A PROVA PERICIAL COMO CONDIÇÃO DE POSSIBILIDADE: ÀS VEZES CANSA REPETIR AS MESMAS COISAS
Estou
cansado. Não vou mais reputar as informações da empresa como falsas. Não vou alegar
omissão, no sentido de má fé ou qualquer interesse escuso. Existe um conflito de
interesses? Sim, e todos nós sabemos disso.
Agora, a
questão pode ser trabalhada a partir de uma diferente abordagem – esta, de
todas, parece ser a mais adequada –, a fim de se obter uma definição
conceitual clara sobre o cerceamento de defesa em matéria previdenciária.
Todos concordamos que, diante da exclusão de determinados agentes do Regulamento da
Previdência Social, tais como: frio, umidade, radiações não ionizantes,
eletricidade, periculosidade, a saída tem sido usar as Normas Regulamentadoras
da legislação trabalhista. Tanto é assim que o Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do representativo de controvérsia REsp 1.306.113/SC (Tema 534),
fixou a tese de que:
[...] as normas regulamentadoras que estabelecem os
casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são
exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e
a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o
trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições
especiais (art. 57, § 3º, da Lei nº 8.213/1991).[1]
Existe uma
diferença entre Laudo Técnico de Insalubridade e LTCAT. A mais importante é que
o primeiro faz referência à legislação trabalhista, enquanto o segundo à
legislação previdenciária. Assim, se considerarmos apenas o LTCAT, vamos
perceber que muitos agentes nocivos acabam ficando de fora, uma vez que tal
documento deve ser preenchido com base no Dec. 3.048/99. A periculosidade, por
exemplo, caracteriza-se por atividades que ponham em risco a vida do
trabalhador. Como o LTCAT é um documento previdenciário, não cabe concluir
sobre a periculosidade. Para os profissionais da área, a periculosidade é
colocada muitas vezes no LTCAT erroneamente.[2] O laudo técnico trabalhista,
por sua vez, vai contemplar a periculosidade, com fundamento na NR-16.
O mesmo vale
para agentes químicos, segundo orientações seguidas pelos profissionais da
área:
Nos casos de elaboração do laudo de insalubridade,
verifique nos anexos 11 e 12 da NR-15 se existe a indicação do limite de
exposição do agente químicos. Se não houver o limite, não é possível
classificar a atividade em questão como insalubre, exceto aquelas que
qualitativamente se enquadram no anexo 13, que dependem do julgamento
profissional.[3]
Os hidrocarbonetos
aromáticos não estão previstos no Dec. 3.048/1999, como bem capturou o
Desembargador Federal Osni Cardoso Filho:
Os hidrocarbonetos abrangem, em verdade, uma
multiplicidade de substâncias químicas. Daí por que o fato de o decreto
regulamentar não mencionar a expressão 'hidrocarbonetos' não significa que não
tenha encampado, como agentes nocivos, diversos agentes químicos que podem ser
assim qualificados.[4]
O que esses
agentes nocivos têm em comum e qual o papel da prova pericial? Simples. Eles
não estão previstos no RPS e, por isso, nem todos os profissionais assumem um
compromisso com eles na elaboração do LTCAT e, sobretudo, no preenchimento do PPP. Nesses casos, portanto, procede o pedido de prova pericial e/ou aplicação de laudo por semelhança. Isso porque a
prova pericial se apresenta como condição de possibilidade. Nesse sentido:
Em matéria previdenciária, a prova pericial é
condição de possibilidade, é certo que as únicas provas discutidas em contraditório
são a prova pericial e testemunhal. O contraditório não se estabelece no que
diz respeito ao formulário fornecido pela empresa (PPP), um documento criado
fora dos autos, isto é, sem a participação do segurado, razão pela qual é
possível reconhecer que houve o cerceamento do direito de defesa do Segurado.
(AgInt no AREsp 576.733/RN, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA
TURMA, julgado em 25/10/2018, DJe 07/11/2018)
Raciocínio
idêntico é aplicado no IAC 5/TRF4, onde a prova pericial é condição de
possibilidade para a demonstração do agente nocivo penosidade. O reconhecimento
da penosidade de uma atividade depende exclusivamente da prova pericial. E é
nesse sentido a disposição da Súmula 198 do extinto TFR, que, fazendo
referência expressa à penosidade, permite a caracterização da atividade
especial em virtude de fatores não previstos em regulamento, desde que
constatada por perícia judicial. (TRF4, AC 5005944-27.2016.4.04.7100, QUINTA
TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 04/05/2022).
Outro
aspecto importante é que muitos profissionais da área consideram apenas o
contato de forma cutânea, ignorando, por vezes, o modo como muitas substâncias
químicas dispersam. A evaporação de um solvente não é restrita ao funcionário
que aplica o adesivo. Com feito, também é possível a exposição a agentes
químicos pelas vias aéreas, por meio da dispersão de seus vapores no ambiente
laboral do segurado.
Assim, por
exemplo, centenas de pericias são realizadas em empresas de calçados, comprovando
a exposição de trabalhadores inseridos na cadeia produtiva do calçado a agentes
químicos (hidrocarbonetos aromáticos), vale dizer: na contramão do formulário
PPP fornecido pela empresa.
Nesse
quadrante, cumpre perguntar: É possível, então, afirmar que o formulário PPP
fornecido por uma empresa de calçados, contemplando a função de “preparação (dos
calçados)”, é suficiente para não se reconhecer a especialidade do labor,
afinal, o documento não apresenta “inconsistências” e, no campo dos fatores de
risco, não menciona os agentes químicos alegados pelo autor? Ah: Um laudo
resultante de uma perícia na mesma empresa, envolvendo a mesma função (um
formulário impugnado com a descrição das mesmas atividades), não justifica, no
mínimo, a utilidade/necessidade de prova pericial? Melhor sorte assiste ao segurado que consegue a prova pericial, o que vai depender do juiz?
Estou
cansado, muito cansado disso... o direito só é capaz de cumprir com a sua função se observados alguns princípios que lhe dão condição de possibilidade, como é caso do contraditório enquanto garantia de influência. Começamos o processo dependendo da prova pericial e terminamos tentando fugir da coisa julgada, uma vez que todas as portas são fechadas.
Escrito por
Diego Henrique Schuster
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Bah1: REsp 1306113/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO,
julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013.
Bah2: MAGALHÃES, Leandro Assis. 101 perguntas e respostas sobre agentes
químicos para Higiene Ocupacional: um guia de cabeceira para não errar nas
avaliações de campo. 2. ed. São Paulo: Editora Lux, 2020. p. 71.
Bah3: A insalubridade está normatizada na NR-15, que são atividades e as
operações insalubres. Os agentes presentes nos anexos 11 e 12 possuem limites
de tolerância, logo, a exposição deve ultrapassar os limites de tolerância. Já
as atividades e operações descritas no anexo 13, a caracterização é por meio de
avaliação qualitativa. MAGALHÃES, Leandro Assis. 101 perguntas e respostas
sobre agentes químicos para Higiene Ocupacional: um guia de cabeceira para não
errar nas avaliações de campo. 2. ed. São Paulo: Editora Lux, 2020. p. 70-74.
Bah4: TRF4, AC 5010629-27.2014.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator OSNI
CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 01/04/2022.
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