REFORMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL: COMO SER PREVIDENTE ASSIM?




Interessante a fábula “O Jacaré e o Sapo”:[1]
O jacaré e o Sapo nadavam em paz no Grande lago Tsé-Chuin, quando o sábio Oi-Ti-Sin gritou da margem:
- Ei, Jacaré, o Tai-Kum acaba de decretar que de hoje em diante é permitido de novo matar e comer qualquer animal com rabo. Olha, vem aí o barco do xogum!
O Jacaré imediatamente pôs em movimento suas poderosas patas, gritando:
- Trepa nas minhas costas, Sapo, que eu te salvo. Mas o Sapo continuou nadando tranquilo, dizendo:
- Ué, e eu lá tenho rabo? – e foi se aproximando, destemeroso, do barco de pesca, facilitando ser apanhado pela rede que os pescadores atiravam. E, ao se sentir preso, pôs-se a gritar:
- Me soltem, me soltem! Eu não tenho rabo! Eu não tenho rabo! Mas o Jacaré, protegido por trás de uma pedra, invectivou:
- Nossas leis têm efeito retroativo, idiota! Você não tem rabo, mas teve, quando era girino.
O que foi alvo de duras críticas na PEC 287/2016 voltou, ainda pior, na PEC 06/2019.[2] O que o governo chama de “regra de transição” é, na verdade, uma regra de corte. Tomamos como exemplo a situação de um homem com 55,6 anos (idade média de concessão da aposentadoria por tempo de contribuição) e 33 anos de tempo de contribuição.
Primeiro passo: analisar o tempo de contribuição, pois, faltando apenas 2 anos para completar os 35 anos é possível a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição mediante o cumprimento de um período adicional correspondente a 50% do tempo que, na data da promulgação da Emenda à Constituição, falta para atingir o tempo de contribuição. Nesse caso, o segurado vai precisar contribuir por 3 anos.
Caso esse mesmo homem, com 55,6 anos, tivesse 32 anos de tempo de contribuição?
Primeiro passo: prejudicado.
Segundo passo: analisar a regra por pontos. Será possível uma aposentadoria por tempo de contribuição se a soma da idade ao tempo mínimo de contribuição (35) totalizar, em:
2019 – 96 pontos;
2020 – 97 pontos;
2021 – 98 pontos;
2022 – 99 pontos;
2023 – 100 pontos;
2024 – 101 pontos;
2025 – 102 pontos;
2026 – 103 pontos;
2027 – 104 pontos.
Note-se que são possíveis inúmeras variações como 35 + 61 = 96; 36 + 60 = 96; 37 + 59 = 96; 38 + 58 = 96, e assim por diante.
No exemplo acima:

Ano
Idade + Tempo de Contribuição
Pontos
Pontos por ano
2019
55,6 + 32
sem TC
96
2020
56,6 + 33
sem TC
97
2021
57,6 + 34
sem TC
98
2022
58,6 + 35
93,6
99

Enfim, esse segurado somente atingirá a pontuação exigida (105) no ano de 2028, com mais de 64 anos de idade e mais de 40 anos de tempo de contribuição!
Terceiro passo: será possível uma aposentadoria por tempo de contribuição quando preenchidos, cumulativamente, 60 anos de idade e 35 anos de tempo de contribuição. Acontece que a partir de 1º de janeiro de 2020, a idade mínima será acrescida de seis meses a cada ano, até atingir sessenta e cinco anos de idade, se homem.
No nosso caso:

Ano
Idade
Idade mínima exigida
2019
55,6
60
2020
56,6
60,5
2021
57,6
61
2022
58,6
61,5
2023
59,6
62
2024
60,6
62,5
2025
61,6
63
2026
62,6
63,5
2027
63,6
64
2028
64,6
64,5

A aposentadoria será devida se, até 2028, o segurado completar os 35 anos de contribuição e a idade mínima não sofrer nenhuma alteração – a PEC autoriza que a idade mínima continue acompanhando o aumento da sobrevida da população brasileira aos 65 anos de idade.
Valor: 60% da média + 2% a cada ano que passar de 20 anos.
O problema, como sempre, está no fato de menos se considerar o tempo de contribuição (fato gerador da aposentadoria por tempo de contribuição) e mais a idade. Em poucas palavras, ainda falta uma regra de transição proporcional ao tempo de contribuição.
A PEC ultrapassa os limites que desafiam a capacidade de a Previdência Social continuar fornecendo proteção social, enfim, de contribuir para a redução das desigualdades sociais e construção de uma sociedade solidária, que esteja apta a assegurar igual dignidade a todos os seus membros (e isso as vozes oficiais não dizem).

Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: MILLÔR, Fernandes. 100 fábulas fabulosas. 5. ed. Rio de Janeiro: Record, 2009. p. 224.

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