativas, também conhecidas como condições para
variação do decisum.[3]
Não vislumbro uma alteração no estado de fato com a permanência do aposentado num trabalho insalubre, já que tal possibilidade foi assegurada pela decisão judicial. Agora, mesmo não havendo uma mudança no sistema normativo, a decisão do STF veio confirmar a constitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91, sendo que esse movimento poderia ser encarado como uma alteração no estado de direito, tal como ocorreu quando o TRF4 reconheceu a sua inconstitucionalidade, em sede de controle difuso de constitucionalidade. Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA.
RECONHECIMENTO SUPERVENIENTE DE INCONSTITUCIONALIDADE DE NORMA. POSSIBILIDADE
DE REVISÃO. ART. 505, I, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. 1. Nas relações jurídicas
continuativas, a lei processual civil admite, no inciso I do art. 505, que
sobrevindo situação no estado de direito em vigor por ocasião de demanda
anterior, a parte postule a revisão do quanto decidido, independentemente do
ajuizamento de ação rescisória. 2. Caso em que a modificação decorre do
julgamento do incidente de inconstitucionalidade 5001401-77.2012.404.0000, em
maio de 2012, por esta Corte, no qual se reconheceu a invalidade da restrição
contida no §8º do art. 57 da Lei de Benefícios, por violar, entre outros, o
direito ao livre exercício de atividade profissional. 3. Sobrevindo o
reconhecimento da inconstitucionalidade, a norma, que foi aplicada por ter sido
considerada vigente na decisão anterior, não mais pode produzir efeitos,
comprometendo a validade da condição então estabelecida para o gozo de
aposentadoria especial - o afastamento do trabalho. 4. Para a compatibilização
da nova situação normativa com a decisão anterior transitada em julgado, a
melhor solução é admitir-se, nos termos do inciso I do art. 505, a revisão do
quanto decidido, afastando-se a condição lá estabelecida, com efeitos, porém, a
partir do momento em que a parte tomou a iniciativa de pedir tal revisão, ou seja,
a partir do ajuizamento da ação. Apelação provida para afastar o óbice da coisa
julgada e devolver os autos à origem para prosseguimento. (TRF4, AC
5002525-94.2015.4.04.7112, Sexta Turma, Rel. Taís Schilling Ferraz, j. aos
autos em 04.04.2018)
Apesar da coisa julgada, imutáveis somente as quatro operações matemáticas.
A segunda é no sentido de que, sem a possibilidade de revisão judicial do que foi estatuído na decisão, ao INSS não será possível a suspensão do benefício. Afinal, para que a modulação de efeitos se irrepetíveis os valores recebidos até 23/02/2021. Por outras palavras, não haveria motivos para a modulação dos efeitos da decisão, pensando nas inúmeras ações rescisórias possíveis contra decisões que transitaram em julgado antes do julgamento do recurso, senão para, exatamente, garantir a possibilidade do aposentado – a quem foi expressamente garantido – continuar trabalhando em ambiente nocivo.
Lembrando que a modulação tem como finalidade minimizar os resultados nefastos das reviravoltas da jurisprudência. Nessa perspectiva, a modulação serve para preservar atos praticados com base na estabilidade gerada por uma decisão judicial que fez coisa julgada[4], ou seja, ela assume um compromisso com o futuro. Assim sendo, contra a decisão transitada em julgado não deve ser aplicado o precedente do STF e, consequentemente, o art. 57, § 8º, da Lei 8.213/1991, o que deve ser observado pela administração, sob pena de afronta à coisa julgada – também. A modulação equivale a um juízo de inconstitucionalidade do STF para preservar as expectativas de direito, como lembra Paulo Afonso Brum Vaz.
Nenhuma justificava vem para legitimar um resultado que se pretendia alcançar de antemão. Os métodos funcionam assim. Por isso as últimas páginas de um livro já estão nas primeiras. Nas palavras de Albert Camus: “O método aqui definido confessa a percepção de que todo verdadeiro conhecimento é impossível. Só se podem enumerar as aparências e se fazer sentir o clima”. Assim como a discussão sobre se “y” é vogal ou consoante, a nossa investigação demanda a reconstrução de alguns institutos.
No particular, simpatizo com a segunda tese. Não por causa da expressão “todavia”, mas apesar dela. A solução surge como decorrência lógica da modulação de efeitos - o que soa técnico. Agora, é inegável que estamos diante de uma relação jurídica continuativa e, nessa linha, preocupa a questão do tratamento igualitário – exemplos não faltam em matéria tributária – e, como um fantasma, a finalidade do benefício – reafirmada pelo STF – pesa sobre mim.
Escrito
por Diego Henrique Schuster
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Bah1:
TALAMINI, Eduardo. A coisa julgada no tempo: os “limites temporais” da coisa
julgada. Revista Jurídica, ano 55, n. 354, abr., 2007. p. 17.
Bah2: GUIMARÃES, Luiz Machado. Preclusão,
coisa julgada, efeito preclusivo. In: Estudos
de direito processual civil. Rio de Janeiro-São Paulo: Jurídica
Universitária,1969, p. 26-27.
Bah3: CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e preclusões dinâmicas: entre continuidade, mudança e transição de posições processuais estáveis. Salvador: JusPODVIM, 2013, p. 94.
Bah4: FERRAZ, Taís. Schilling. O precedente na jurisdição constitucional: a construção e eficácia do julgamento da questão com repercussão geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 113.
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