DIREITO PROCESSUAL PREVIDENCIÁRIO: “DESARME AS ARMADILHAS NÃO ME PEÇA EXPLICAÇÃO” (HG)
Você já deve ter tido o seu recurso de apelação improvido sob o argumento de
que a sentença reconheceu a especialidade de determinado período com fundamento
no agente físico ruído, inexistindo, portanto, interesse recursal para, também,
ver reconhecido os agentes químicos, na medida em que não restou sucumbente a
parte autora no ponto: “O reconhecimento do tempo especial por mais de um
fundamento não altera a conclusão da sentença.”
Em
alguns casos, a especialidade do período é afastada - quantos não foram surpreendidos com a orientação do STJ, que exige um nível de ruído acima de 90 decibéis, na vigência do Dec. 2.172/1997 -, mantendo-se, mesmo assim, a falta de interesse
recursal em relação aos agentes químicos, situação que implica verdadeira
armadilha processual. Como afastar a especialidade do período em razão do agente físico ruído e, simultaneamente, apostar na falta de interesse recursal no que diz respeito aos agentes químicos?
Nem num alto
nível de abstração se poderia concordar com isso. O
contraditório também aparece como garantia de não surpresa, devendo, por isso,
a parte ser ouvida antes de uma decisão que envolva seus direitos, a fim de
poder ter influência sobre o processo e seu resultado, o que fica claro no art.
10 do CPC/2015. Aliás, o § 1º do art. 927 determina que os juízes e tribunais
observem o disposto no art. 10. Vejamos o que diz esse último: “O juiz não pode
decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual
não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate
de matéria sobre a qual deva decidir de ofício”.
Ademais, cada
agente nocivo é capaz de produzir seus efeitos jurídicos próprios (uma diferente causa de
pedir), ainda que o período seja o
mesmo. Sob esse aspecto, a questão dos limites objetivos da coisa julgada não
se limita à análise do pedido de tutela jurisdicional, mas impõe a discussão relativa
à causa de pedir. Nesse sentido:
PROCESSUAL CIVIL.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO. EFICÁCIA PRECLUSIVA DA COISA JULGADA.
CONTRADIÇÃO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO. 1. A eficácia
preclusiva da coisa julgada não atinge a possibilidade de alegar a sujeição
a agentes nocivos químicos, quando a causa de pedir (remota e próxima) deduzida
em ação anterior teve por base a exposição a agente agressivo
diverso (ruído). 2. Se a pretensão ao reconhecimento do exercício de atividade
especial com base na exposição a agentes químicos não foi exercida na ação
anterior e, por essa razão, não foi atingida pela coisa julgada material
ou pela eficácia preclusiva da coisa julgada, é impróprio concluir que o
ajuizamento precedente teve o condão de interromper a prescrição. (TRF4
5017189-79.2014.4.04.7108, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado
aos autos em 28/05/2020)
Nessa perspectiva, a
rigor, não haveria coisa julgada quanto aos agentes nocivos não analisados. A
questão, todavia, comporta entendimentos divergentes, pois a possibilidade de
reiterar o pedido em outro processo não é acolhida irrestritamente, logo, é
imperiosa a análise da especialidade do período, com base nos agentes químicos, afastando-se a falta de interesse recursal. É impensável admitir a necessidade de uma nova ação - com todas as implicações que isso tem - para se rediscutir um período, com fundamento num agente nocivo que não só poderia como deveria ter sido analisado.
O art. 1.009 preceitua que, sempre que se tiver interesse em impugnar uma sentença (art. 203, § 1º, 485 e 487), é cabível apelação. A apelação "serve não apenas para impugnar as questões decididas na sentença, mas também se presta para impugnar todas as questões decididas ao longo do procedimento que não comportarem recurso de agravo de instrumento (art. 1.009, § 1º)".[1] Quando a causa se encontrar madura para imediato julgamento (art. 1.013, § 3º), o tribunal deve decidir desde logo o mérito.
Existe, por parte do advogado, o interesse no reconhecimento do tempo de especial por todos os agentes nocivos aos quais o segurado esteve efetivamente exposto. E daí a impugnação completa do formulário PPP desde a via administrativa. Imaginemos a insegurança jurídica vivenciada pelos advogados previdenciaristas após a afetação dos Tema 1083 e 1090 no STJ. Quando "deixamos de lado vários possíveis desfechos de um lance ao favorecer o que realmente aconteceu", o advogado é o primeiro a ser acusado pela omissão, como se ele estivesse querendo ajuizar uma ação para cada agente nocivo!
Escrito por Diego Henrique Schuster
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Bah1: MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo processo civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015. p. 519-520.
Bah2: GESSINGER, Humberto. Nas entrelinhas do horizonte. Caxias do Sul: Belas-Artes, 2012. p. 147-149.
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