A PEC 06/2019 E O FIM DA APOSENTADORIA ESPECIAL?




A aposentadoria especial é uma prestação previdenciária – diferente das demais aposentadorias – devida ao segurado que tiver trabalhado, durante 15, 20 ou 25 anos, sujeito a “condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física”, referencial previsto no art. 201, § 1º, da Constituição brasileira, onde assume nítido caráter de direito subjetivo de natureza fundamental e social, e reafirmado pela Lei 8.213/1991, na qual o benefício tem regulamentação provisória.
Isso tudo pode mudar com a aprovação da PEC 06/2019. Explico melhor. Tomamos como exemplo a situação de um segurado homem com 50 anos de idade e 24 anos de tempo de serviço especial.
Primeiro passo: será possível uma aposentadoria “especial” se a soma da idade ao tempo de contribuição (especial + comum) totalizar, em:
66 pontos e 15 anos de efetiva exposição;
76 pontos e 20 anos de efetiva exposição;
86 pontos e 25 anos de efetiva exposição.
A partir de 2020, as pontuações serão acrescidas de um ponto a cada ano, vale dizer: 01 ponto até 81 (2034); 91 (2034) e 96 (2029) pontos, respectivamente.
No nosso caso:

Ano
Idade + TC + Tempo Especial
Pontos
Pontos exigidos
2019
50 + 24 com exposição
Não tem 25
86
2020
51 + 25 com exposição
76
87

Se for assim, esse segurado atingirá a pontuação exigida somente em 2030, com 61 anos de idade e 35 anos de tempo de contribuição. Para fechar ainda em 2020, ele teria que contar - para além dos 25 anos de efetiva exposição a agentes nocivos à saúde - com, no mínimo, mais 11 anos de atividade comum.
Segundo passo: será possível uma aposentadoria “especial” se cumpridos:
55 anos de idade + 15 anos com exposição;
58 anos de idade + 20 anos com exposição;
60 anos de idade + 25 anos com exposição.
Essas idades serão alteradas quando aumentar a expectativa de sobrevida. No exemplo, a aposentadoria “especial” será devida se, até 2029, o segurado completar os 60 anos de idade, mais os 25 anos com exposição a agentes nocivos. É claro que, até lá, a idade mínima já terá sofrido alguma alteração.
A PEC 06/2019 acaba com aposentadoria especial. A exigência de uma idade mínima contraria a lógica do benefício – sem falar que uma Lei Complementar poderá estabelecer critérios de idade mínima e tempo de contribuição mais restritivos. Após a reforma não será mais possível a conversão do tempo especial em comum. A propósito, no caso de uma segurada mulher, a PEC não traz uma escala de pontos diferenciada, o que significa dizer que, mesmo com a possibilidade de conversão do tempo de serviço especial em comum, ela nunca atingirá a pontuação exigida.
Tomamos como exemplo a situação dos mineiros – mais por seu simbolismo do que por sua triste realidade –, uma vez que o seu ambiente de trabalho (minas) é sempre associado a uma “atmosfera pesada”, com pouco oxigênio e mistura de poeira, o que afeta seriamente o pulmão desses trabalhadores, provocando uma série de problemas à saúde, como a pneumoconiose (conhecida como pulmão negro), além de distúrbios do coração, diminuição digestiva do organismo etc. Em vista disso, entre 35 e 45 anos o trabalhador em minas poderia ser considerado incapaz para o trabalho.[2] É de se ver que tal situação reclama a redução do tempo de serviço, para fins de obtenção do benefício previdenciário, de modo que os riscos a que estão sujeitos não se tornem fatais à vida ou deixem-os sem condições (mínimas) de gozar, com qualidade, sua jubilação.[3]
Já no que diz respeito à retirada das atividades periculosas, deixa-se de fora da proteção da previdência social as atividades envolvendo contato com inflamáveis ou explosivos, sendo essa a mesma lógica para o trabalho em alturas, com exposição à alta tensão elétrica, de segurança patrimonial etc. Após 25 anos de trabalho sob condições perigosas, a concessão da aposentadoria especial tem como finalidade não dar “chance ao azar”.
O valor, igualmente, não será mais integral: 60% da média + 2% a cada ano além dos 20 anos em ambas as regras. Em poucas palavras, a aposentadoria deixa de ser especial, sob quase todos os aspectos.
Cumpre perguntar: o que o segurado vai fazer depois de trabalhar 15, 20 ou 25 com exposição a agentes nocivos? Esperar completar a idade mínima ou continuar trabalhando em trabalhos insalubres? Embora sem trazer elementos estatísticos, prolongar o tempo de trabalho pode causar danos e, com muito mais razão, agravá-los.
A partir disso, afirma-se a necessidade de a aposentadoria especial continuar a ser tratada como uma técnica de proteção “excepcional”[4] da previdência social, uma estratégia de proteção dos trabalhadores, para se evitar a efetiva incapacidade do trabalhador pela redução do tempo de serviço.

Escrito por Diego Henrique Schuster

Post scriptum: Se for possível a conversão do tempo de serviço especial em comum até a promulgação da PEC 06/2019, o que se cogita é a regra de transição aplicável aos segurados que estão a menos de 2 anos para se aposentar, que prevê um pedágio de 50% sobre o que falta para 35 anos de contribuição. Nesse caso, o valor do benefício corresponderá à media de 100% do período x Fator Previdenciário. 
____________________________________
Bah1: SCHUSTER, Diego Henrique. Aposentadoria especial: entre o princípio da precaução e a proteção social. Curitiba: Juruá, 2016. p. 38.
Bah2: ROCHA, Julio Cesar de Sá da. Direito ambiental do trabalho: mudanças de paradigmas na tutela jurídica à saúde do trabalho. São Paulo: Atlas, 2013. p. 110.
Bah3: O tempo de serviço/contribuição exigido para os mineiros de subsolo é de 15 anos, conforme quadro do art. 2º do Dec. 53.831/64 (1.2.10); Anexo I do Dec. 83.080/79 (1.2.12); e Anexo IV do Dec. 3048/99 (4.0.2).
Bah4: A aposentadoria especial é considerada um benefício excepcional pelo STF: “[...] deve-se indagar: qual a finalidade da previsão constitucional do benefício previdenciário da aposentadoria especial? Por óbvio, é a de amparar, tendo em vista o sistema constitucional de direitos fundamentais que devem sempre ser perquiridos – vida, saúde, dignidade da pessoa humana -, o trabalhador que laborou em condições nocivas e perigosas à sua saúde, de forma que a possibilidade do evento danoso pelo contato com os agentes nocivos levam à necessidade de um descanso precoce do ser humano, o que é amparado pela Previdência Social. (ARE 664.335, REL. MIN. LUIZ FUX, TEMA 555).

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