BENEFÍCIO ASSISTENCIAL: UM ESTUDO SOBRE OS DIFERENTES CRITÉRIOS DE RENDA E MODELOS CONCEITUAIS DE POBREZA

 

Diego Henrique Schuster*

RESUMO: O objetivo deste trabalho é analisar os diferentes conceitos de pobreza, numa relação com o critério de renda mensal adotado para a concessão do amparo assistencial (LOAS). Devemos questionar os critérios de renda. Na verdade, o critério de renda oculta consequências, fatores, variáveis e violações de direitos humanos.

Palavras-chave: Amparo Assistencial. Renda Familiar Mensal Per Capita. Cesta Básica. Pobreza.

“Os bichos não viam razão para descrer, especialmente porque já não conseguiam lembrar-se com clareza das exatas condições de antes da Rebelião. Mesmo assim, dias havia que preferiam ter menos estatísticas e mais comida” (George Orwell)

1 Introdução

A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: “[....] a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei”. (CF, art. 203, V).

Neste nível, a assistência social visa proteger aqueles que não possuem renda para a própria subsistência ou família que os sustente, sendo o benefício assistencial o modo mais específico de implementação das iniciativas do Poder Público e da sociedade em favor das pessoas (não seguradas da previdência social) com deficiência e aos idosos (com mais de 65 anos de idade).  Concorda-se que a Assistência Social é melhor concebida a partir da compreensão da evolução da Previdência Social para a Seguridade Social, dada sua impossibilidade de cobrir riscos que atingiam os que estavam na informalidade ou no desemprego, e atingidos por contingências de naturezas variadas, como a exclusão, orfandade, pobreza. Sua base está justamente numa compreensão abrangente de cidadania e direitos fundamentais, dos quais são sujeitas todas as pessoas.[1]

O presente artigo versa sobre os critérios de renda mensal adotados pela lei e jurisprudência, isto é, para fins de concessão do BPC/LOAS. A Lei 8.742/93, no seu art. 20, § 3º, prevê: “Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo.” No entanto, o objetivo do artigo é analisar os diferentes conceitos de pobreza, numa relação com o critério de renda mensal adotado para a concessão do benefício, a fim de ampliar a atuação do benefício assistencial.

Este artigo, para ser bem sucedido, está dividido em três partes. Na primeira, farei a reconstrução do que o critério mensal representa para o sistema. Na segunda, a partir de novos critérios de renda e conceitos de pobreza, mostrarei outras formas de se avaliar as condições de vulnerabilidade e/ou risco pessoal e social, para fins de concessão do amparo assistencial. Na parte final, considerando a pobreza como causa de negações (ou violações) aos direitos humanos, redimensiona-se a importância do benefício, além de justificar uma obrigação juridicamente vinculante sobre o Estado. Daí emerge a importância de uma hermenêutica criativa e atenta ao mundo dos fatos e da vida.[2]

Dois outros avisos iniciais são necessários. O primeiro chama a atenção para o fato de o artigo tomar como base a judicialização de casos envolvendo a concessão do amparo assistencial, logo, este não se encarregará de analisar soluções possíveis (políticas públicas/ações afirmativas) nas esferas executiva e legislativa. O segundo reconhece e aplaude a decisão do STF, que declarou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993).[3]

2 Considerações preliminares

É sempre importante fazer a distinção entre benefícios previdenciários e assistenciais. Nos benefícios (previdenciários) programados é possível se estabelecer linearmente algo esperado, o que acarreta na clara visualização de uma relação entre custeio e benefício. Analisando a questão sob um viés acadêmico, Fábio Zambitte resumiu muito bem a lógica do sistema:

Quanto mais previsível for a prestação e quanto mais for o sistema vinculado ao tradicional sistema de seguro social, mais evidente será a relação jurídica única. Ao revés, quando maior a imprevisibilidade da prestação, e quanto maior a solidariedade do sistema, menor será a relação entre custeio e benefício, individualmente considerada.[4]

As questões aqui problematizadas estão numa dimensão de "natureza" não programada, de ausência de meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, numa situação de idade avançada ou de deficiência. Por outro lado, todos esperam envelhecer e se aposentar - é algo diferente. A diferenciação entre benefícios previdenciários e assistenciais (não segurados da Previdência Social), de natureza programada ou não programada, é de pouca importância para se pensar a possibilidade de ampliação da renda mensal, já que a previdência também traz contingências não programadas.

Inúmeras são as decisões judiciais pautadas pela análise do acórdão do STF, publicado em 2017, que decidiu o Tema 173, em sede de repercussão geral, sobre a concessão de benefício assistencial a estrangeiros residentes no Brasil. Segue abaixo a tese atualmente em aplicação:

ASSISTÊNCIA SOCIAL – ESTRANGEIROS RESIDENTES NO PAÍS – ARTIGO 203, INCISO V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALCANCE. A assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal beneficia brasileiros natos, naturalizados e estrangeiros residentes no País, atendidos os requisitos constitucionais e legais. (RE 587970, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, Tribunal Pleno, julgado em 20/04/2017, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-215 DIVULG 21-09-2017 PUBLIC 22-09-2017)

Oportuna a transcrição do seguinte parágrafo:

O orçamento, embora peça essencial nas sociedades contemporâneas, não possui valor absoluto. A natureza multifária do orçamento abre espaço à atividade assistencial, que se mostra de importância superlativa no texto da Constituição de 1988. Não foram apresentadas provas técnicas da indisponibilidade financeira e do suposto impacto para os cofres públicos nem, tampouco, de prejuízo para os brasileiros natos e naturalizados, isso sem considerar, presumindo-se, que não são muitos os estrangeiros enquadráveis na norma constitucional.

À luz do princípio da universalidade, poder-se-ia defender a ampliação do critério de renda mensal per capita. Além do mais, o benefício assistencial pode ser associado aos direitos fundamentais à saúde, à vida e à dignidade. No entanto, esse princípio é limitado por outros princípios e, em termos práticos, pela disponibilidade de recursos do país.[5] Os princípios da seletividade e da distributividade, por exemplo, permitem escolhas direcionadas para as pessoas com maior necessidade.

No centro de tudo, a solidariedade, que é pressuposto para “a ação cooperativa da sociedade, sendo condição fundamental para a materialização do bem-estar social [...]”[6]A solidariedade entre trabalhadores impõe a todos o custeio preferencialmente de prestações de natureza não programada. As contribuições sociais para a seguridade social “não se fundam unicamente no critério da referibilidade, ou seja, na relação de pertinência entre a obrigação imposta e o benefício a ser usufruído, pois ‘seus objetivos visam permitir a universalidade da cobertura e do atendimento’”[7].

Se levarmos em conta a finalidade do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social, a solidariedade, do ponto de vista da seguridade social, possui um escopo de atuação ainda mais amplo. Nesse contexto, percebe-se uma verdadeira evolução nos critérios ensejadores do benefício assistencial, na legislação e jurisprudência, levando-se em conta a necessidade da proteção social. Tomamos como exemplo o critério da idade mínima:

I – no período de 1º de janeiro de 1996 a 31 de dezembro de 1997, vigência da redação original do art. 38 da lei 8.742, de 1993, a idade mínima para o idoso era a de 70 (setenta) anos;

 

II – no período de 1º de janeiro de 1998 a 31 de dezembro de 2003, a idade mínima para o idoso passou a ser de 67 (sessenta e sete anos), em razão da Lei 9.720/98;

 

III – a partir de 1º de janeiro de 2004, com o Estatuto do Idoso (art. 34 c/c art. 118, ambos da Lei 10.741/03), a idade passou para 65 (sessenta e cinco) anos. Apesar da lei 10.741/03 fixar a idade de 60 como paradigma para a qualificação da pessoa como idoso, o benefício assistencial restou limitado aos idosos necessitados com mais de 65 anos.

Na jurisprudência, o Supremo Tribunal Federal confirmou a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei 8.742/1993) que prevê como critério para a concessão de benefício a idosos ou deficientes a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo, por considerar que esse critério está defasado para caracterizar a situação de vulnerabilizada social. Foi declarada também a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 34 da Lei 10.471/2003 (Estatuto do Idoso):

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação constitucional julgada improcedente.
(Rcl 4374, Relator(a):  Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 18/04/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-173 DIVULG 03-09-2013 PUBLIC 04-09-2013)

 

 Como bem observado por Taís Schilling Ferraz:[8]

Não se afastou, por exemplo, a importância de serem estabelecidos critérios na lei, que garantam um mínimo de objetividade aos requisitos para o gozo do benefício, o que, portanto, não impede que a lei se refira à renda familiar mensal per capita mínima. Porém, decidiu-se que este critério, além de não ser interpretado como absoluto, sob pena de inconstitucionalidade, passou por modificação, a partir da superveniência de novas leis que, tratando de outros benefícios, abriram as portas para o reconhecimento da vulnerabilidade social tendo-se por parâmetro a renda mensal per capita de meio salário mínimo no grupo familiar, e substituição à quarta parte do salário mínimo antes utilizada como critério. (Grifo nosso).

Deve ter ficado claro, mas não estamos falando de ativismo judicial, decisionismo ou discricionariedade/arbitrariedade. A didática da exposição e a fundamentalidade do tema justificam a longa transcrição de um trecho de uma conversa com Lenio Streck:  

Não. Não é discricionariedade, porque existem parâmetros sobre assistência social, aliás existem muitos parâmetros de assistencial social, o bolsa-família, por exemplo, entro outros. Tudo isso que mostra que, no mínimo, seria inconstitucional a previsão de um quarto de salário-mínimo, porque se você comparar, no plano da isonomia ou da igualdade, com a bolsa-família, você, por exemplo, veria que é inconstitucional, Por isso, o STF disse que não dá para declarar inconstitucional, porque fica um vazio. E o que eu faria? Eu faria um ‘appellent schidung’, ou seja, eu faria um apelo ao legislador, eu faria uma declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade, apelando ao legislador para que o legislador fizesse aquilo que agora cai no vazio. Se eles não fizessem, aí sim, se faria como na Alemanha, mas na Alemanha sempre o legislador acaba fazendo. Por exemplo, qual é o critério, na Alemanha, para o mínimo existencial, que é um conceito que eles têm e que nós não temos, porque nós temos direitos fundamentais elencados. Outro dia disseram na Alemanha que era inconstitucional a lei X, porque faltava a internet. Qual o critério da internet? O critério de certa tradição que se forma. O que é democracia? Nós sabemos o que é o Estado Democrático de Direito. Embora eu não possa matematizar o que é o Estado Democrático de Direito, eu sei o que ele é. Aliás, eu nem me pergunto sobre ele, porque ele já está comigo. Se nós pegarmos o sentido de que um quarto de salário-mínimo é pouco, não há aí nenhum ‘decisionismo’, tão pouco há ativismo, O que há é uma judicialização da política, em que os critérios para se resolver a questão da miserabilidade estão no sistema. Toda essa discussão que estamos tendo aqui é muito boa para mostrar que a hermenêutica (e a Crítica Hermenêutica do Direito) se distancia totalmente das questões sintático-semânticas do século XIX, embora ela, em determinadas circunstâncias, tenha como foco a força normativa da constituição, exatamente como um ‘break’ contra aquilo que é a perda de direitos. Então, os limites semânticos são absolutamente relevantes para a construção, digamos, daquilo que é o mínimo de um texto para preservar garantias, porque a Constituição é vista como garantia do cidadão.[9]

Com efeito, não se estabeleceu um “grau zero de sentido”, pois os critérios para se resolver a questão da miserabilidade estão no sistema. O Decreto 6.135/07, por exemplo, ao instituir o Cadastro único para programas Sociais do Governo Federal, define como família atendida aquela com renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo, ou a que possua renda mensal de até três salários-mínimos (art. 4º).

Vale lembrar que, em 23.3.2020, foi publicada a Lei 13.981/2020, que alterava a faixa de renda per capita familiar mensal para obtenção do benefício de prestação continuada da Assistência Social (Lei 8.742/1993), elevada de ¼ para ½ salário mínimo. Entretanto, esse panorama legislativo sofreu uma brusca reviravolta com a sobrevinda da Lei 13.982/2020, que revogou tacitamente o critério estabelecido pelo seu diploma antecessor, de modo a retornar ao critério do ¼ do salário mínimo para a aferição do quesito da vulnerabilidade econômica no bojo dos Benefícios de Prestação Continuada. A Lei 14.176/2021 trouxe novamente o critério (a começar a partir de 2022), o que restou regulamentado, no âmbito administrativo, pela Portaria Conjunta MC/MTP/INSS Nº 14, DE 7 DE OUTUBRO DE 2021, que dispõe sobre regras e procedimentos de requerimento, concessão, manutenção e revisão do Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC). A Portaria contempla situações que permitem a flexibilização do critério de renda, porém, de modo taxativo.

Acontece que a preocupação do sistema com a segurança e previsibilidade faz com que se busque por critérios objetivos, numa tentativa de se controlar racionalmente a aplicação do Direito, o que não significa deixar de fora os princípios da igualdade, coerência, proporcionalidade (no sentido de insuficiência de proteção de um direito fundamental), para citar apenas estes, que devem ser analisados diante da situação fática apresentada. Devemos reconhecer a insuficiência de critérios objetivos para se definir o alcance do conceito de “incapacidade econômica”, bem assim a complexidade social, quer dizer:  as expectativas comportamentais normativas.  Apesar de sua abertura cognitiva, o Direito tem menor capacidade de lidar com as frustrações de suas expectativas do que, por exemplo, o sistema da ciência[10], cujo código (verdade/falsidade) está direcionado para a aquisição constante de conhecimentos científicos novos.[11]

É de se ver que o critério de ¼ deve ser tratado como um ponto de partida (ou retorno), e não chegada – no qual ele assume a forma de “tudo ou nada”. Agora, é possível que uma releitura do conceito de “renda mensal” aumente ou mude o foco de ação do Estado. O princípio da precedência do custeio não significa apenas a majoração de benefício. Qualquer medida, para ampliar ou restringir o acesso a qualquer benefício, precisa vir acompanhada do respectivo cálculo. Caso se dê outro viés ao benefício assistencial, quais seriam as consequências jurídicas para os Estados e outros sujeitos?

No RE 415.454-4, concluiu-se que a lei que majora benefício previdenciário deve, necessariamente e de modo expresso, indicar a fonte de custeio total (CF, art. 195, § 5º), sem receita não pode haver despesa. Isso deveria valer para a aplicação de novos critérios de cálculo a todos os beneficiários, inclusive a Lei 9.032/1995, que implicou a majoração das pensões. Apesar de o Supremo Tribunal Federal dar um alívio para a seguridade social, impedindo que pensões concedidas antes de 1995 cheguem a 100% do salário benefício do segurado, não foi exigida a fonte de custeio para a mudança instituída pela própria Lei 9.032/1995. Além do princípio tempus regit actum quanto ao momento do fato gerador para a concessão de benefícios nas relações previdenciárias, a falta de implementação das condições previstas no art. 195, §5°, da CF foi, em última análise, justificada nas mudanças normativas.

Sobre a divergência que, nesse julgado, gravita em torno da fonte de custeio para tal ajuste: “Não há nenhuma dúvida de que o legislador se preocupou e observou o artigo 195 da Constituição, encontrando e enumerando as fontes de custeio”, afirmou o ministro Cezar Peluso. Ele fez coro ao ministro Britto: “O silêncio da lei só pode significar tratamento isonômico a todos os beneficiários do sistema previdenciário”.

Nessa perspectiva, podemos considerar as profundas mudanças operadas no sistema de seguridade social, desde a EC 20/1998, passando pela EC 41/2003, até chegar num ponto de quase ruptura, representado pela EC 103/2019, no sentido de se ter criado, de forma oblíqua, a fonte de custeio necessária para se amparar a mudança no critério de renda mensal per capita, com foco no mínimo existencial, isto é, no fornecimento de recursos elementares para a sobrevivência digna do ser humano.

É importante destacar que a EC 103/2019 não apenas deixou de cobrir os velhos riscos sociais, mas aumentou as lacunas da previdência social, dificultando o acesso aos benefícios previdenciários, com o fim da aposentadoria por tempo de contribuição e especial, o que não apenas aumenta a probabilidade de eventos indesejados (de acidentes e doenças ocupacionais) no meio ambiente do trabalho, já que muitas pessoas serão obrigadas a trabalhar para além de suas forças – não como opção, mas em razão da falta dela; mas também empurra as pessoas para pobreza.

Em muitos casos, o benefício assistencial surge em ordem sucessiva (subsidiária) em relação ao benefício previdenciário, porquanto invocado nos casos de perda da qualidade de segurado ou ausência de tempo de contribuição suficiente, enfim, quando a pessoa não está protegida pela previdência social e, cumulativamente, encontra-se em situação de vulnerabilidade ou risco social. Oportuno citar o Tema 217 da TNU: “Em relação ao benefício assistencial e aos benefícios por incapacidade, é possível conhecer de um deles em juízo, ainda que não seja o especificamente requerido na via administrativa, desde que preenchidos os requisitos legais, observando-se o contraditório e o disposto no artigo 9º e 10 do CPC.”

Há muitas evidências de que a reforma poderá contribuir para a pobreza dos que ficaram para trás por razões como, por exemplo, desemprego, incapacidade, doenças e reveses econômicos e sociais. Paradoxalmente, verifica-se, nisso, um reforço do princípio da solidariedade, já que todos, segurados e servidores públicos, deverão contribuir mais e por mais tempo (e receber por menos tempo). A EC 103 não criou o financiamento, direto ou indireto, para ampliação do critério da renda mensal, tampouco serve para afastar a exigência constitucional da correspondente fonte de custeio; mas reforça a solidariedade – a solidariedade com seu interesse voltado para os mais carentes. A assistência deve atender a todos, com financiamento por meio de impostos, arrecadados de toda a sociedade.

3 Novos critérios de renda mensal ou diferentes modelos conceituais de pobreza

A diretriz axiológica para a criação de políticas públicas e interpretação/aplicação das normas de proteção social, no interior de um Estado Democrático de Direito, é a justiça social. Falar de justiça não é coisa fácil. No centro do debate está a sua relação com a pobreza. Não parece óbvio, nem mesmo hodiernamente. A pobreza (a indigência) já foi encarada como uma forma de punição divina. Na visão do sistema, ao pobre cabia arcar com as consequências de sua condição, quer seja devido ao pecado ou por preguiça. Ele não fazia jus sequer à caridade.[12]

Em matéria de benefício assistencial (BPS/LOAS), é difícil sustentar que a miserabilidade exigida para a sua concessão é, por si só, uma violação de direitos humanos fundamentais. Deve-se analisar os diferentes conceitos de pobreza para se definir qual o parâmetro adotado pela norma constitucional (art. 203), a fim de se considerar, até mesmo, suposto nexo conceitual entre “não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família” como causa ou consequência de violações de direitos humanos.

Segundo Fernanda Doz Costa, no seu estudo sobre os diferentes conceitos de pobreza, as três formas mais comumente empregadas são: pobreza com base na renda; como privação de capacidades e, por fim, pobreza como equivalente à exclusão social. A fim de conferir maior fluidez ao texto, a citação à pesquisa do autor é direta:

I.A.1. Pobreza com base na renda

 

Definir pobreza como falta de renda ou de poder aquisitivo tornou-se um uso convencionalmente aceito deste termo.20 De acordo com Jeffrey Sachs, há um consenso geral em subdividir a pobreza com base na renda em três espécies: pobreza extrema (ou absoluta), pobreza moderada e pobreza relativa.
‘Pobreza extrema refere-se à condição em que as famílias não conseguem nem ao menos ter acesso a meios básicos de subsistência. Elas são assoladas pela fome crônica, não conseguem ter acesso a tratamento de saúde, não desfrutam de água potável segura e sistema de saneamento básico, não possuem condições de custear a educação de algumas ou de todas as suas crianças, e por vezes são desprovidas de condições elementares de moradia e itens básicos de vestimenta, como sapatos. Ao contrário da pobreza moderada e da relativa, a pobreza extrema somente é encontrada nos países em desenvolvimento. Pobreza moderada, por sua vez, geralmente diz respeito às condições nas quais as necessidades básicas são supridas, embora com grande dificuldade. Por fim, pobreza relativa, geralmente, é definida como uma renda familiar abaixo da média nacional. Em países com uma média de renda elevada, os relativamente pobres não têm acesso à cultura, entretenimento, lazer e a um tratamento de saúde e educação de qualidade, entre outros pré-requisitos para a mobilidade social.’21
O Banco Mundial utiliza este paradigma para calcular a renda, além de estabelecer a chamada ‘linha de pobreza’ (1 dólar por dia medido em termos de paridade do poder aquisitivo) - abaixo desta linha estão aqueles em condição de pobreza extrema.22 O Banco Mundial estabelece outra parâmetro referente à renda entre 1 e 2 dólares por dia, útil para mensurar a chamada pobreza moderada.23

 

I.A.2. Pobreza como privação de capacidades

 

Nas últimas duas décadas, as teorias sobre pobreza passaram a empregar o conceito de bem-estar, indo além da renda como critério último de pobreza.24 Esta mudança se deu, principalmente, a partir do Relatório de Desenvolvimento Humano (sigla original, HDR) elaborado pelo PNUD, sob a clara influência da ‘perspectiva da capacidade’ proposta por Amartya Sen, que define a pobreza como uma ‘privação de capacidades’. A teoria de Sen relaciona pobreza à ideia de ‘vidas empobrecidas’, afirmando que a condição de pobreza está ligada às privações das liberdades básicas que as pessoas podem desfrutar e, decerto, desfrutam. Estas privações referem-se, inclusive, à liberdade de obter uma nutrição satisfatória, de desfrutar um nível de vida adequado, de não sofrer uma morte prematura e de ler e escrever.25 Esta perspectiva reconhece que privações de liberdades tão fundamentais como essas não podem ser exclusivamente atribuídas à baixa renda; decorrem igualmente de privações sistemáticas no acesso a outros bens, serviços e recursos necessários para a subsistência e desenvolvimento humanos, além de depender do contexto e de relações interpessoais.26
O Índice de Pobreza Humana elaborado pelo PNUD (IPH), por exemplo, leva em consideração três elementos capazes de mensurar diferentes privações a que as pessoas em condição de pobreza são submetidas: vulnerabilidade à morte, falta de educação elementar e ausência de níveis satisfatórios de vida.27

 

I.A.3. Exclusão social

 

Na década de 70, o conceito de exclusão social passou a ser utilizado pela doutrina para analisar a condição daqueles que, mesmo excluídos dos benefícios sociais desfrutados pela maioria da sociedade, não se encontram em condição de pobreza quanto a sua renda – embora muitos também estejam nesta condição. 28 A Fundação Européia descreve esta situação como ‘o processo por meio do qual indivíduos ou grupos são integral ou parcialmente excluídos de participar com plenitude na sociedade em que vivem’.29 No caso do IPH, o desemprego é o indicador especificamente usado para medir a exclusão social e é calculado somente em países industrializados.[13]

O direito ao benefício assistencial, na legislação infraconstitucional, sempre foi analisado com base na renda mensal per capita do grupo familiar, ou seja, das pessoas que vivem sob o mesmo teto. Numa relação com o parâmetro referente à renda entre 1 e 2 dólares por dia, o critério para calcular a renda baseado em ¼ do salário mínimo fixa hoje (2021) um valor de R$ 9,00 por dia. Lembrando que família em extrema pobreza é aquela com renda per capita de até R$ 89 mensais.[14]

Com esses critérios, fica clara a intenção de se restringir o número de pessoas abarcadas pelo conceito de pobreza (uma pobreza dentro da pobreza) e, consequentemente, evitar uma possível responsabilização do Estado.  O que se verifica, por todos os lados, é um nivelamento por baixo.

É possível, contudo, discordar desses critérios, a partir de diferentes leituras.  No caso do benefício assistencial, por exemplo, poderíamos considerar as calorias necessárias para alguém manter o peso estável e não cair na desnutrição. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda uma média de 2.000/2.500 calorias por dia. A partir disso poderíamos calcular o valor das calorias diárias necessárias, com base no custo da cesta básica. Podemos fazer essas construções? A resposta deve ser positiva, conforme Lenio Streck:

[...] é uma construção. A hermenêutica não tem esse problema. Se houver uma lei que diz que todo brasileiro tem direito a um monte de trigo, a hermenêutica não vai ter problema. A grande questão é que a dogmática jurídica vai ideologizar isso, vai ter alguém conservador que vai diminuir o número de grãos e vai ter alguém progressista, que vai querer dar o número máximo de grãos. Como é que se constrói uma metáfora? Eu vou construir essa questão a partir daquilo que eu necessito de calorias por dia e dos grãos necessários para fazer aquele número de calorias que uma pessoa necessitada, na medida em que ela foi enquadrada como necessitada para receber um monte de trigo. Então, a Constituição, com relação ao LOAS, não diz o valor, mas existe uma história institucional a ser reconstruída, a partir de desleituras que se vai fazer sobre o modo que se faz, que não apresenta nenhuma dificuldade maior.[15]

Em nota à imprensa, o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) informa que, entre maio e junho de 2021, o custo médio da cesta básica de alimentos aumentou em oito cidades e diminuiu em nove, de acordo com a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada mensalmente em 17 capitais.[16] As maiores altas foram registradas em Fortaleza (1,77%), Curitiba (1,59%) e Florianópolis (1,42%). As capitais com quedas mais intensas foram Goiânia (-2,23%), São Paulo (-1,51%), Belo Horizonte (-1,49%) e Campo Grande (-1,43%). A cesta mais cara foi a de Florianópolis (R$ 645,38), seguida pelas de Porto Alegre (R$ 642,31), São Paulo (R$ 626,76), Rio de Janeiro (R$ 619,24) e Curitiba (R$ 618,57). Entre as cidades do Norte e Nordeste, as que registraram menor custo foram Salvador (R$ 467,30) e Aracaju (R$ 470,97).

Com base na cesta mais cara que, em junho, foi a de Florianópolis, o DIEESE estima que o salário mínimo necessário deveria ser equivalente a R$ 5.421,84, valor que corresponde a 4,93 vezes o piso nacional vigente, de R$ 1.100,00. O cálculo é feito levando em consideração uma família de quatro pessoas, com dois adultos e duas crianças. Em maio, o valor do mínimo necessário deveria ter sido de R$ 5.351,11, ou 4,86 vezes o piso em vigor.



A cesta básica chega a consumir quase 65% do salário mínimo. Imaginemos agora uma família com renda per capita de ¼ do salário mínimo. Devemos considerar o custo de vida (cesta básica), sob pena de engessarmos o direito, impedindo a proteção do indivíduo cuja a renda. 

No que tange a pobreza como privação de capacidades, uma vez mais, aparece a liberdade da pessoa obter uma nutrição satisfatória. No entanto, o que mais perto interessa à problemática são os três elementos considerados pelo Índice de Pobreza Humana elaborado pelo PNUD[17] (IPH), capazes de mensurar diferentes privações a que as pessoas em condição de pobreza são submetidas: vulnerabilidade à morte, falta de educação elementar e ausência de níveis satisfatórios de vida.

Por outro lado, temos também o Índice de Desenvolvimento Humano, oferecido em contraponto ao PIB:

O objetivo da criação do Índice de Desenvolvimento Humano foi o de oferecer um contraponto a outro indicador muito utilizado, o Produto Interno Bruto (PIB) per capita, que considera apenas a dimensão econômica do desenvolvimento. Criado por Mahbub ul Haq com a colaboração do economista indiano Amartya Sen, ganhador do Prêmio Nobel de Economia de 1998, o IDH pretende ser uma medida geral, sintética, do desenvolvimento humano. Apesar de ampliar a perspectiva sobre o desenvolvimento humano, o IDH não abrange todos os aspectos de desenvolvimento e não é uma representação da ‘felicidade’ das pessoas, nem indica ‘o melhor lugar no mundo para se viver’.[18]

Amartya Sen defende que uma concepção adequada de desenvolvimento de ir muito além da acumulação de riqueza e do crescimento do Produto Interno Bruto e de outras variáveis relacionadas à renda: “Sem desconsiderar a importância do crescimento econômico, precisamos enxergar muito além dele”. Para o autor, a privação de capacidades individuais pode estar fortemente relacionada a um baixo nível de renda, relação que se dá em “via de mão dupla: (1) o baixo nível de renda pode ser uma razão fundamental de analfabetismo e más condições de saúde, além de fome e subnutrição; e (2) inversamente, melhor educação e saúde ajudam a auferir rendas mais elevadas.” [19] Sobre o Brasil, Amartya Sen anoutou em 2010:

A expansão de oportunidades sociais serviu para facilitar o desenvolvimento econômico com alto nível de emprego, criando também circunstâncias favoráveis para a redução das taxas de mortalidade e para o aumento da expectativa de vida. O contraste é nítido com outros países de crescimento elevado – como o Brasil – que apresentaram um crescimento do PNB per capita quase comparável, mas também têm uma longa história de grave desigualdade social, desemprego e descaso com o serviço público de saúde.

O IDH 2010 introduziu o Índice de Pobreza Multidimensional (IPM), que identifica privações múltiplas em educação, saúde e padrão de vida nos mesmos domicílios.

As dimensões de educação e saúde se baseiam em dois indicadores cada, enquanto a dimensão do padrão de vida se baseia em seis indicadores. Todos os indicadores necessários para elaborar o IPM para um domicílio são obtidos pela mesma pesquisa domiciliar.

Os indicadores são ponderados e os níveis de privação são computados para cada domicílio na pesquisa. Um corte de 33,3%, que equivale a um terço dos indicadores ponderados, é usado para distinguir entre os pobres e os não pobres. Se o nível de privação domiciliar for 33,3% ou maior, esse domicílio (e todos nele) é multidimensionalmente pobre. Os domicílios com um nível de privação maior que ou igual a 20%, mas menor que 33,3%, são vulneráveis ou estão em risco de se tornarem multidimensionalmente pobres.

O IPM é um indicador complementar de acompanhamento do desenvolvimento humano e tem como objetivo acompanhar a pobreza que vai além da pobreza de renda, medida pelo percentual da população que vive abaixo de PPP US$1,25 por dia. Ela mostra que a pobreza de renda relata apenas uma parte da história.[20]

 

Com isso se pretende mostrar que é possível se buscar por mais critérios, para além da renda per capita de ½ ou ¼ do salário mínimo. Na prática, o juiz está autorizado a considerar a escolaridade das pessoas, o nível de saúde, enfim, condições pessoais, sociais, culturais e econômicas.

É firme na Turma Nacional de Uniformização o entendimento de que o magistrado deve levar em consideração as condições pessoais da parte requerente para a concessão de benefício assistencial. Mesmo não sendo a incapacidade total e definitiva, pode ser considerada como tal quando assim o permitirem as circunstâncias socioeconômicas do beneficiário, ou na medida em que este não possuir condições financeiras de custear tratamento especializado, ou, mesmo, se sua reinserção no seu ambiente de trabalho restar impossibilitada.[21] Os enunciados jurídicos confirmam:

Súmula 29/TNU - Para os efeitos do art. 20, § 2º, da Lei n. 8.742, de 1993, incapacidade para a vida independente não é só aquela que impede as atividades mais elementares da pessoa, mas também a impossibilita de prover ao próprio sustento.

 

Súmula 79/TNU - Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal.

O Superior Tribunal de Justiça pacificou entendimento no sentido de que o critério de aferição da renda mensal previsto no art. 3º do art. 20 da Lei n. 8.742/93 deverá ser observado como um mínimo, não excluindo a possibilidade de o julgador, ao analisar o caso concreto, lançar mão de outros elementos probatórios que afirmem a condição de miserabilidade da parte e de sua família. Nesse sentido:

A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois são apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo. (REsp 1.112.557/MG, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 20/11/2009).

 

Em respeito aos princípios da igualdade e da razoabilidade, deve ser exclusão do cálculo da renda familiar per capita qualquer benefício de valor mínimo recebido por maior de 65 anos, independentemente se assistencial ou previdenciário, aplicando-se, analogicamente, o disposto no parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso. (Pet 2.203/PE, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, TERCEIRA SEÇÃO, DJe 11/10/2011)

Existe um precedente do STF e sua ratio decidend constitui condição necessária e suficiente para se superar critérios matematizantes. Para Ovídio Araújo Baptista Da Silva: “O Direito não pode submeter-se aos princípios epistemológicos das ciências naturais e menos ainda das matemáticas”.[22] Qualquer que seja o critério, este deverá considerar o custo de vida e o valor da cesta básica por região, devendo a análise sobre a capacidade de acesso a um nível de vida adequado incluir: nutrição adequada, água segura e saneamento básico, abrigo e moradia, acesso à educação e a serviços socais e de saúde básico.

Apesar da renda mensal apresentar uma maior mensurabilidade e boa articulação, os resultados podem ser enganosos, como fica claro na explicação de Amartya Sen sobre as diferentes abordagens para a medição das capacidades básicas:

Consideremos, por exemplo, a possibilidade de, à medida que se reduz o nível de renda e a pessoa começa a passar fome, ocorrer em algum momento uma drástica queda das chances de uma sobrevivência. Muito embora no espaço das rendas a ‘distância’ entre dois valores alternativos possa ser bem pequena (medida inteiramente em termos de renda), se a consequência dessa mudança for uma alteração dramáticas nas chances de sobrevivência, a influência dessa pequena mudança de renda pode ser enorme no espaço daquilo que realmente importa (neste caso, a capacidade de sobreviver). Portanto, pode ser enganoso pensar na diferença como sendo realmente ‘pequena’ porque a diferença de renda é pequena. Na verdade, como a renda permanece apenas instrumentalmente importante, não podemos saber o quanto as disparidades de renda são significativas sem considerar suas consequências no espaço que é essencialmente importante. Se uma batalha é perdida devido à falta de um prego (mediante uma cadeia de conexões causais delineada no antigo poema), então esse prego faz uma grande diferença, independentemente do quanto ele possa ser trivial no espaço das rendas ou gastos.[23]

O critério de renda, seja ele de ¼ ou ½, não constitui um limiar entre o céu e o inferno. Na verdade, o critério de renda oculta consequências, fatores, variáveis e violações de direitos humanos. A renda mensal é uma tentativa de medir a privação de algumas capacidades, um modo útil de iniciar uma avaliação prática. Existem, contudo, abordagens complementares, já que o critério de ¼ não permite observar a existência de tipos de parcialidade por um dos sexos da família, discriminação racial, doenças estigmatizantes, enfim.

A inflação é um componente que pode interferir nos meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família e, consequentemente, no critério de renda mensal, para fins de concessão do benefício. Assim sendo, se conjugarmos a finalidade do amparo assistencial com o poder de compra do dinheiro chegaremos à seguinte conclusão: estamos deixando de fora da proteção social pessoas em condições de vulnerabilidade e/ou risco pessoal e social, mesmo com renda familiar mensal per capita igual ou superior a ¼.

Tomando-se essas indagações como ponto de partida para reconhecer que os mínimos sociais referidos pela LOAS não podem ser tidos como mínimos de subsistência orgânica. Por óbvio, considerar as calorias necessárias para manter o peso estável e não cair na desnutrição seria algo insuficiente e, até mesmo, perigoso. Nesse sentido:

Como é óbvio, os impulsos que deflagravam esse tipo de resposta social nem sempre eram éticos e muito menos inspirados no ideário da cidadania, o qual concebe o assistido como sujeito do direito à proteção social prestada pelos poderes públicos. Em sua maioria, tais impulsos visavam, tão-somente, regular e manter vivas as forças laborais pauperizadas, para garantir o funcionamento do esquema de dominação prevalecente. O mínimo de subsistência, portanto, de acordo com o modo de produção em vigor, podia ser uma parca ração alimentar para matar a fome dos necessitados, uma veste rústica para protegê-los do frio, um abrigo tosco contra intempéries, um pedaço de terra a ser cultivado em regime de servidão, uma renda mínima subsidiada ou um salário mínimo estipulado pelas elites no poder. Em todos esses casos estavam ausentes - não obstante sua diversidade histórica, conceitual e política - regulações norteadas por valores, princípios, critérios e fundamentos que colocassem em xeque o poder discricionário das classes dominantes. Tratava-se, portanto, os mínimos sociais, de provisão social residual, arbitrária e elitista, que se constituía e processava à margem da ética, do conhecimento científico e dos direitos vinculados à justiça social distributiva.[24]

Feitas tais considerações, busca-se destacar o papel da hermenêutica da faticidade, cuja tarefa está voltada às relações cotidianas do ente homem, “jogado no seus existir, mostrando claramente a sua relação com a finitude do seu tempo”.[25]

4 A pobreza como causa de negações (ou violações) aos direitos humanos

Entre os objetivos de um Estado Democrático de Direito, traduzidos em linhas gerais no art. 3º da Constituição Federal, está erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais (inc. III).

A Declaração de Viena qualifica a pobreza extrema como uma violação da dignidade humana,[26] destacando, ainda, que a “disseminação da pobreza extrema obsta o exercício completo e efetivo dos direitos humanos”. O direito ao desenvolvimento, intimamente ligado ao que denominamos como direito do ser humano de ser livre da pobreza, foi reconhecido pela comunidade internacional na Declaração da ONU sobre o Direito ao Desenvolvimento de 1986 e na Declaração de Viena de 1993: “Este é o direito a um processo de desenvolvimento no qual todos os direitos humanos e liberdades fundamentais são implementados; trata-se de um sistema social e uma ordem internacional que gradualmente facilita a implementação de todos estes direitos, além de promovê-los diretamente de forma progressiva.”[27]

No seu preâmbulo, a Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948 consagrou a liberdade da miséria e do medo:

Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e dos seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo;

Considerando que o desconhecimento e o desprezo dos direitos do Homem conduziram a atos de barbárie que revoltam a consciência da Humanidade e que o advento de um mundo em que os seres humanos sejam livres de falar e de crer, libertos do terror e da miséria, foi proclamado como a mais alta inspiração do Homem;

Mas quando será possível se defender, a partir de elementos jurídicos, que a pobreza constitui uma violação de direitos humanos? Não se nega os aspectos morais da pobreza, mas o que gera obrigações jurídicas em matéria de direitos humanos? O Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC) constitui um instrumento juridicamente vinculante a versar sobre o tema? Quais as normas internacionais juridicamente vinculativas com fundamento nos tratados internacionais?

O que está em jogo é um nível mínimo de dignidade humana capaz de ser endossado por diferentes tradições. Fernanda Doz Costa captura uma tendência sobre a relação entre pobreza e direitos humanos no mundo dos conceitos, qual seja, a pobreza não pode ser definida exclusivamente como “falta de renda”. Especialistas e acadêmicos empregam um conceito complexo de pobreza que também inclui “privação de capacidades”.[28] Na perspectiva dos direitos humanos, quais seriam as capacidades básicas partilhadas por todos? A possibilidade de o conceito variar a cada sociedade torna arriscado afirmar que este equivale aos direitos humanos. Seria possível nivelar por baixo? 

Tratar a pobreza como uma violação genérica de direitos humanos parece esvaziar/inutilizar o argumento. O conceito de “capacidade” não cabe no de direitos humanos. Nesse ponto, portanto, concorda-se com Fernanda Doz Costa, no sentido de que devemos evitar classificar a pobreza como uma violação de direito humanos, mas uma condição que concorre para a negação/violação. Para a autora, diversas etapas devem ser conceitualmente superadas. O mais importante é focar nas medidas capazes de evitar ou amenizar a privação suportada por um indivíduo submetido à pobreza.[29]

Desse modo, eliminar as condições que possibilitam a pobreza extrema deveria ser considerada uma obrigação central. O BPC é um benefício que tem como finalidade tirar o indivíduo da pobreza, e não mantê-lo – o benefício tem caráter temporário. A partir do que acabamos de dizer, o benefício assistencial pode ser visto como uma forma de gerar condições que possibilitem o bem-estar dos sujeitos de direitos humanos. Nessa perspectiva, o benefício deixa de ser uma mera reprodução da realidade e passa a ser um importante instrumento para a redução da pobreza, enquanto privação de capacidades. Para Amartya Sen é importante “distinguir renda como uma unidade na qual se mede a desigualdade e renda como o veículo de redução da desigualdade.[30]

Fala-se na tendência de os governantes aceitarem com maior facilidade suas obrigações se for reduzido o número de vítimas da violação de direitos humanos. Logo, qualquer tentativa de se ampliar a proteção social por meio de uma nova definição de pobreza – como violação de direitos humanos – parece desagradar os governantes. O tal paradoxo: quando mais direitos; mais direitos violados. Qual a solução? Acabar com direitos! Devemos colocar sob luz forte os contrastes no país. A pobreza não pode ser dissociada da riqueza presente em alguns grupos, tampouco dos direitos humanos.

5 Considerações finais:

Assim, devemos questionar os critérios de renda. O presente trabalho traz argumentos construídos na necessidade de se superar e alcançar uma eficácia concreta dos princípios fundamentais e dos direitos humanos. O critério da renda mensal terá de ser pensado como uma realidade inconclusa. Qualquer solução deverá mesclar as necessidades da sociedade e do Direito, isto porque não se separa Direito da sociedade – o Direito entendido como a sociedade em movimento –, devendo o texto da lei ser interpretado “a partir das interrogações postas pelos intérpretes e pela situação hermenêutica em que estes se encontram”.[31]

Apostar numa interpretação matematizante, com a adoção mortífera do critério de ¼ (um quarto) do salário-mínimo, é reproduzir a triste realidade de quem fica de fora.  Mas aqui está a questão, qual seja, entender que não há ativismo por parte do STF. Nessa perspectiva, os critérios legais deverão ser tomados como ponto de partida e a interpretação passará a ser uma constante construção de sentido. É uma violência exigir-se que alguém afunde ainda mais, mesmo quando ultrapassados os limites que desafiam a capacidade da família de se auto ajustar. A concessão do benefício funciona, então, como mecanismo de prevenção de risco.

O que se busca no Direito são critérios controláveis e confiáveis para a concessão do benefício no caso concreto. Dentro disso buscamos decisões capazes de oferecer a mínima possibilidade de universalização, utilizando-se as três perguntas fundamentais constantes da Teoria da Decisão proposta pela Crítica Hermenêutica do Direito: a) se está diante de um direito fundamental com exigibilidade; b) se o atendimento a esse pedido pode ser, em situações similares, universalizado; quer dizer, concedido às demais pessoas; e c) se, para atender aquele direito fundamental está se fazendo ou não uma transferência ilegal ou inconstitucional de recursos, que fere a igualdade e a isonomia.[32]

Todos os parâmetros indicados para medir o cumprimento dos direitos humanos, na perspectiva do Direito Internacional de Direito humanos, constituem visões complementares, que exigem uma abordagem inter-multi-transdisciplinar. A pobreza não é somente uma privação de recursos econômicos ou materiais, mas também uma violação da dignidade humana – e isso está acima da vontade política. Ao Estado é muito mais valioso combater a pobreza e reduzir as desigualdades sociais; pois, oferecer condições materiais de vida digna e inclusa significa, ao mesmo tempo, diminuir a violência, a injustiça, a exploração, a fome, as doenças, a ignorância, etc.

Referências

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* Advogado e pesquisador da Lourenço e Souza Advogados Associados; Mestre em Direito Público e Especialista em Direito Ambiental pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos - UNISINOS. Diretor-Adjunto da Diretoria Científica do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário – IBDP.

[1] CF: Comentários à Lei Orgânica de Assistência Social - LOAS - Lei 8.742, de 7 de dezembro de 1993. José Ricardo Caetano Costa. Marco Aurélio Serau Jr - Notas (Casuística e Doutrina) por Andressa Mara dos Santos Milano - Curitiba: Juruá, 2020)

[2] Nos termos do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro: “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Trata-se de uma preocupação substancial do novo CPC, como fica claro no seu art. 8º: “Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência.”

[3] Um agradecimento especial à amiga Maria Helena Ubaldo Carlos Renck. Não poderia escolhido uma melhor revisora ou alguém que saiba mais sobre o tema. Sempre sincero como se dever ser, suas sugestões/observações foram providenciais.

[4] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p.48.

[5] Canotilho, jurista português e principal articulador da tese, admite: “O rígido princípio da ‘não reversibilidade’ ou, formulação marcadamente ideológica, o ‘princípio da proibição da evolução reaccionária’ pressupunha um progresso, uma direcção e uma meta emancipatória e unilateralmente definidas: aumento contínuo de prestações sociais. Deve relativizar-se este discurso que nós próprios enfatizávamos noutros trabalhos. A dramática aceitação de ‘menos trabalho e menos salário, mas trabalho e salário e para todos’, o desafio da bancarrota da previdência social, o desemprego duradouro, parecem apontar para a insustentabilidade do princípio da não reversibilidade social”. CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Estudos sobre Direitos Fundamentais. Coimbra: Almedina, 2004. p. 111.

[6] O autor acrescenta: “A solidariedade é a justificava elementar para a compulsoriedade do sistema previdenciário, pois os trabalhadores são coagidos a contribuir em razão da cotização individual ser necessárias para a manutenção de toda a rede protetiva, e não para a tutela do indivíduo, isoladamente considerado.” IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p.70-71.

[7] AI 764794 AgR, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-248 DIVULG 18-12-2012 PUBLIC 19-12-2012.

[8] FERRAZ, Taís Schilling. O precedente na jurisdição constitucional: construção e eficácia do julgamento da questão com repercussão geral. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 314.

[9] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurisdição e decisão. Diálogos Com Lenio Streck. 2 e.d. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020.

[10] CARVALHO, Délton Winter de. Aspectos probatórios do dano ambiental futuro: uma análise sobre a construção probatória da ilicitude dos riscos ambientais. In: STRECK, Lenio Luiz; ROCHA, Leonel Severo; CALLEGARI, André Luís (Orgs.). Constituição, sistemas sociais e hermenêutica: anuário do Programa de Pós-graduação em Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado: n. 8. Porto Alegre: Livraria do Advogado; São Leopoldo: UNISINOS, 2011. p. 82-83. Niklas Luhmann nunca escreveu nada sobre um sistema ser mais do que o outro. No entanto, alguns autores, entre eles, Marco Aurélio Serau Junior, entendem que: “Na perspectiva luhmanniana, o sistema político possui muito mais abertura cognitiva que o sistema jurídico. Porém, não possui obrigação de decidir, pode simplesmente não normatizar certas matérias, não adotar certas políticas públicas buscadas pela sociedade. Isso não ocorre no sistema jurídico, no qual os Tribunais têm o dever de dar uma resposta jurídica às pretensões que lhe são endereçadas (nin liquet). Esse fator é utilizado em benefício dos movimentos sociais, embora as respostas produzidas nem sempre sejam favoráveis”. SERAU JU-NIOR, Marco Aurélio. Sociedade, direitos previdenciários e Tribunais. Revista Brasileira de Direito Previdenciário, Porto Alegre, v. 5, n. 25, p. 32, fev./mar. 2015. 

[11] LUHMANN, Niklas. Ecological communication. Cambridge: University of Chigado Press, 1989. p. 78. 

[12] IBRAHIM, Fábio Zambitte. Curso de direito previdenciário. 15. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2010. p. 7.

[13] COSTA, Fernanda Doz. Pobreza e direitos humanos: da mera retórica às obrigações jurídicas - um estudo crítico sobre diferentes modelos conceituais. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos. vol.5 no.9 São Paulo Dec. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452008000200006>. Acesso em: 04 abr. 2020.

[14] Em regra, são pessoas que vivem nas ruas ou em barracos e enfrentam insegurança alimentar recorrente. Pelo menos 2 milhões de famílias brasileiras caíram para a extrema pobreza entre janeiro de 2019 e junho deste ano. Os dados são do Cadastro Único do governo federal, o chamado CadÚnico, que aponta para um aumento mês a mês de pessoas na miséria desde novembro de 2020.

[15] STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica jurisdição e decisão. Diálogos Com Lenio Streck. 2 e.d. rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2020.

[16] NOTA À IMPRENSA: Queda nos preços do tomate, da batata e banana reduz valor da cesta básica. Disponível em: <https://www.dieese.org.br/analisecestabasica/2021/202106cestabasica.pdf.>. Acesso em: 24 set. 2021.

[17] O PNUD tem adotado esta linha de pensamento, ao declarar que a “pobreza é uma negação de direitos humanos” e a “eliminação da pobreza deveria ser promovida como um direito básico e como um direito humano – não meramente como um ato de caridade”.

[18] PNUD no mundo. Índice de Desenvolvimento Humano. Disponível em: <https://www.br.undp.org/ content/brazil/pt/home/idh0/conceitos/o-que-e-o-idh.html>. Acesso em: 24 set. 2021.

[19] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo; Companhia das Letras, 2010. p. 28 e 35.

[20] Disponível em: <https://www.br.undp.org/content/brazil/pt/home/idh0/conceitos/o-que-e-o-idh.html>. Acesso em: 24 set. 2021.

[21] É pacífico que deficiência nem sempre envolve incapacidade. Nem sempre o beneficiário de BPC está incapaz para o trabalho. Prova disso é o auxílio inclusão.

[22] BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. A fundamentação das sentenças como garantia constitucional. Disponível em: <http://www.baptistada­silva.com.br/artigos010.htm>. Acesso em: 2 out. 2009.

[23] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. p. 116-117.

[24] PEREIRA, Potyara A. P. Necessidades Humanas: subsídios à crítica dos mínimos sociais.  6ª ed. São Paulo: Cortez, 2011. p. 15-17.

[25] ENGELMANN, Wilson. Direito natural, ética e hermenêutica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 214.

[26] DECLARAÇÃO DE VIENA E PROGRAMA DE AÇÃO, adotada pela Conferência Mundial de Direitos Humanos em 25 de junho de 1993 (Documento das Nações Unidas: A/CONF.157/23). 

[27] Carta das Nações Unidas, artigos 55 e 56; Declaração Universal de Direitos Humanos (DUDH), artigos 1o(1), 25 e 26; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (PIDCP), preâmbulo e artigo 6o;; Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), preâmbulo e artigos 11, 12, 13 e 14; Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial, artigo 5 (e); a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra Mulheres (CEDAW), artigos 11, 12, 13, 14 (1-2) e Convenção sobre os Direitos da Criança, artigos 1, 24, 26, 27, 28, 29. VIZARD, 2006, p. 143.

[28] COSTA, Fernanda Doz. Pobreza e direitos humanos: da mera retórica às obrigações jurídicas - um estudo crítico sobre diferentes modelos conceituais. Sur. Revista Internacional de Direitos Humanos. vol.5 no.9 São Paulo Dec. 2008. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-64452008000200006>. Acesso em: 04 abr. 2020.

[29] Cf: Documento das Nações Unidas: A/CONF.157/24, 1993, citado em ALSTON, 2005, p. 787.

[30] SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo; Companhia das Letras, 2010. p. 116.

[31] STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento, 2017, p. 95.

[32] STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento, 2017, p. 259.


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  1. É com muita gratidão que tenho a oportunidade de ampliar meus conhecimentos através da leitura de seu blog. Sou grata a professora Melissa Folmann recomendar a leitura do seu blog no livro: "Atendimento ao cliente previdenciário do RGPS". Gratidão e Sucesso para todos.

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