ALGUNS “TESTES” PARA SE BUSCAR UMA RESPOSTA ADEQUADA EM MATÉRIA PREVIDENCIÁRIA


    Na busca de respostas adequadas, Lenio Streck propõe um “teste” muito interessante, qual seja, colocar uma partícula “não” em face a uma afirmação ou um “sim” em face de uma negação. Com isso se pretende verificar se o enunciado tem possibilidades mínimas de ser verdadeiro no plano da verificabilidade e, hermeneuticamente, no âmbito do “mínimo é”. Ele explica melhor com o seguinte exemplo:
“Se dissermos que ‘chove lá fora’, esse enunciado pode ser falso ou verdadeiro, bastando colocar a partícula “não” e olhar para fora. Com isso, verifica-se que o enunciado ‘chove lá fora’ é falso. Entretanto, se dissermos – utilizando um exemplo que Luis Alberto Warat (1995ª, p. 41) trazia frequentemente – que “os duendes se apaixonam em maio”, esse enunciado é impossível de ser verificado.”[1]
    Este teste foi ventilado no julgamento do Tema 213 da TNU (sim, e depois criticam as aulas de hermenêutica!). A mera informação de que o EPI é eficaz traduz um enunciado que não pode ser conhecido a priori. Teríamos como listar decisões em que o “sim” e o “não” são absolutamente arbitrários, já que o discurso é meramente retórico, não passando, portanto, por qualquer critério de verificabilidade, como quando a demissão voluntária é lida como desemprego voluntário. Além de argumentos sem qualquer relevância jurídica, alguns desafiam alguma providência por parte da OAB, como esse:
"Com isso, o que se tem é o que os procuradores dos jurisdicionados podem optar pelo ajuizamento da demanda na Justiça Estadual pelo simples fato de que a demora para a prolação da sentença lhes é benéfica, uma vez que implicará acréscimo da base de honorários advocatícios, inclusive e também para afastar a competência originária e recursal dos Juizados Especiais Federais."
    Outro “teste” é aquele proposto por Wambaugh[2] e consiste em inverter o sentido da proposição, avaliando, na sequência, se a solução teria sido a mesma. O objetivo é tentar saber se determinados fundamentos foram determinantes para o resultado ou constituem meros reforços argumentativos. Num artigo escrito em coautoria com a Des. Taís Schilling Ferraz, testamos o precedente de observação obrigatória REsp 1.352.721/SP (Tema 629). A conclusão que se chegou: se a demanda não tivesse natureza previdenciária, se a autora não estivesse buscando um direito reconhecido como fundamental, a decisão dificilmente teria sido a mesma.
    Da mesma forma, “se o caso envolvesse ausência de prova material ao invés de insuficiência, é muito provável que a solução fosse a mesma. Isto significa que este fato não foi determinante, não compôs a ratio decidendi daquele julgamento, os debates sobre carência e insuficiência aparecem como meros dicta nas manifestações dos ministros. A tarifação da prova, estabelecida no art. 55, §3º da Lei de Benefícios, não será elemento de discrímen, quando se cogitar da aplicabilidade do precedente a outros casos. Desde que a prova tenha sido frágil, o raciocínio construído, em tese, poderá ser invocado.”[3]
    A construção processual intentada pelo STJ para justificar a possibilidade de repropositura da ação previdenciária poderia ser submetida a este mesmo teste ou ainda ao modelo proposto por Goodhart,[4] para a separação da ratio decidendi daquele julgado de um argumento utilizado em obiter dictum.[5] Caberia indagar se a decisão teria sido a mesma, acaso a autora já tivesse antes batido às Portas do Judiciário, obtendo a improcedência de idêntico pedido por insuficiência de prova material. A preexistência de coisa julgada teria invertido o julgamento?
    Conclusão: "Se a resposta não surge automática, é porque o precedente produz fundada dúvida quanto ao seu fundamento determinante."
    
    Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 261.
Bah2: WAMBAUGH, Eugene, apud Cross, Rupert; HARRIS, J.W. Precedent in English Law. 4. ed. New York: Oxford University Press, 1991, p. 52.
Bah3: SCHUSTER, Diego Henrique; Ferraz, Taís Schilling. A falta de prova do tempo de serviço rural e o futuro da coisa julgada em matéria previdenciária (REsp 1.352.721/SP). Revista brasileira de direito previdenciário. Imprenta: Porto Alegre, Magister, 2011. Referência: v. 9, n. 49, p. 91–109, fev./mar., 2019.
Bah4: GOODHART, Arthur. The ratio decidendi of a case. The Cambridge Law Journal, v. 3, 1928, p. 195-208.

Bah5: Lenio Luiz Streck e Georges Abboud explicam: “[...] o obiter dictum corresponde ao enunciado, interpretação jurídica, ou uma argumentação ou fragmento de argumentação jurídica, expressamente contidos na decisão judicial, cujo conteúdo e presença são irrelevantes para a solução final da demanda.” STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente e as súmulas vinculantes? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. p. 44. 

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