APOSENTADORIA ESPECIAL DO CONTRIBUINTE INDIVIDUAL: VIRANDO AS VOLTAS QUE A JURISPRUDÊNCIA DÁ

 

A jurisprudência e doutrina confirmam que a comprovação do tempo de serviço especial deve ser feita por meio de formulário-padrão embasado em laudo técnico, prova pericial ou, até mesmo, laudos por semelhança (CPC, art. 372). Por outro lado, a comprovação da exposição a substâncias químicas reconhecidamente cancerígenas atrai a incidência do IRDR 15 e dos Temas 170 e 188/TNU, sendo presumida a ineficácia do EPI.

A 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, contudo, assumiu uma nova orientação, tomando como recorte a realidade do contribuinte individual para fazer a distinção em relação à jurisprudência previdenciária. A partir de 11/12/1998, para o contribuinte, não será aceita a prova pericial (caso indeferida em primeira instância), tampouco o laudo por semelhança. Por outras palavras, é do contribuinte individual a responsabilidade pela elaboração do LTCAT, não podendo o segurado se valer da AJG para ter uma pericial judicial.

Diante da ausência de laudo elaborado ainda fora do processo (prova pré-constituída), por profissional habilitado, o fundamento para o não reconhecimento do tempo especial será: “não há prova suficiente acerca de quais agentes nocivos estaria exposto, em especial àqueles em que não haveria EPI apto a elidir a nocividade.” É isso mesmo:

PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO DO RUÍDO. TRABALHADOR EM CONSTRUÇÃO CIVIL (PEDREIRO). EXPOSIÇÃO A ÁLCALIS CÁUSTICOS. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. FONTE DE CUSTEIO. EPI. 1. Comprovada a exposição a níveis de ruído superiores aos limites de tolerância previstos nos decretos regulamentadores, há que ser reconhecida a especialidade da atividade. 2. Quanto ao método de aferição do agente nocivo ruído, esta Corte Regional tem posicionamento segundo o qual a utilização de metodologia diversa da prevista na NHO-01 da FUNDACENTRO não inviabiliza o reconhecimento da especialidade, bastando que a exposição esteja embasada em estudo técnico realizado por profissional habilitado. 3. A jurisprudência desta Corte é unânime no sentido de ser possível o reconhecimento da especialidade das atividades de pedreiro e servente de pedreiro, exercidas em obra de construção civil, até 28/04/1995, em face do enquadramento por categoria profissional. 4. Conforme entendimento consolidado neste Tribunal, formado a partir de inúmeros laudos periciais apresentados ou produzidos em juízo, a exposição dos operários, em obras de construção civil, ao cimento (ou substâncias presentes na sua composição, como álcalis cáusticos), de forma habitual e permanente, representa prejuízo à saúde ou à integridade física do segurado, com relevância na relação previdenciária. 5. A circunstância de a Lei 8.212/1991 não trazer norma específica sobre o custeio da aposentadoria especial do contribuinte individual não afasta o direito ao benefício, que decorre de expressa disposição da lei de benefícios. Entretanto, em se tratando de contribuinte individual, ao qual incumbia tomar as medidas necessárias à proteção de sua saúde e integridade física, não se pode admitir a ausência do uso de EPI para a caracterização da especialidade a partir de quando era devido. (TRF4, AC 5028681-52.2019.4.04.9999, DÉCIMA PRIMEIRA TURMA, Relatora ELIANA PAGGIARIN MARINHO, juntado aos autos em 09/02/2024)

Note-se que havia justificada confiança na jurisprudência previdenciária, também com relação ao contribuinte individual. Quantos foram os advogados que pautaram sua conduta de acordo com tal entendimento, preocupados apenas com a prova da prestação do serviço e, com muito maior razão, com a individualização/confirmação das atividades efetivamente exercidas pelo contribuinte individual (e.g.: pedreiro, mecânico, etc.). Quantos os processos, alguns com mais de cinco (05) anos na justiça, terão o pedido de reconhecimento, como tempo de serviço especial, de períodos posteriores a 11/12/1998, extinto sem resolução de mérito?

A questão é complexa. É difícil concordar que um documento utilizado para fundamentar o reconhecimento do tempo especial antes de 11/12/1998 agora não seja para períodos imediatamente posteriores, sem que tenha havido qualquer mudança nas atividades, condições e local de trabalho, mesmo que comprovada a exposição a agentes reconhecidamente cancerígenos e demonstrada a inviabilidade técnica de adoção do EPC, como no caso do mecânico. 

Acreditamos, por isso, que a nova orientação precisará ser discutida (amadurecida) com as demais turmas do TRF4, talvez em sede de IAC, para se conferir coerência e integridade à jurisprudência previdenciária do tribunal. A mudança justifica, até mesmo, a modulação de efeitos, em homenagem à segurança jurídica (art. 24 da LINDB). Afinal, “[...] é inadmissível o Poder Público acolher a documentação particular da empresa [laudo por semelhança], fazendo presumir que a mesma encontra-se em perfeitas condições, e, depois, acenar com falhas técnicas, a fim de sonegar dos segurados benefícios previdenciários, não se podendo penalizar o segurado pela negligência da Autarquia.” (TRF4, AC 5015163-29.2018.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 13/12/2019).

Na hipótese de tal orientação ser uniformizada, tal questão poderia ser convertida numa questão prejudicial (CPC, art. 503, §§ 1º e 2º), a fim de que seja oportunizado o contraditório, enquanto garantia de influência e não surpresa. Enfim, é como já disse Wilson Engelmann: “O Direito Processual precisa ganhar o mundo onde os fatos acontecem e esperam uma solução razoável”.

 

Escrito por Diego Henrique Schuster


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE ED: TEMA 1.102/STF

REVISÃO DA VIDA TODA: VAMOS INTERPRETAR/COMPREENDER PARA DECIDIR?

A EQUIVOCADA APLICAÇÃO DO TEMA 629/STJ: ESTAMOS INVERTENDO AS COISAS