QUAL O MARCO TEMPORAL DE FIXAÇÃO DA DATA DE INÍCIO DO BENEFÍCIO? TÁ NA LEI!
A tese a ser
definida: “Qual o marco temporal de fixação da Data de Início do Benefício
(DIB) nos casos em que o interessado, apesar de reunir os requisitos para a
concessão na Data do Requerimento Administrativo (DER), apenas apresenta os
elementos de prova essenciais ao reconhecimento do direito na via judicial,
quando poderia tê-lo feito antes.”[1]
Poderíamos dar
“pano pra manga”, questionando, por exemplo: o que são “elementos de prova
essenciais” (qual documento separou o segurado do seu direito)? Houvesse o
segurado apresentado a prova antes, isso faria alguma diferença para o INSS? E
no caso de prova pericial? A prova pode ser nova ...ou os fatos?
A saída, se é que
existe alguma, só pode ser...? Não é de se admirar que o direito chega sempre
atrasado. A frase do professor Lenio Streck me marcou: “Justiça, para mim, é
para solucionar problemas, não para criá-los”.
Fica claro que o
pessoal gosta é de complicar e, sim, tornar as coisas mais difíceis para o
segurado, na esteira de uma orientação institucional abusiva e protelatória do
INSS. A Lei 8.213/1991 prevê expressamente o termo inicial dos efeitos
financeiros (artigos 49, II, 54 e 57, § 2º), sem condicioná-lo ao momento da
comprovação do direito. Não existe “vácuo legislativo” a permitir que se fixe em
outro momento o início do benefício e de seus efeitos financeiros, sob pena de
violação aos dispositivos supramencionados, como sempre decidiu o Superior
Tribunal de Justiça. A sombra deve permanece sombra.[2]
Preferimos, ao
revés, cair numa espécie de paradoxo de Epiménides. Epiménides, que era
cretense, disse: “Todos os cretenses são mentirosos”. Portanto, o enunciado é
verdadeiro se for falso e é falso se for verdadeiro, pois quem o enuncia é um
cretense mentiroso. Ou, talvez, no “dilema Tostines”: Tostines vende mais
porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?
A lei de benefícios
oferece uma solução para o problema, uma espécie de metalinguagem. Kelsen fez
isso, elaborando, pois, um topos científico de inteligibilidade do Direito:
“uma coisa é o Direito, outra bem distinta é a ciência do Direito. O Direito é
a linguagem-objeto, a ciência do Direito a metalinguagem: dois planos distintos
e incomunicáveis.”[3] É por isso que Kelsen não pode ser confundido com um
positivista exegético.
Sinceramente,
preenchidos os requisitos do Tema 350/STF, o “processo” administrativo não
merece sequer censura. Na maioria esmagadora dos casos, não se espera outra
solução que não o indeferimento (e.g.: pedido de reconhecimento do tempo de
serviço especial).
Agora pensemos nos
desafortunados que buscam seu direito sozinhos na via administrava, nas
inúmeras dificuldades de acessar o sistema do INSS, enfim, estão querendo criar
um problema maior do que aquele representado pela atuação descomprometida do
INSS, da falta de interesse na vida do segurado. Quem deve orientar e exigir a
prova essencial ao reconhecimento do direito (e não apenas ao reconhecimento na
via judicial)? Estão tentando inverter as coisas.
Aqui, torna-se
novamente perceptível a estreita visão do mundo prático. No lugar disso, seria
muito mais produtivo pensarmos em como melhorar o acesso aos serviços do INSS,
como fazer os precedentes de observação obrigatória vincularem também na esfera
administrativa, enfim, fixar os efeitos financeiros na data em que apresentada
a prova essencial ao reconhecimento do direito não vai mudar em nada a atuação
do INSS. Pelo contrário, o INSS será premiado com a subtração dos valores
devidos desde o implemento dos requisitos ensejadores do benefício
previdenciário.
Sou um crítico da
ideia de quem defende que basta estar lei, uma vez que tal concepção deixa de
fora da aplicação do direito os princípios (vide art. 4º da LINDB, que confirma
uma resistência do positivismo clássico no Brasil), mas aqui tá na lei![4] Não
acredito que, aqui, vamos apostar na discricionariedade, quer dizer, deixar
para o juiz decidir o que é prova essencial, o que poderia (ou não) ter sido
apresentado, enfim, fixar a DIB em outra data significa deixar de lado a opção
do legislador, convertendo-se numa opção que, portanto, não lhe foi dada.
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Bah1: O Tema 292/TNU foi desafetado por conta do Tema 1.124/STJ.
Bah2: No Tema 1.124 a ser definido pelo Superior Tribunal de Justiça, a
tendência é a Corte Cidadã confirmar sua jurisprudência já consolidada, por uma
questão de coerência e integridade (CPC, art. 926): AgRg no REsp 1103312/CE,
Rel. Min. NEFI CORDEIRO, j. 27/05/2014, DJe 16/06/2014; AgRg no REsp
1103312/CE, Rel. Min. NEFI CORDEIRO, j. 27/05/2014, DJe 16/06/2014; REsp
1833548/SE, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em
01/10/2019, DJe 11/10/2019; REsp 1745509/SP, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA
FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/06/2019, DJe 14/06/2019; para citar apenas
estes. Julgados da Corte Especial começaram a assumir a nova orientação,
buscando efetivar a coerência, como na questão envolvendo a necessidade de
renovação do pedido de justiça gratuita quando do manejo do recurso especial.
MARQUES, Mauro Campbell. Hermenêutica: coerência e integridade como vetores
interpretativos no discurso jurídico. In: STRECK, Lenio Luiz; ALVIM, Eduardo
Arruda; LEITE, George Salomão. Hermenêutica e jurisprudência no Código de
Processo Civil: coerência e integridade. 2. ed., São Paulo: Saraiva Educação,
2018. p. 182-208.
Bah3: STRECK, Lenio Luiz. A pureza do direito kelseniana. Estado da
Arte. Disponível em: <https://estadodaarte.estadao.com.br/pureza-kelsen-streck/>.
Acesso em 15 set. 2022.
Bah4: No julgamento do Tema 995, o Superior Tribunal de Justiça fundamentou
sua decisão no princípio da primazia do acertamento da relação jurídica de
proteção social, citando o Professor Doutor José Antônio Savaris, in verbis: “A
conclusão a que se chega a partir da primazia do acertamento é a de que o
direito à proteção social, particularmente nas ações concernentes aos direitos
prestacionais de conteúdo patrimonial, deve ser concedido na exata expressão a
que a pessoa faz jus e com efeitos financeiros retroativos ao preciso momento
em que se deu o nascimento do direito - observado o direito ao benefício mais
vantajoso, que pode estar vinculado a momento posterior. (...) No diagrama da
primazia do acertamento, o reconhecimento do fato superveniente prescinde da
norma extraída do art. 493 do CPC/2015 (CPC/1973, art. 462), pois o acertamento
determina que a prestação jurisdicional componha a lide de proteção social como
ela se apresenta no momento da sua entrega. (José Antônio Savaris in direito
processual previdenciário, editora Alteridade, 7ª edição revista e atualizada,
páginas 121/131) A teoria do acertamento conduz a jurisdição de proteção
social, permite a investigação do direito social pretendido em sua real
extensão, para a efetiva tutela do direito fundamental previdenciário a que faz
jus o jurisdicionado.”
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