A PROVA TESTEMUNHAL RURAL: HUMANO DEMAIS!

 

De tudo que é humano, a prova testemunhal merece destaque, digo, desde as motivações que interferem via simpatia ou antipatia o juiz, passando pelo interesse ou desinteresse por uma questão, até as condições pessoais destas.

Sobre a prova testemunhal - e apenas este último ponto -, o Superior Tribunal de Justiça editou a Súmula 577: “É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentando, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório” (Recursos Especiais 1.321.493 e 1.348.633).

Na sua grande maioria, as testemunhas rurais são pessoas leigas, com dificuldades para entender e, sobretudo, fazer-se entender num ambiente completamente estranho, caracterizado pelo distanciamento emocional, avaliações e hierarquia. Nesse contexto, é importante o julgador mostrar empatia pelo interlocutor. É preciso entender que a distância aproxima eventos, cria confusões temporais e gera esquecimentos, detonando a condição humana das testemunhas. É perfeitamente natural que elas não se lembrem de detalhes e/ou consigam colocar as coisas numa ordem cronológica.

É preciso entender que, no interior, a grande distância entre os moradores faz dos vizinhos as pessoas mais próximas. Isso reduz o número de pessoas capazes de fazer declaração como testemunha; declarar ter visto; ouvido ou conhecido. Por este motivo, muitas são ouvidas como informantes, por declararem que conhecem o segurado e sua família desde criança. Assim sendo, o depoimento da “informante” não só pode como deve ser considerado, sempre que em conformidade com as demais provas dos autos – e aqui ganha destaque o § 4º do art. 405 do CPC:

Art. 405. Podem depor como testemunhas todas as pessoas, exceto as incapazes, impedidas ou suspeitas.

(…)

§ 4º Sendo estritamente necessário, o juiz ouvirá testemunhas impedidas ou suspeitas; mas os seus depoimentos serão prestados independentemente de compromisso (art. 415) e o juiz lhes atribuirá o valor que possam merecer.

Com efeito, é possível atribuir maior ou menor valor às informações trazidas ao feito pelos depoimentos colhidos sem o compromisso legal a que alude o art. 415 do CPC:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. LABOR RURAL. REQUISUITOS PREENCHIDOS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material (art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborada por prova testemunhal idônea, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sendo que se admite inclusive documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região. 2. O art. 54, nos incisos XX e XXI, da Instrução Normativa 77/2045, deixa claro que se considera início de prova material, para fins de comprovação da atividade rural, a ficha de inscrição ou registro sindical ou associativo junto ao sindicato de trabalhadores rurais, colônia ou associação de pescadores, produtores ou outras entidades congêneres, bem como contribuição social ao sindicato de trabalhadores rurais, à colônia ou à associação de pescadores, produtores rurais ou a outras entidades congêneres. 3. Esta Turma já firmou entendimento de que os documentos civis tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4, AC Nº 0002853-52.2013.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, , D.E. 10/11/2016; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008). 4. O depoimento do informante deve ser considerado quando vai ao encontro das demais provas constantes dos autos. 5. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado. (TRF4, AC 5003161-56.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relatora CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, juntado aos autos em 08/06/2022)

Conforme William Santos Ferreira: “Cada um dos meios de prova tem, qualitativamente, pontos positivos e negativos, a sapiência está no seu manejo visando maximizar os resultados quando contribuam positivamente, procurando minimizar os efeitos negativos quando se apresentarem”.[1] Já na perspectiva de uma “hermenêutica da faticidade”: “Olha-se para a norma, olha-se para o trabalhador na condição de ser, olha-se em volta, olha-se para a sociedade, olha-se para outras normas, olha-se novamente para a norma."[2]

Alguns esperam das testemunhas mais do que elas podem oferecer - criam-se representações ideais (a testemunha precisa dizer exatamente o que o juiz quer ouvir). Isso acaba instigando um comportamento que nos incomoda muito, que acaba confirmando a avaliação que fizemos, mas esse é um ponto a ser trabalhado em outra oportunidade. Enfim, esse pequeno artigo vem lembrar que as testemunhas, de carne, osso e história, são humanas também. Há que se ter maior tolerância e empatia com a prova testemunhal rural.

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

______________________________________

Bah1: FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 76.

Bah2: LIVRO: ENGELMANN, Wilson; FLORES, André Stringhi; WEYERMÜLLER, André Rafael. Nanotecnologias, marcos regulatórios e direito ambiental. Curitiba: Honoris Causa, 2010.


Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

PRIMEIRAS IMPRESSÕES SOBRE A DECISÃO PROFERIDA EM SEDE DE ED: TEMA 1.102/STF

REVISÃO DA VIDA TODA: VAMOS INTERPRETAR/COMPREENDER PARA DECIDIR?

A EQUIVOCADA APLICAÇÃO DO TEMA 629/STJ: ESTAMOS INVERTENDO AS COISAS