O DIREITO PREVIDENCIÁRIO ANDA EM CÍRCULOS ATRÁS DE CONCEITOS PERFEITOS (JUSTOS, PRONTOS E ACABADOS)
Quando se anda em círculos nunca se é rápido o bastante. Aprendi essa com o Mestre Humberto Gessinger. Assim é no Direito – e também no Direito Previdenciário. Andamos em círculos. E isso porque os conceitos se transformam em obstáculos para a compreensão dos fenômenos. O problema do “aguilhão semântico”, em Ronald Dworkin.[1]
A dogmática trata os conceitos, como há muito
denuncia o Professor Lenio Streck, como se fossem criteriais, isto é, como se
tivessem seus significados previamente fixados por critérios de convenção
semântica.[2] Assim, por exemplo, nos manuais vamos encontrar que a
“permanência” é a exposição do trabalhador a agentes nocivos de forma não
eventual nem intermitente. Genial! Qualquer um poderia ter escrito um manual
que reproduz textualmente o que está na lei! E mais, aquele que ler o manual
vai saber tanto quanto quem o escreveu!
Esse textualismo é superficial e, quando levado às
últimas consequências, pode se voltar contra a finalidade do benefício da
aposentadoria especial. Ele impede a compreensão das coisas. O conceito não
pode ser lido como aquele trabalho em que na jornada de trabalho “não houve
suspensão aos agentes nocivos” (por um instante sequer). Acontece que, dependendo do agente nocivo, a
exposição durante uma fração de segundos, todos os dias (e aqui devemos
considerar a profissiografia), coloca em risco a saúde e/ou integridade física
do trabalhador, como no caso de agentes biológicos ou perigosos (e.g.: eletricidade). Em poucas
palavras, o tempo de exposição ultrapassa os limites que desafiam a capacidade do trabalhador permanecer em segurança e/ou ficar livre de algum evento indesejado, sendo real o risco de contaminação e/ou qualquer outro prejuízo à
saúde. E isso porque trabalhamos com o risco de dano.[3]
A permanência, portanto, não pode significar ficar
exposto a agentes nocivos durante toda a jornada de trabalho. Por sorte,
alguns julgadores vêm apostando numa “hermenêutica da faticidade”. No
julgamento REsp 1578404 / PR, o Ministro Napoleão Nunes Maia compreendeu o
nosso apelo:
8. Discípulo do Professor Lenio Streck, o também
jurista Professor Diego Henrique Schuster, assevera que tanto na legislação
como na jurisprudência previdenciária já se superou o pleonasmo habitual e
permanente, não ocasional e nem intermitente, esclarecendo que a permanência
não pode significar exposição durante toda a jornada de trabalho. O que
importa, destaca o autor, é a natureza do risco, sua intensidade, concentração
inerente à atividade pelo qual o trabalhador está obrigatoriamente exposto e
capaz de ocasionar prejuízo à saúde ou à integridade física (SCHUSTER, Diego
Henrique. Direito Previdenciário do Inimigo: um discurso sobre um direito de
exceção. Porto Alegre, 2019).
Qual o problema, objeto da nossa crítica? O problema reside no fato de tentarmos, primeiro, conceituar as coisas e, só depois, interpretar, vale dizer: para chegar no mesmo lugar ...fazer deduções e deixar de fora do Direito o caso concreto e os princípios. Transformamos os critérios em obstáculos, e não condição de possibilidade – como parte da aplicação do Direito. No Direito, buscamos, sim, critérios seguros e controláveis, porém, não podemos nos perder neles. O professor Lenio Streck alerta para o risco de fazermos aquilo que Warat dizia: "Próteses para fantasmas".
O conceito de permanência não se mede milimetricamente. Logo, não adianta o julgador examinar de forma lexicográfica os conceitos de
habitualidade e permanência. E para finalizar: “Não pensem num bambolê jogado
ao chão. Imaginem uma espiral de caderno, onde o fim de cada volta não
significa a volta ao início” (HG).
Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: No seu livro, “Justiça para ouriços”, o jurista dá o seguinte exemplo: se divergimos a respeito de se um amigo nosso é ou não careca, apesar de concordarmos a respeito de quanto cabelo ele ainda tem, nossa divergência é falsa ou meramente verbal. Para o autor, o conceito de careca é um conceito criterial: as pessoas em geral convergem a respeito dos critérios corretos para a sua aplicação e divergem, apenas, sobre algumas aplicações que consideram marginais. DWORKIN, Ronald. Justice for Hedgehogs. Cambridge, Massachusetts, London: The Belknap Press of Harvard University Press, 2011. p. 158-159.
Bah2: Recentemente: STRECK, Lenio Luiz. Obstáculos
epistemológicos dificultam a compreensão do 'caso Daniel’. In: Revista
Consultor Jurídico, São Paulo, 04 mar. 2021. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/.../senso-incomum-obstaculos...>.
Acesso em 28 jun. 2022.
Bah3: Vide Temas 210 e 211/TNU.
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