A tese do melhor benefício e o 18º camelo: a não incidência do prazo decadencial


 Sobre a tese do melhor benefício, é melhor começar indicado aquilo que ela não é: uma revisão do ato de concessão. 

  Na medida em que o STF pacificou o entendimento de que o direito adquirido está presente (também) para preservar situação fática consolidada, pouco importando o decesso remuneratório ocorrido em data posterior ao implemento das condições legais (RE 630501), [1] o que se busca com tal tese é a implementação de um benefício mais vantajoso para aquele segurado que acabou adiando o seu pedido de aposentadoria e, em razão daquilo que se convencionou chamar de “melhores e piores meses para se aposentar”, sofreu uma perda significativa no valor do seu benefício previdenciário. 

 Sim, mas esse pleito ocorre mediante a retroação da DIB e/ou PBC do benefício concedido? Sim. Para um período onde o segurado poderia ter pedido sua aposentadoria? Sim. Mas o benefício será calculado como se tivesse sido pedido e concedido nessa data (melhor mês para se aposentar)? Sim, este é o entendimento pacificado pelo STF, com fundamento no direito adquirido. Mas, então? Acontece que o benefício não foi concedido nessa data, logo, não se trata de uma revisão.

 A resposta para se a tese do melhor benefício é uma revisão do ato de concessão está na seguinte pergunta: Qual é a função da DIB e sua relação com o 18º camelo? Antes se faz necessário apresentar a estória contada por Heinz Von Foerster [2]: Um religioso islâmico que, cavalgando seu camelo no deserto, encontrou alguns homens com um grupo de camelos. Percebendo que estes estavam tristes, pergunto qual era a razão daquela tristeza, ao que lhe responderam:

 - “Nosso pai morreu”.

 - “Isto é muito triste, mas seguramente Allah aceitou. Deve haver-lhes deixado alguma coisa”.

 - Deixou-nos aquilo que possui, estes 17 camelos, que nos pediu que repartíssemos entre nós. O irmão mais velho deveria ficam com metade dos camelos, o segundo com um terço e, o último, com um nono dos camelos. Tentamos dividi-los mas, sendo 17 o número de camelos, pensamos que seja impossível fazê-lo”.

 Mullah compreendeu o problema, junta aos 17 seu próprio camelo e, então, começa a dividir: a metade de 18 é 9; um terço é 6; um nono é 2. A soma de nove, seis e dois é 17 (9 + 6 + 2 = 17). Então, salta em seu camelo e se distancia.

 Assim como na metáfora do 18º camelo, a DIB do benefício concedido é “tomada emprestada”, única e exclusivamente, para tornar possível a operação de retroação do PBC. Ou seja, ela é “restituída” depois, tanto é assim que não permanece no sistema. Em poucas palavras, o ato de concessão é somente tomado como ponto de partida (referência) para o cálculo do melhor benefício.

 Conduzir essa diferença revela que na tese do melhor benefício não incide o prazo decadencial do art. 103 da Lei 8.213/91, por não se tratar de uma revisão do ato de concessão. E mesmo que fosse possível interpretar a tese do melhor benefício como sendo uma revisão do ato de concessão, o STJ já consignou que a decadência não alcança questões que não restaram resolvidas no ato administrativo. (AgRg no REsp 1407710/PR).


P.S.2: Essa é só uma forma "diferente" de observar a tese do melhor benefício e, portanto, uma entre tantas outras possíveis. O importante é que o leitor considere a questão.

Escrito por Diego Henrique Schuster 
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Bah1: No caso em tela, o STF concordou com a retroação da DIB de 01/11/1980 para 01/10/1979.

Bah2: Apud MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O uso criativo dos paradoxos do direito: a aplicação dos princípios gerais do direito. In: ROCHA, Leonel Severo (Org.). Paradoxos da auto-observação: percursos da teoria jurídica contemporânea. 2 ed. rev. e atual. Ijuí: Ed. Unijuí, 2013.

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