A PERICULOSIDADE DO VIGILANTE NÃO SE MEDE....

 

Não se possui elementos objetivos para se aferir a exposição ao agente periculosidade como, por exemplo, voltagem, litros ou distância – diferentemente das demais atividades ou operações perigosas previstas no art. 193 da CLT. Como, então, provar o risco à integridade física/mental? A prova do risco está na indicação da atividade, da área, da carga, do valor; enfim, daquilo que, por seu conteúdo ou preço, seja alvo de ataques repentinos e violentos. O Anexo III da NR-16 traz, no item “3”, as atividades ou operações que expõem os empregados a roubos ou outras espécies de violência física.

Mesmo após o julgamento do Tema 1031, confirmando a possibilidade de caracterização da atividade de vigilante como especial, com ou sem o uso de arma de fogo, após 05/03/97, alguns juízes já acharam uma forma de dar o “drible da vaca”. É simples, basta usar a tese contra os segurados, focando apenas na parte final: “desde que haja a comprovação da efetiva nocividade da atividade, por qualquer meio de prova até 5.3.1997, momento em que se passa a exigir apresentação de laudo técnico ou elemento material equivalente, para comprovar a permanente, não ocasional nem intermitente, exposição à atividade nociva, que coloque em risco a integridade física do Segurado.”

Assim, por exemplo, mesmo comprovando o formulário PPP o trabalho de vigilante numa agência bancária, com arma de fogo:

Com relação ao período de 22/09/2005 a 20/11/2011, de labor junto à Rudder Segurança Ltda., o formulário PPP emitido pela empregadora (Evento 01, PROCADM7, fls. 30 a 34) informa que o demandante prestou serviços de vigilância, não constando, contudo, nenhuma indicação de que a atividade do autor fosse perigosa ou insalubre. Repito que, no período em análise, não se pode mais presumir a periculosidade ou insalubridade da atividade, devendo haver expressa comprovação documental de tais condições. Ressalte-se que a periculosidade não se presume pelo porte de arma, nem mesmo pela atividade da vigilância, conforme entendo. Desse modo, incabível o reconhecimento da especialidade.

Ou seja, se antes a prova do uso de arma de fogo era suficiente; agora, nem isso, o que só demonstra a incoerência de tal orientação. Enquanto o STJ avança numa interpretação conforme à Constituição, alguns juízes conseguem retroceder para além dos limites da tese representativa de controvérsia, sem qualquer compromisso com o passado.

É cediço que nenhum formulário PPP traz indicação da periculosidade. Não cabe ao LTCAT concluir a respeito da periculosidade, muito embora ela se caracterize por atividades que ponham em risco a vida do trabalhador, entendendo os profissionais da área um erro colocá-lo no LTCAT.[1] O mesmo vale para agentes químicos, segundo orientações seguidas pelos profissionais da área: “Nos casos de elaboração do laudo de insalubridade, verifique nos anexos 11 e 12 da NR-15 se existe a indicação do limite de exposição do agente químicos. Se não houver o limite, não é possível classificar a atividade em questão como insalubre, exceto aquelas que qualitativamente se enquadram no anexo 13, que dependem do julgamento profissional.”[2]

Nesses casos, pois, a prova pericial se apresenta como condição de possibilidade, assim como no caso da penosidade (vide IAC 5/TRF4) ou eletricidade (Ação Rescisória 201500000014121/RJ). O que justifica sua necessidade/utilidade, em qualquer fase do processo, são as evidências sérias do labor especial, o que inclui a possibilidade de prova indiciária (e.g.: boletim de ocorrência de assaltos à agência bancária ou demonstração estatísticas da atividade de risco, dentre outros). Na prática, contudo, nem uma coisa, nem outra - ficamos a meio caminho: nem o formulário PPP é suficiente; nem a prova pericial é deferida. O comportamento processual, contudo, faz com que alguns juízes ocultem de si mesmos as presunções desencadeadas pela função de vigilante (como no exemplo), apostando ele na prova exigida por lei (“padrão”), isto é, como se fosse o único caminho para o reconhecimento do tempo especial. Ao fim e ao cabo, o juiz discricionário ou voluntarista não abre mão de dizer que está no controle, seja para reconhecer (ou não) o direito, tudo depende (só) dele.

Em Ronald Dworkin, o conceito é o tronco da árvore. As pessoas concordam com relação ao tronco da árvore, mas discordam com relação aos galhos, vale dizer: algumas aplicações marginais. As concepções são os galhos da árvore. A periculosidade é “a iminência do risco”, ou seja, a possibilidade sempre presente de um fato que coloque em risco a integridade física do trabalhador. Apesar dos desacordos em relação à interpretação correta do que o conceito significa para o vigilante, já se possui uma leitura adequada, vale dizer: orientada para as consequências do risco, sendo suficiente a comprovação das atividades de segurança patrimonial ou pessoal. Além disso, o perigo pronunciado gera um stress mental (desgaste psicológico) no trabalhador. 

Algumas coisas são irritantemente óbvias, mas sugerimos que essa irritação seja direcionada e canalizada para algo produtivo, como escrever livros! Aplicar o conceito de periculosidade implica reconhecer a promessa de cuidado – não se descreve o conceito sem compreender para que serve a aposentadoria especial.  

Assim, o risco à integridade física e mental existe apesar da arma de fogo, e não por causa dela. O que os juízes precisam entender é que a periculosidade do vigilante não se mede. Já não cabe confundir o conceito de periculosidade com os critérios para a sua aplicação. A periculosidade é um conceito interpretativo, devemos interpretá-lo a partir da prática jurídica, e não inventando obstáculos para o direito. Aqui o juiz é vítima do “semantic sting”, já que não consegue enxergar para além dos critérios padrões de comprovação do labor especial[3] As concepções que se formaram sobre a periculosidade do vigilante estão todas postas, o que reclama igual consideração perante o Poder Judiciário.

No Tema 282, a Tuma Nacional de Uniformização fixou a seguinte tese: "A atividade de vigia ou de vigilante é considerada especial por equiparação à atividade de guarda prevista no código 2.5.7 do Decreto 53.831/64, até a edição da Lei 9.032/1995, independentemente do uso de arma de fogo, desde que haja comprovação da equiparação das condições de trabalho, por qualquer meio de prova" Daí se segue com a pergunta de 1 milhão de dólares: Como se prova isso? Primeiro você equipara a atividade de vigilante ou de vigia com a de guarda para dizer que não precisa de arma de fogo; depois desfaz a comparação para exigir a prova da equiparação! 

No meu livro defendo: "[...] não é possível se deslocar da palavra 'analogia' o seu significado jurídico e, portanto, das duas, uma: ou é possível o enquadramento por analogia, sem a prova do exercício de atividade em condições especiais, ou não há que se falar em analogia e tampouco em enquadramento por categoria". O que falta, portanto, é hermenêutica. 

Post scriptum: apesar de todo - parte do - esforço argumentativo, a questão foi afetada pelo Supremo Tribunal Federal (Tema 1.209).

 


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Bah1: MAGALHÃES, Leandro Assis. 101 perguntas e respostas sobre agentes químicos para Higiene Ocupacional: um guia de cabeceira para não errar nas avaliações de campo. 2. ed. São Paulo: Editora Lux, 2020. p. 71.

Bah2: A insalubridade está normatizada na NR-15, que são atividades e as operações insalubres. Os agentes presentes nos anexos 11 e 12 possuem limites de tolerância, logo, a exposição deve ultrapassar os limites de tolerância. Já as atividades e operações descritas no anexo 13, a caracterização é por meio de avaliação qualitativa. MAGALHÃES, Op. Cit. p. 70-74.

Bah3: Ver em DWORKIN, Ronald. Law1s Empire. Cambridge: The Balcnap Press, 1986.

 

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