O QUE É ISTO - DIREITO A RECEBER UM “BENEFÍCIO” TEMPORÁRIO POR ATÉ 18 MESES?

 

Quando a recuperação da capacidade de trabalho for parcial, ou ocorrer após cinco (05) anos, ou quando o segurado for declarado apto para o exercício de trabalho diverso do qual habitualmente exercia, a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade: a) no seu valor integral, durante 6 (seis) meses contados da data em que for verificada a recuperação da capacidade; b) com redução de 50% (cinquenta por cento), no período seguinte de 6 (seis) meses; c) com redução de 75% (setenta e cinco por cento), também por igual período de 6 (seis) meses, ao término do qual cessará definitivamente.

Como já se viu, o Direito existe a partir das nossas interrogações e pela situação hermenêutica em que nos encontramos (Lenio Streck). A pergunta não é o que devemos fazer, mas o que são esses “dezoito (18) meses”. As atitudes tomadas pelo INSS, em diferentes agências, nos remetem a um mundo recheado de dúvidas. Na comunicação emitida pela Autarquia, a DCB (Data de Cessação do Benefício) coincide com a data da realização da perícia médica – em que constatada a capacidade para o trabalho –, o que já nos deixa com um pé atrás.

O Professor Lenio Streck ensina que os juristas não podem ser nominalistas como Humpty Dumpty. Nesse caso, também, as palavras não podem dizer aquilo que o jurista quer que elas digam. O inciso II do art. 47 da Lei de Benefícios parece não deixar ressaibo de dúvida. O termo “aposentadoria” sempre significou um benefício previdenciário, o qual tem o condão de complementar ou substituir os rendimentos do trabalho do segurado, não podendo ter um valor mensal inferior ao do salário mínimo, nos termos do art. 201, parágrafo 2º da CF/88.

Contudo, isso não é suficiente. É necessário revolver o chão linguístico em que se sustenta a tradição (para o bem ou para o mal do segurado). Aliás, sabemos que juristas possuem diferentes opiniões sobre o que são esses “18 meses”. Na origem, a discussão gravita em torno da sua “natureza jurídica”. A solução desse conflito deve ser fundamentada em princípios, e não a partir do que cada um acha (in)justo. A solução requer fidelidade às regras, nomenclaturas e teorias. Agora, nada impede de ficarmos a meio caminho: nem caráter indenizatório; nem benefício previdenciário. É possível ao legislador criar algo misto ou novo?

Mas qual é a importância disso? Primeiro, no dispositivo supramencionado consta a seguinte ressalva: “a aposentadoria será mantida, sem prejuízo da volta à atividade”. E agora? O segurado poderá voltar à atividade e, ainda sim, será mantida a aposentadoria? Esse tempo será computado para fins de tempo de serviço/carência? Ainda, a CF/88, em seu art. 201, § 2º, determinou que nenhum benefício que seja substitutivo da renda do trabalhador tenha valor inferior ao salário mínimo. Como fica nesse caso, isto é, com a redução progressiva (100%, 50% e 75%) do valor da aposentadoria? A propósito, isso traz implicações, também, na questão da manutenção da qualidade de segurado.

A investigação começa pelo conceito de tempo de contribuição. A lei de Benefícios, no seu artigo 55 dispõe:

O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:

I - o tempo de serviço militar, inclusive o voluntário, e o previsto no § 1º do art. 143 da Constituição Federal, ainda que anterior à filiação ao Regime Geral de Previdência Social, desde que não tenha sido contado para inatividade remunerada nas Forças Armadas ou aposentadoria no serviço público;

II - o tempo intercalado em que esteve em gozo de auxílio-doença ou aposentadoria por invalidez;

III - o tempo de contribuição efetuada como segurado facultativo;

IV - o tempo de serviço referente ao exercício de mandato eletivo federal, estadual ou municipal, desde que não tenha sido contado para efeito de aposentadoria por outro regime de previdência social;

V - o tempo de contribuição efetuado por segurado depois de ter deixado de exercer atividade remunerada que o enquadrava no art. 11 desta Lei;

VI - o tempo de contribuição efetuado com base nos artigos 8º e 9º da Lei nº 8.162, de 8 de janeiro de 1991, pelo segurado definido no artigo 11, inciso I, alínea "g", desta Lei, sendo tais contribuições computadas para efeito de carência.

A aposentadoria por invalidez aparece no inciso II, devendo o tempo em gozo de tal benefício ser computado como tempo de contribuição, quando intercalado por contribuições. Nessa perspectiva, devemos concordar que tal mensalidade abrange um importante aspecto dos benefícios por incapacidade, qual seja, as condições pessoais e econômicas do beneficiário – que busca reinserção no mercado de trabalho após longos anos de inatividade –, porquanto a cessação abrupta poderá causar outros problemas e, até mesmo, incapacitar, novamente ou definitivamente, o trabalhador, aumentando o ônus para a própria Seguridade Social, na melhor relação custo-benefício.

Aceitar que a aposentadoria por invalidez seja estendida para a proteção do segurado, incorporando uma dimensão preventiva, significa que esse tempo não apenas será computado para efeitos de tempo de contribuição/carência, mas suas mensalidades consideradas como salários-de-contribuição, jamais num valor inferior ao de 1 (um) salário mínimo. Nesse sentido, o art. 29 da Lei de Benefícios é categórico:

O salário-de-benefício consiste:

§ 5º Se, no período básico de cálculo, o segurado tiver recebido benefícios por incapacidade, sua duração será contada, considerando-se como salário-de-contribuição, no período, o salário-de-benefício que serviu de base para o cálculo da renda mensal, reajustado nas mesmas épocas e bases dos benefícios em geral, não podendo ser inferior ao valor de 1 (um) salário mínimo.

No ponto, é unânime a noção de que a mensalidade de recuperação é, de certo modo, uma progressividade, uma proporcionalidade, para preparar o trabalhador para o retorno ao mercado. Aqui, assim como a forma de uma ferradura, os extremos estão mais próximos entre si!

No que diz respeito à manutenção da qualidade de segurado, o art. 15 da Lei de Benefícios preconiza que mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições, quem está em gozo de benefício, e até 12 (doze) meses após o término do benefício por incapacidade. Para quem defende o caráter indenizatório das mensalidades, vale lembrar que o auxílio-acidente tem caráter indenizatório, sendo que o seu valor pode ser inferior a 1 (um) salário mínimo e, caso o segurado fique desempregado, ele é mantido; mas é considerado um benefício para fins de manutenção da qualidade de segurado!

Por fim, a IN/INSS 77/ 2015, no seu art. 219, esclarece: “Durante o período de que trata o art. 218, apesar de o segurado continuar mantendo a condição de aposentado, será permitido voltar ao trabalho sem prejuízo do pagamento da aposentadoria, exceto na situação prevista na alínea “a” do inciso I do art. 218”. Isso significa que, sim, a aposentadoria será mantida, mesmo com o segurado voltando à atividade. Fica de fora dessa regra aqueles segurados cuja recuperação fora total e ocorrer dentro de cinco anos contados da data do início da aposentadoria por invalidez.

Esclarece, ainda, que durante os primeiros seis (06) meses não caberá concessão de novo benefício (§ 1º), ou seja, um novo benefício somente poderá ser requerido durante os doze (12) últimos meses, devendo o segurado optar pela concessão do benefício mais vantajoso (§ 2º). O segurado que retornar à atividade poderá requerer, a qualquer tempo, novo benefício, tendo este processamento normal, observando os §§ 1º e 2º do art. 219 (art. 221).

A propósito, o aposentado por invalidez que retornar voluntariamente à atividade e permanecer trabalhando terá sua aposentadoria cessada administrativamente a partir da data do retorno (art. 220), mas isso para quem não faz jus à manutenção do benefício após a recuperação da capacidade de trabalho. Afinal, a Lei Complementar 95/1998, que dispõe sobre a elaboração, a redação e a consolidação das leis, preceitua no art. 11, inciso III; “para a obtenção de ordem lógica: [...] c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida”.

Façamos um balanço de tudo isso: a possibilidade de o beneficiário retornar ao trabalho e o valor inferior a 1(um) salário mínimo confirmam a impressão de quem defende aspectos meramente indenizatórios; por outro lado, enquanto em gozo apenas da aposentadoria, esta mantém a finalidade de substituir a renda do trabalhador, logo, deverá ser considerada como tal, vale dizer, um benefício de aposentadoria por invalidez. Nesse caso, mais uma dúvida: caso se entenda correto o pagamento de mensalidades em valor inferior a 1 (um) salário mínimo, seria possível a complementação?

Qual a lição que se tira de tudo isso? Sim, que é preciso questionar (refletir). Mais do que isso, o cidadão tem o direito de, no mínimo, saber se esse tempo será computado como tempo de contribuição/carência ou considerado para efeitos de manutenção da qualidade de segurado, a fim de pautar a sua conduta de acordo com as pretensões futuras – 18 meses é muito tempo para perder! Acontece que o INSS não possui uma resposta oficial para estas perguntas. A manutenção da aposentadoria por mais 18 meses vem desacompanhada de maiores informações.

Controvérsias à parte, o Poder Judiciário já definiu o que são as parcelas de recuperação. No julgamento do Tema 266, a Turma Nacional de Uniformização concluiu que o tempo em gozo das mensalidades de recuperação nada mais é do que uma extensão da aposentadoria por invalidez. Tanto é assim que: "aqueles benefícios em manutenção no momento em que teve início a vigência da Lei 13.847/19, mesmo que em gozo de mensalidades de recuperação (art. 47 da Lei 8213/91), devem ser abrangidos pela nova disciplina legal".[1]

Concordamos que as mensalidades abrangem um importante aspecto dos benefícios por incapacidade, qual seja, as condições pessoais e econômicas do beneficiário – que busca reinserção no mercado de trabalho após longos anos de inatividade –, porquanto a cessação abrupta poderá causar outros problemas e, até mesmo, incapacitar, novamente ou definitivamente, o trabalhador, aumentando o ônus para a própria Seguridade Social, na melhor relação custo-benefício.

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Bah1: Até mesmo em sede de embargos de declaração: “Com efeito, nada obstante aquele período de até 18 meses da cessação gradual da aposentadoria por invalidez previsto no art. 47 da Lei n. 8.213/91 tenha recebido, na doutrina e na jurisprudência, a denominação de ‘mensalidades de recuperação’, fato é que não se trata de nova espécie de benefício, distinto da aposentadoria por invalidez que o segurado já titulava, mas apenas, como referido, de modalidade de cessação diferenciada, assegurando uma reintegração mais facilitada ao segurado que tenha recuperado a sua capacidade laboral. Portanto, a possibilidade de seu aproveitamento, como tempo de carência e contribuição, segue a mesma disciplina dos benefícios por incapacidade, não havendo como estabelecer, desde logo - por não haver indícios de pretensão resistida, bem assim pelo fato de que um provimento desta natureza se revelaria condicional - qualquer determinação neste sentido à autarquia previdenciária, eis que indispensável que se encontre intercalado entre períodos contributivos (art. 55, II, da Lei n. 8.213/91)”. (EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO CÍVEL Nº 5023069-13.2018.4.04.7108/RS). 5023069-13.2018.4.04.7108, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DO RS, Relator FERNANDO ZANDONÁ, julgado em 05/12/2019).

Bah2: SCHUSTER, Diego Henrique. PANCOTTI, Luiz Gustavo Boiam. SOUZA, Victor. Os efeitos da percepção de mensalidade de recuperação de incapacidade por 18 meses e a qualidade de segurado putativo.


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