PENSÃO POR MORTE: PRESUNÇÃO DE DEPENDÊNCIA ECONOMICA ENTRE CÔNJUGES E COMPANHEIROS (RELATIVA OU ABSOLUTA)?

 

Quando nos deparamos com a necessidade de justificar algum ponto de vista, costumamos olhar para história, na tentativa de reconstruir determinando instituto e, assim, diferenciar pré-compreensão de subjetividade. Focamos, assim, na evolução legislativa e jurisprudencial, para determinar a direção da pré-compreensão. Quero, antes de tudo, desviar um pouco desse caminho.

Tomamos como exemplo a questão envolvendo a “natureza jurídica” (a expressão atrai críticas à metafísica clássica, que aposta na essência das coisas) da presunção de dependência econômica, se relativa ou absoluta, na concessão do benefício de pensão por morte. A questão está intimamente ligada ao direito de família, ou seja, é inegável os paralelos e pontos de convergência entre as diferentes áreas do direito, como se verifica na Súmula 336 do STJ: “A mulher que renunciou aos alimentos na separação judicial tem direito à pensão previdenciária por morte do ex-marido, comprovada a necessidade econômica superveniente.”

No particular, ignoramos as expectativas normativas lançadas pela sociedade sobre o benefício da pensão por morte e, consequentemente, a autonomia do direito previdenciário. Explico. Sem desconsiderar a importância de se estudar a evolução do direito posto e outras áreas do direito – um estudo interdisciplinar –, o que se percebe é que a pensão por morte passou a ser mais um benefício a qual concorre o segurado que contribui para a Previdência Social, isto é, eu contribuo para, na minha falta, deixar uma pensão por morte para a minha esposa ou filhos. É claro que devemos pensar no custeio do benefício e sua manutenção, porém, aqui se quer chamar a atenção do leitor para a percepção que, antes mesmo de se analisar a situação do(s) dependente(s), tem o instituidor sobre o futuro da sua família, e que, em muitos casos, o motiva a recolher para a Previdência Social. Às vezes, esse pode ser o único motivo.

Ademais, a nossa reflexão não pode recair apenas sobre os critérios de concessão do benefício, neles compreendida a dependência econômica, mas sua manutenção. A manutenção do benefício não está condicionada à comprovação da dependência econômica, tanto é assim que é possível a cumulação do benefício com o de qualquer aposentadoria, benefício por incapacidade, seguro-desemprego etc. É possível, até mesmo, a cumulação de pensões por morte de cônjuge ou companheiro, quando o benefício tem origem de regimes previdenciários diversos. Ainda, a discussão, caso a caso, da dependência econômica detona situações paradoxais quando confrontadas, colocando em xeque a existência de critérios seguros e controláveis ou, até mesmo, justos. Com efeito, a questão carece de mediação legislativa, na busca de coerência, sob pena de prevalecer uma ideia simplista de equidade e justiça, em que se dá a cada um o que é seu.

Isso porque será necessário analisar as condições financeiras do “de cujus” e do suposto dependente, para dimensionar a existência e/ou o grau de dependência econômica do segundo para com o primeiro. Assim, é possível ter um dependente pleiteando uma pensão no valor de um salário mínimo; do outro, um benefício cinco vezes maior. No primeiro caso, o INSS impugna a dependência econômica sob o argumento de que a dependente já recebe um salário mínimo; no segundo, a companheira não possui nenhuma renda fixa!

Vale lembrar que a dependência não precisa ser exclusiva. Então, de que dependência estamos falando? Aquela que deverá ser decidida conforme a “consciência” ou “livre escolha” do magistrado? O mesmo vale para a caracterização da condição de segurado especial, a quem compete demonstrar que fez da atividade rural o principal meio de vida e de sustento. Neste nível, o que menos importa é se o trabalho é dispensável, ou não, para o sustento da família. Afinal, quando o trabalho é (in)dispensável?

Assim, tenho pra mim que “a presunção de dependência econômica entre cônjuges e companheiros deve ser interpretada como absoluta”[1] e, portanto, “[...] não comporta prova em contrário”[2], respeitada a duração do benefício de acordo com o art. 77, inc. V, alínea “c”, da Lei 8.213/1991 – previsão legal que orienta uma presunção, que tem como ponto de partida a idade do cônjuge e, portanto, considera aspectos socioeconômicos das famílias. Tal entendimento pode ser justificado, é verdade, em normas do direito de família, que impõem o dever de alimento previsto no art. 1.694 do CC ou no dever de mútua assistência entre cônjuges ou companheiros (arts. 1.566, III, 1.724, do CC; art. 2º, II, da Lei 9.278/96). No entanto, é na distinção entre alimentos e pensão por morte que busco justificar a presunção absoluta. A diferença introduz a noção contemporânea que temos sobre a pensão por morte.

Pode-se afirmar que o sentido resultante da distinção entre direito previdenciário e direito de família permite, cada vez que se observa, novas distinções, que fomentam a criação de novas expectativas, confirmando assim, a importância de um pensamento sistêmico para a compreensão do fenômeno jurídico.

Reconheçamos os segurados que não teriam direito à pensão por morte e, por outro lado, aqueles a quem foi negado o benefício. Às chances de acertar são maiores quando se reconhece a presunção absoluta, porque as decisões serão sempre imparciais, o que não se verifica quando o julgador tenta ser justo. Então, não tenho necessidade de cavar mais adiante.

Estamos procurando uma razão de justiça comum a todos para rejeitar antecipadamente a estratégia de medir a dependência econômica, ainda que, em certas situações, seja fácil chegar a uma solução, vale dizer: com boas razões para reconhecer, ou não, o direito. Não obstante, temos razões para acreditar que novas injustiças distintas serão criadas por essa solução.

Aqui estão meus pressupostos de base. A pensão por morte é o benefício que mais “sofreu” com a reforma da previdência (EC 103/2019) – mas não pretendo avançar nesse caminho.

Escrito por Diego Henrique Schuster

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Bah1:CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 12. ed. Florianópolis: Conceito Editorial, 2010, p. 661.

Bah2:MARTINEZ, Wladimir Novaes. Comentários à Lei Básica da Previdência Social. 4. ed. São Paulo: LTr, 1997, t. II, p. 137.

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