A RADIAÇÃO SOLAR NO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO: QUAIS AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS NA SAÚDE DO TRABALHADOR?
Viver nos tempos atuais significa correr riscos diários. Porém, os
riscos a que estão submetidos aqueles que manipulam recursos naturais em escala
nano tomam formas diferentes daqueles trabalhadores da construção civil, que,
por vezes, são diversos dos riscos a que estão submetidos altos empregados
(diretores) que exercem sua função em um escritório, e assim por diante. Vamos
considerar apenas a diferença entre o local de trabalho, ou seja, entre quem
exerce sua função no interior de uma fábrica ou empresa e aquele que exerce sua
atividade no meio externo, com exposição habitual e permanente, à radiação
solar, ainda que em dias de temperatura mais amena.
O valor científico da discussão
está em buscar uma resposta constitucionalmente adequada para o tratamento
diferenciado dispensado a quem trabalha exposto a agentes climáticos, por se
entender que a legislação exige procedência de fontes artificiais, como
condição para o enquadramento da atividade especial e, consequentemente, a concretização
da proteção social mediante a concessão do benefício previdenciário. Nessa
perspectiva, o trabalhador exposto a radiações solares é colocado no mesmo
nível (de proteção) dos altos
empregados (diretores) que exercem sua função em um escritório, uma vez que
ambos não “merecem” um tratamento diferenciado.
Antes de qualquer outra análise, cumpre esclarecer o que são fontes
artificiais, ou melhor, o que abrange o meio ambiente artificial. Luís Paulo
Sirvinskas traduz: “é aquele construído pelo homem. É a ocupação gradativa dos
espaços naturais, transformando-os em espaços artificiais”. E completa:
Essa construção pelo Homem pode dar-se em espaços abertos
ou fechados. Denominam-se espaço urbano fechado os edifícios, casas, clubes,
etc. e espaço urbano aberto as praças, avenidas, ruas, etc. A ocupação desses
espaços urbanos pelo homem tornou-se complexa com o grande número de pessoas,
necessitando de regulamentação para disciplinar a aplicação de política pública
urbana.[1]
O conceito de meio ambiente está no centro da discussão. Muitas são as
definições encontradas para o termo. Iara Verocai[2] apresenta uma enorme quantidade de definições;
dentre essas, merecem destaque as seguintes: a) A soma das condições externas e influências que afetam a vida, o
desenvolvimento e, em última análise, a sobrevivência de um organismo (The World
Bank); b) O conjunto do sistema
externo físico e biológico, no qual vivem o homem e os outros organismo
(PNUMA).
Aí reside o núcleo do estranhamento: é preciso questionar: a) é possível
tratarmos os eventos climáticos como uma realidade que nos é externa? b) os
eventos climáticos não integram ou interferem no meio ambiente do trabalho de
algumas pessoas? c) o que diz a legislação previdenciária sobre meio ambiente
do trabalho? É óbvio que o “meio externo” não é nenhuma exceção do meio
ambiente artificial. Oportuna as considerações de Paulo de Bessa Antunes:[3]
O direito ambiental é um direito da natureza? Essa é uma
questão importante e que merece alguma reflexão preliminar. Certamente, a natureza é parte importante do meio
ambiente, talvez a mais importante delas. Mas o meio ambiente não é só a
natureza. meio ambiente é natureza mais atividade antrópica, mais modificação
produzida pelo Ser Humano sobre o meio físico de onde retira o seu sustento.
Não se deve, contudo, imaginar que o Homem não é parte do mundo natural, ao
contrário, ele é parte essencial, pois dotado de uma capacidade de intervenção
e modificação da realidade externa que lhe outorga uma posição extremamente
diferente da ostentada pelos demais animais. Um dos fundamentos da atual “crise
ecológica” é, sem duvida, a concepção de que o humano é externo e alheio ao natural.
O Direito Previdenciário mantém intimas relações com o Direito Ambiental.
Com efeito, é importante a utilização de uma racionalidade jurídica
interdisciplinar e, até mesmo, uma intervenção normativa, com vistas à
racionalização do conflito e a sua solução em matéria previdenciária. O
conceito de meio ambiente do trabalho tem a função de mediador. O meio ambiente
do trabalho possibilita uma conversação entre as características e
peculiaridades de diferentes disciplinas (Direito Ambiental, Direito do
Trabalho e Direito Previdenciário), ocorrendo o surgimento de legislações e
obras doutrinárias sobre o tema.
A noção normativa de meio ambiente do trabalho surge como resultado da
própria complexidade das relações sociais, mais exatamente, de uma preocupação
com as condições ambientais que digam respeito às atividades laborais
insalubres e perigosas no interior de uma sociedade de risco.[4] Não me
proponho aqui a desenvolver a formação do sentido jurídico de meio ambiente (e
de seu aprofundamento em aspectos diferenciados funcionalmente), fruto de distinções internas
ao sentido jurídico de meio ambiente.[5]
A noção de meio ambiente do trabalho é ainda mais abrangente, no sentido
de atrair as condições climáticas, por levar em conta o trabalho,
entendido por Hannah Arendt, como atividade correspondente ao artificialismo da
existência humana, realizado em um mundo subsequentemente transformado em um
ambiente artificial, porquanto “a condição humana do trabalho é a mundanidade”.[6]
Para Júlio Cesar de Sá da Rocha o meio ambiente é uno, sendo que a realização
do trabalho humano qualifica-o. Nesse sentido, o jurista afirma:
[...] o entendimento do meio ambiente
do trabalho estabelece-se com a percepção do espaço do trabalho e, mais ainda,
do próprio trabalhador, na medida em não existe tal ambiente sem o ser humano.
Logo, a maquinaria, os utensílios, os meios de produção, tomados em si mesmo,
não transformam um simples lócus em
ambiência do trabalho. Por consequência, a necessidade do trabalho humano, em
qualquer de suas formas, é condição sine
qua non para converter um espaço físico em meio ambiente do trabalho.[7]
Assim, alguns homens trabalham sob diferentes condições climáticas que
lhe são nocivas, transformando o meio externo no seu meio ambiente de trabalho,
assim como o trabalhador que exerce sua função em um escritório ou no espaço
interno de uma fábrica ou da empresa. O meio ambiente do trabalho não se
restringe ao espaço interno da fábrica ou da empresa, tampouco os agentes
agressivos se resumem aos com procedência de fontes artificiais. Se o meio ambiente do trabalho constitui o “pano de fundo das complexas relações
biológicas, pscicológicas e sociais a que o trabalhador está submetido”,[8] há
que se considerar todos os agentes que acarretam consequências negativas nas
condições de saúde ocupacional e de bem-estar do trabalhador.
Em matéria
previdenciária, contundo, ainda apostamos numa estrutura metodológica rígida
(positivista), criando um ambiente de trabalho diferenciado e distante da vida
dos trabalhadores. As
radiações solares afetam o trabalhador. Mesmo assim, alega-se que não é possível o reconhecimento da
especialidade da atividade, com fundamento no disposto no Código 1.1.4 do
Quadro Anexo do Decreto nº 53.581/64. O problema vai além de uma falta de (ou diferente)
pré-compreensão sobre o meio ambiente do trabalho, já que evidente o conflito
no interior da própria legislação e jurisprudência. Afinal, a atmosfera contendo
pouco oxigênio ou a pressão atmosférica anormal possui procedência
de fontes artificiais? As grandes variações de temperatura, por exemplo, não
potencializam alguns agentes nocivos (de fontes artificiais)?
A exposição à radiação solar
(ultravioleta) é prejudicial à saúde.[9] Não paira qualquer dúvida disso. A ilustração abaixo é importante para explicar:
Sobre a exclusão
das radiações não ionizantes do Dec. 3.048/99, não podemos incorrer no mesmo
erro que tanto já se criticou, ou seja, a saída tem sido usar as normas regulamentadoras da legislação
trabalhista, nesse caso, o Anexo 7 da NR-15. A partir da Lei 9.732/98, que
emprestou nova redação ao art. 58 da Lei 8.213/91, tem-se a exigência de que o
laudo técnico de condições ambientais do trabalho (LTCAT), com base no qual é
preenchido o formulário para requerimento da aposentadoria especial, observe os
termos da legislação trabalhista. Parece desnecessário, mas é devido o reconhecimento da natureza especial
sempre que prova técnica demonstrar que a atividade exercida pelo segurado é
perigosa, insalubre ou penosa, com base na Súmula 198 do extinto TFR. Trata-se
da consolidação de uma interpretação hermeneuticamente adequada, por trazer um
compromisso (discursivo) com o referencial constitucional – reafirmado pela lei
de benefícios (art. 57).[10]
É claro que se poderia indagar a variação de exposição (dia/noite;
verão/inverno), porém, aqui importa saber se o trabalho externo (ao léu) é
inerente à função. Invariavelmente, o trabalhador estará exposto a radiações
solares. Aqui devem ser considerados os efeitos cumulativos e sinergéticos dos
impactos ambientais. As consequências podem ter longos períodos de latência,
convertendo-se num mal silencioso. A aposentadoria especial tem como
finalidade, antes de tudo, prevenir o dano e, com muito maior razão, atenuá-lo.
O que se pretende, de fato, é se alcançar uma consciência coletiva sobre
o tema, devendo o princípio da solidariedade compatibilizar a proteção social
do trabalhador exposto a radiação solar com o princípio da prevenção/precaução.
Existe uma obrigação social, legal e constitucional para a tutela do meio
ambiente do trabalho, nele compreendido o trabalhador. Esse é um aspecto de grande
importância, isto é, “o Direito positivado é uma construção humana para servir
os propósitos humanos.”[11]
Escrito por Diego Henrique Schuster
___________________________________
Bah1: SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de
direito ambiental. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 227.
Bah2: Vocabulário básico de meio ambiente. 4.
ed. Rio de Janeiro: Petrobrás/FEEMA, 1992. p. 133-135.
Bah3: ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental.
14. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 7.
Bah4: ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito
ambiental do trabalho: mudanças de paradigmas na tutela jurídica à
saúde do trabalho. São Paulo: Atlas, 2013. p. 238.
Bah5: CARVALHO, Délton Winter de. A formação
sistêmica do sentido jurídico de meio ambiente. Revista de Estudos
Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RE-CHTD), São
Leopoldo, v. 1, n. 1. p. 31, 2009.
Bah6: ARENDT, Hannah. A
condição humana. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária. p. 15.
Bah7: ROCHA,
Julio Cesar de Sá da. Direito ambiental
do trabalho: mudanças de paradigmas na tutela jurídica à saúde do trabalho.
São Paulo: Atlas, 2013. p. 102.
Bah8: ROCHA,
Julio Cesar de Sá da. Direito ambiental
do trabalho: mudanças de paradigmas na tutela jurídica à saúde do trabalho.
São Paulo: Atlas, 2013. p. 99.
Bah9: Ver: SILVA, Gabriela Dias; OGAWA, Melina Mayumu; SOUZA, Priscipla
Castro de. Os efeitos da exposição à radiação ultravioleta ambiental.
Disponível em: <https://www.ebah.com.br/content/ABAAAeiqAAJ/ultravioleta>.
Acesso em: 04 fev. 2018.
Bah10: Essa tendência foi capturada: TRF4
5012324-16.2014.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator ROGERIO FAVRETO, juntado aos
autos em 14/07/2016. A exposição solar é também considerada nas
concessão/manutenção dos benefícios por incapacidade. Vale transcrever trecho
da decisão proferida no julgamento da Apelação Cível 0005652-63.2016.4.04.9999,
de relatoria da Desembargadora Taís Schilling Ferraz: “No presente caso, da análise dos exames e atestados médicos em conjunto
com o laudo pericial, denota-se que o autor está acometido de múltiplus
carcinomas basocelulares (fl. 64), os quais, em razão do exercício de
trabalho na agricultura, ficam bastante expostos à radiação solar. Não há prova
contundente, nos autos, de que o demandante esteja totalmente recuperado da
doença, podendo retornar às atividades laborativas sem prejuízo de sua saúde.
Ao contrário, o que se extrai dos exames é que a condição do autor ainda é precária.
Portanto, indeferir a manutenção do benefício pode resultar na ampliação
tumoral e na necessidade de mais cirurgias. Ademais, é preciso considerar que o
autor, nascido em 1960, cursou somente até a 4ª série do ensino fundamental, e
vinha laborando na agricultura, fato que torna inviável o exercício de outra
profissão na qual não se exponha ao sol.” (TRF4, AC
0005652-63.2016.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E.
31/07/2018).
Bah111: ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito
ambiental. 14. ed. São Paulo: Atlas, 2012. p. 19.
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