VAMOS IMPOR À REALIDADE NOSSAS REPRESENTAÇÕES DO QUE SERIA IDEAL?
Ante a natureza
social da demanda previdenciária, prejudicar um cidadão por uma prova mal
colhida durante o processo, é um "dano
a toda uma visão social que merece o Direito Previdenciário". Estas são palavras do Min. Néfi Cordeiro, quando ainda desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Para ele, não se poderia prejudicar o segurado com fundamento numa atuação deficitária do seu advogado, do juiz, enfim, de todos aqueles que estavam operando no processo.
Importante se
considerar que há um grande receio por parte de algumas empresas em divulgar
informações a respeito do meio ambiente do trabalho, isto é, sabendo dos
reflexos nas esferas trabalhista e, sobretudo, tributária. Por outro lado,
sabe-se que, muitas vezes, o segurado deixa de questionar a empresa com receio
de perder o emprego ou de não conseguir nova colocação no mercado de trabalho
por estar litigando contra ex-empregador.
Não obstante,
alguns julgados aplicam o que Humberto Gessinger chama de “determinismo
retrospectivo”: “Impor ao
passado o ponto de vista do presente é uma armadilha, o tal determinismo
retrospectivo. Deixamos de lado vários possíveis desfechos de um lance ao
favorecer aquele que realmente aconteceu. Começamos pensando que ele era possível,
passamos a acha-lo lógico e acabamos acreditando que ele era inevitável. E
inevitável é uma palavra com raríssimas aplicações.”[1]
Em matéria previdenciária, fica claro quando o
esforço do magistrado é dirigido para maximizar os detalhes que contribuem
negativamente, procurando minimizar os vários possíveis desfechos e, até mesmo, a realidade. Na prática, ele começa pensando que ao
segurado era possível, a qualquer momento, pedir junto à empresa um formulário
melhor e/ou sua retificação; passa a achar isso lógico; e acaba acreditando que
era inevitável. Enfim, ele presume o
desleixo do segurado, poupando os verdadeiros responsáveis pela emissão e
fiscalização dos formulários.
A 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por exemplo, assumiu nova orientação sobre a prova testemunhal, no sentido de que esta não se presta a confirmar/individualizar as atividades efetivamente exercidas pelo segurado, quando a CPTS traz anotação genérica da função. Mesmo com a prova de que a empresa se encontra desativada, a fundamentação adotada sugere uma atuação deficitária do advogado, quer dizer: que se limita a juntar a CTPS e pedir a prova testemunhal, a fim de permitir a realização de prova pericial (em estabelecimento similar) ou de possibilitar a aplicação de laudos por semelhança.
A propósito, na AR 5045415-39.2018.4.04.0000/RS, sustentei a possibilidade de a prova
testemunhal ser admitida como “prova nova”, devendo tanto o momento de sua
“constituição” quanto a impossibilidade de apresentação no processo originário terem
menor importância para a admissão da rescisória. Na oportunidade, foi sugerida a atuação deficitária do
advogado, que deixou de arrolar a prova testemunhal ao tempo da ação originária.
No entanto, ali se confirmou, uma vez mais, a possibilidade de apresentação da
prova testemunhal para preencher as lacunas nas hipóteses de função genérica.
Este sempre foi o entendimento do tribunal
da 4ª região. Nesse ponto ganha destaque a noção de “romance em cadeia”. Ronald
Dworkin compara o trabalho do juiz ao de um romancista em cadeia. Assim, é
verdade que cada caso é um caso (e isso vale para todos os casos), agora, no
direito não podem existir decisões isoladas, vale dizer: ad hoc (Lenio Streck). Isso
porque nada começa e termina com uma decisão, sem compromisso os sentidos
prévios, construídos ao longo da história e consolidados pela tradição.
Este, porém, não é o objeto do presente
artigo. O que mais perto interessa à problemática é perceber que, sempre que
possível, alguns julgadores querem fazer acreditar que era possível a obtenção
de outros documentos, como se eles estivessem sempre ali (à disposição do
trabalhador), impondo ao trabalhador e seu advogado a negligência. Pois ora. Estivesse
a empresa ativa ou, ainda, fosse dado aos sindicatos algum crédito, considerando
o seu papel para a criação e regulação das relações
trabalhistas, preocupadas com o meio ambiente do trabalho, talvez se
poderia juntar um formulário preenchido pelo órgão.
Para quem não se lembra, a figura acima foi retirada do
episódio em que Andy Panda e seu pai tentam colocar sal no rabo do Pica-Pau
para capturá-lo, trata-se de uma manifestação irônica que é reproduzida pelo
folclore. O mesmo se aplica aqui, pois, estivesse a empresa ativa, o segurado
não dependeria, única e exclusivamente, da CTPS e da prova testemunhal. Quem consegue
colocar o sal no rabo do pássaro também pode capturá-lo.
Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: GESSINGER,
Humberto. Nas entrelinhas do horizonte. Caxias do Sul: Belas-Artes,
2012. p. 147-149.
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