O PAPEL DOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO: O VAR DEVE MANTER O ERRO DO JUIZ?

 

Uma decisão não deveria sequer demandar esclarecimentos, quando muito o prequestionamento de dispositivos constitucionais, afinal, todo cidadão tem direito a uma resposta constitucionalmente adequada. Para Ovídio Araújo Baptista da Silva é correto dizer que a adequada fundamentação pode, sim, desestimular o emprego de recursos, pois, “quanto mais bem fundamentado o ato jurisdicional, tanto menor será o número dos recursos que o podem atacar”.[1]

Em uma época marcada pela sobrecarga do serviço judiciário, com processos sendo julgados em lote – deixando de ser de alguém para ser mais um –, o risco de decisões equivocadas, incoerentes, contraditórias e desligadas do caso concreto aumenta, o que só reforça a importância dos embargos de declaração. O novo CPC ampliou as possibilidades de atuação dos embargos de declaração, devendo-se, por óbvio evitar a interpretação literal e restritiva, para fazer prevalecer maior utilidade e funcionalidade do recurso integrativo:

O art. 1.022 do NCPC alargou as hipóteses de cabimento dos embargos de declaração, segundo a tendência da jurisprudência à época da legislação anterior de ampliação do cabimento dos declaratórios de modo a alcançar situações que, a rigor, não se enquadrariam no casuísmo do art. 535 do CPC/73. De longa data os tribunais construíram a tese de ser o erro material passível de correção por intermédio dos embargos de declaração, o que agora está expresso no NCPC. Não se deteve, porém, a criação jurisprudencial apenas no erro material. Mas ampliou o uso do recurso do art. 1.022 para alcançar o erro de fato e até de direito, quando qualificável como ‘erro manifesto’. Argumenta-se, para justificar a correção do equívoco grave e evidente, com o princípio da economia processual, já que os embargos teriam, nesses casos especialíssimos, o papel de evitar o ajuizamento de futura ação rescisória, de efeitos facilmente previsíveis.[2]

Como se vê, é possível se atribuir efeitos infringentes aos embargos de declaração, a fim de evitar o trânsito em julgado da decisão e, consequentemente, o ajuizamento de uma ação rescisória. Até mesmo quando o erro é cometido por uma das partes, sendo possível se perquirir sua "intenção" desde a petição inicial, conforme art. 322, § 2º, do CPC. Nesse sentido: “seria um contrassenso, por uma questão de mera forma, reconhecer coisa julgada desse período, submetendo-se a parte autora a uma ação rescisória para ter reconhecido o que já se pode reconhecer, uma vez que seu pressuposto de fato e de direito foi devolvido ao conhecimento do Tribunal e julgado.” (TRF4, AC 5013641-75.2016.4.04.7108, SEXTA TURMA, Relator JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA, juntado aos autos em 17/02/2022).[3]

Com o um arco assim tencionado – em favor dos embargos de declaração – pode-se doravante atirar contra uma recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do AREsp 1.551.878, no qual o Ministro Herman Benjamin, ao mesmo tempo que admite o erro afirma que “Nós não podemos corrigir, em embargos de declaração, equívocos que nós praticamos”. A posição foi seguida pelos ministros Og Fernandes e Francisco Falcão e pela ministra Assusete Magalhães. O vídeo da sessão pode ser visto aqui https://www.youtube.com/watch?v=3IMgygw9NvI (0:59:57)[4]

Parece, de pronto, despiciendo discutir a ocorrência (ou não) de erro no caso concreto, pois o que importa é a visão que os ministros possuem sobre o papel dos embargos de declaração. “Temos de reconhecer que erramos”, admitiu o Ministro. Nesse quadrante, a meu pensar, mais grave do que o erro propriamente dito é sua não correção em sede de embargos de declaração, vale dizer: quando ainda possível, em nome dos princípios da boa-fé e da confiança jurídica.

A decisão surpreende, mormente aos previdenciaristas, já que acostumados a ver orientações importantes serem decididas/impostas em sede de embargos de declaração como, por exemplo, no Tema 546. Somente após o julgamento do EDcl no Recurso Especial nº 1.310.034 - PR (2012/0035606-8) é que os tribunais passaram a observar o precedente em situações envolvendo a conversão do tempo de serviço comum em especial. A decisão proferida em 24/10/2012 incorreu em erro material ao consignar que “o benefício foi requerido em 24.1.2002, quando vigente a redação original do art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991, que previa a possibilidade de conversão de tempo comum em especial” - o próprio STJ admite o erro no AgInt no Agravo em Recurso Especial n. 1687964 - RS.

Outro caso é o Tema 995/STJ, no qual, em sede embargos de declaração, a Corte Especial se manifestou – de forma sucinta – sobre os juros de mora: “no caso de o INSS não efetivar a implantação do benefício, primeira obrigação oriunda de sua condenação, no prazo razoável de até quarenta e cinco dias, surgirá, a partir daí, parcelas vencidas oriundas de sua mora. Nessa hipótese deve haver a fixação dos juros, a serem embutidos no requisitório”. A questão dos juros de mora sequer fazia parte da tese representativa de controvérsia, logo, não foi fruto de um intenso contraditório. Por outras palavras, a questão não foi submetida, de forma integral, à consideração das partes. Não obstante, este ponto hoje é vinculante.

Mas a importância prática dos exemplos termina por aqui. Para o bem ou para o mal, compreendemos a importância e a gravidade das questões aqui lançadas. Sob uma perspectiva hermenêutica, é difícil conceber, como há muito bate o jurista Lenio Luiz Streck, que um Código de Processo Civil, ao prever os embargos declaratórios, admita que o juiz ou tribunal produzam decisões (sentenças e acórdãos) omissas, obscuras ou contraditórias. Em poucas palavras: uma decisão, antes de ser atacada por embargos declaratórios, é nula por violação do inciso IX do art. 93 da Constituição Federal.[5]

Acontece que, diante da triste realidade, a pretensão infringente assume um papel importante diante de defeitos graves, onde fazer vistas grossas seria altamente prejudicial à legitimidade do ordenamento jurídico e da prestação jurisdicional, por trazer instabilidade às relações jurídico-sociais. O processo previdenciário, por exemplo, não pode se contentar em apenas declarar um vencedor ou perdedor. Um erro de julgamento não prejudica apenas o segurado ...é sempre um dano a toda uma visão social que merece o Direito Previdenciário.

No futebol, o VAR veio para ficar e, mesmo que a sua interpretação seja problemática, às vezes, ele dá ao juiz a chance de corrigir o seu erro. As dúvidas devem ser solucionadas durante o jogo, e não fora. Essa alegoria pode servir para trabalhar a importância dos embargos de declaração. Se com embargos de declaração está difícil; imagina sem eles!

 

Escrito por Diego Henrique Schuster

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Bah1: BAPTISTA DA SILVA, Ovídio Araújo. A fundamentação das sentenças como garantia constitucional. Disponível em: <http://www.baptista­dasilva.com.br/artigos010.htm>. Acesso em: 2 out. 2009.

Bah2: THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil – execução forçada, processo nos tribunais, recursos e direito intertemporal. V. III. 49. ed. ver., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 1073.

Bah3: TRF4, ARS 5028067-71.2019.4.04.0000, TERCEIRA SEÇÃO, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 10/05/2022.

Bah4: VITAL, Danilo. Embargos de declaração não servem para corrigir erro de julgamento. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2022-mai-17/embargos-declaracao-nao-servem-corrigir-erro-julgamento>. Acesso em: 26 mai. 2022.  No EAREsp 688.615/MS, o colegiado tinha decidido que a tempestividade recursal poderia ser aferida, excepcionalmente, por meio de informação constante em andamento processual disponibilizado no sítio eletrônico, quando informação equivocadamente disponibilizada pelo tribunal de origem induz a parte a erro.

Bah5: STRECK, Lenio Luiz. O novo CPC: a derrota do livre convencimento e a adoção do integracionismo dworkiniano. In: BOECKEL, Fabrício Dani de; ROSA, Karin Regina Rick; SCARPARO, Eduardo (Orgs.). Estudos sobre o novo Código de Processo Civil. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015. p.160.

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